Jorge Fiel
Vitor Abreu, 57 anos, explica que os têxteis técnicos fazem parte do ADN do grupo Endutex, que fatura 85 milhões de euros, e revela o segredo do sucesso: “Trabalho, pessoas, dedicação, competência e know how”
política está a sobrepor-se à economia, o que não agrada nada a Vítor Abreu. “O Governo está a dar-nos veneno às colherzinhas”, queixa-se o CEO do grupo Endutex, que espera fechar o exercício de 2016 com um crescimento do volume de negócios na ordem dos dois dígitos.
A Endutex abanou mais com a crise das dívidas soberanas ou a entrada dos asiáticos na OMC?
Não somos uma ilha. Vivemos com os clientes e dos clientes. Por isso sofremos muito quando a Espanha – que é o nosso principal mercado – se retraiu. Quanto melhor estiver a Europa, melhor estamos nós.
Nunca temeu pela sustentabilidade da empresa?
Fomos obrigados a fazer um grande esforço de otimização dos recursos, a ser mais eficiente e aumentar a produtividade. Mas a sobrevivência nunca esteve em cima da mesa. Apesar das dificuldades, tivemos sempre resultados positivos. E 2016 está a ser um ano bom, que esperamos fechar com um crescimento na ordem dos dois dígitos.
Desde que há 26 anos assumiu a liderança da empresa, qual foi o momento mais crítico?
Talvez em 2009, quando tivemos uma quebra de 15% na faturação. Mas mesmo assim nesse ano continuamos a ter resultados positivos.
A aposta em produtos técnicos torna-vos mais impermeáveis às crises?
Os têxteis técnicos fazem parte do nosso ADN. A Endutex nasceu a partir da autonomização, em 1970, de uma unidade do grupo Magalhães – Baiona, Têxtil de Vizela, etc… – que fazia um acabamento de impermeabilização de tecidos, o que na altura se podia considerar um acabamento técnico. A aposta nos têxteis técnicos resulta da análise que fizemos da otimização dos nossos melhores recursos e da leitura que fazemos da evolução dos mercados e do posicionamento de Portugal no espaço geográfico europeu.
E a sua estratégia foi aprofundar essa aposta?
Sim, mas dando também ênfase à diversificação de produtos da nossa gama de produtos e aplicações finais. O objetivo é sempre otimizar a rentabilizar o nosso know-how, apoiado numa equipa de pessoas altamente qualificadas e competentes. A nossa estratégia foi sempre a de crescer a fazer melhor e diferente dos nossos concorrentes.
A diversificação não tem inconvenientes?
Tem a desvantagem de implicar uma certa dispersão do foco comercial e dos recursos, em particular na área de i&d. Temos concorrentes exclusivamente focados num ou outro setor, como o automóvel ou a arquitetura têxtil. Mas essa nunca foi a nossa vocação. Sabemos que há um preço a pagar pela diversificação, mas temo-nos dado muito bem com isso. Costumo dizer que somos atletas do decatlo.
Qual desses setores é o mais importante?
O da impressão digital, principalmente depois de um investimento superior a dez milhões de euros que nos permite fazer telas e revestimentos até cinco metros de largura. Foi um desafio muito exigente em termos técnicos e produtivos, mas que compensou por nos acrescentar mais um fator de diferenciação. Somos os únicos em Portugal e um dos quatro únicos da Europa a ter esta capacidade.
Porque é que investiram em tinturaria e acabamentos?
A Endutex Revestimentos sempre foi uma grande utilizadora de malhas muito específicas. Em meados da década de 80, estávamos com dificuldades no abastecimento, em qualidade e rapidez, e achamos que havia uma boa oportunidade de investimento. Foi por isso que construímos de raiz a Endutex AM (Acabamentos e Malhas).
A grande diversificação de produtos implica um grande esforço de i&d?
Enorme. Temos um laboratório com seis investigadores. A i&d é uma componente fortíssima e crítica da nossa atividade. Quando se tem um portefolio tão alargado é fundamental a procura permanente de produtos diferentes e inovadores que melhorem e potenciem a nossa oferta.
Desenvolvem mais produtos a pedido dos clientes ou por vossa iniciativa?
Das duas maneiras. Mas preferimos trabalhar com fatos feitos à medida dos clientes, pois assim sabemos à partida que está garantido a necessidade e consumo. Mas também desenvolvemos produtos por nossa iniciativa.
Quais são os mais recentes produtos inovadores saídos do vosso departamento de i&d?
Na impressão digital, uma nova gama de produtos Não PVC, respondendo assim à crescente tendência green dos consumidores. Apresentamos uma nova série de produtos para caixas publicitárias de luz em aeroportos. Temos também um novo piso até 500 cm para impressão digital, uma nova linha de materiais elásticos para tendas, etc…
Qual é a vantagem de terem uma rede comercial própria com filiais em Madrid, Barcelona, Cracóvia, Budapeste, Dusseldorf e Porto Alegre?
Depois da diversificação de produtos e da i&d, a internacionalização é a terceira perna do nosso tripé estratégico. Estarmos mais próximos dos clientes elimina o ruído na linha, inevitável quando há muitos intermediários pelo meio. Permite-nos compreender melhor o que eles querem e reagir mais depressa. Isso é essencial num mundo em que a oferta é cada vez maior, as margens são mais apertadas e há uma crescente pressão sobre os preços. Valorizamos cada vez mais o contacto direto com o cliente. Se a discussão se limita ao fator preço, há sempre alguém disponível para vender mais barato….
Está satisfeito com a geografia das vossas exportações?
Exportamos 80% das nossas vendas, o que demonstra bem a importância dos mercados externos na nossa estratégia. Sinto que temos de reforçar a presença nos EUA, para conseguirmos um cabaz cambial mais equilibrado e reduzir a exposição ao risco do euro. Essa é uma das nossas prioridades comerciais. Abrimos um escritório em Los Angeles, mas tudo está a ser reequacionado, incluindo a localização. Já temos negócios com os Estados Unidos na área da impressão digital, toldos e telas para ecrãs de cinema, mas queremos estar lá de uma maneira mais alargada e efetiva.
O que foram à procura quando em 1998 investiram numa fábrica no Brasil?
Quando em 1995 iniciámos esse projeto, o aliciante era a dimensão do mercado brasileiro. E quando apostamos na fábrica, em Rio Grande do Sul, para fornecer de couro artificial a indústria local de calçado, foi um investimento a sério, de dez milhões de euros. Compramos o melhor equipamento existente, treinamos gente aqui e transferimos para a Endutex Brasil os conceitos de gestão das nossas empresas. Foi um desafio extenuante mas conseguido.
Está preocupado com a crise económica e instabilidade política que sacodem o Brasil?
Quando o real se desvaloriza mais de 30%, não posso deixar de me preocupar, até porque metade das matérias-primas com que trabalhamos são importadas. A gestão numa conjuntura destas é mais complicada, mas a Endutex Brasil continua a ser rentável e uma boa empresa.
Em Portugal, o que é que o preocupa mais?
O Governo está a dar sinais muito pouco animadores para a indústria. A política está a sobrepor-se à economia. Compreendo perfeitamente a frustração das pessoas que têm salários baixos. E acho legítimo que queiram ganhar mais. Mas se um trabalhador vier ter comigo a pedir um aumento, ele não vai ficar satisfeito se eu lhe responder que em vez de mais dinheiro lhe dou a tarde de sexta-feira. A mensagem que o Governo está a passar é: descansem, não trabalhem tanto…
A reversão dos feriados foi um erro?
Um erro crasso. Parece que já nos esquecemos que estamos num país com as finanças públicas desequilibradas e que vive em grandes dificuldades. Enquanto cada europeu está a dormir, há três pessoas do outro lado do mundo com os olhos bem abertos a trabalharem o dobro ou o triplo mais do que nós para nos roubarem os clientes.
Não está contente com o Governo?
Está a passar a mensagem errada, não só para dentro do país mas também para o exterior. Sempre fui educado no valor trabalho. Como costumava dizer o meu pai, é sempre a última grama que faz arrear o burro – e a nossa têxtil não merece mais peso.
A reindustrialização é apenas um discurso ou sente que há um apoio efetivo?
Felizmente que, os dirigentes europeus já abandonaram a desastrosa ideia de uma Europa de serviços, sem essa coisa “suja” que é a indústria. Finalmente perceberam que a indústria é necessária e sente-se que há um maior carinho por ela. Mas ainda sofremos muito com o excesso de legislação e regulamentação. Em Bruxelas, legisla-se a torto e a direito, sem se fazer a mínima ideia do impacto económico das leis e das suas consequências na competitividade das empresas.
Faltam engenheiros têxteis?
Li que havia mais de 200 pedidos de engenheiros têxteis a Universidade do Minho só tinha formado oito. Quando o discurso dominante era o de que a ITV estava moribunda e ia acabar, é natural que a procura desses cursos tenha caído muito. Mas estou seguro que essa a situação vai corrigir-se.
O mau tempo já passou?
A ITV fez um grande e bem sucedido esforço para se reinventar e ser competitiva. Mas temo muito que seja afetada por devaneios políticos. Será uma razia completa se lhes passar pela cabeça estender as 35 horas ao setor privado. E a Europa atravessa um período complicado. Ninguém sabe o que acontece se a Inglaterra sair. Na economia, tudo gira à volta de confiança. Sem confiança não há investimento nem consumo. As pessoas poupam, “saving for a rainy day”.
A diversificação para a hotelaria foi o aproveitamento de uma oportunidade ou uma decisão estratégica?
Antes de iniciarmos a cadeia Moov, com a compra e transformação do antigo cinema Águia de Ouro, já tínhamos um histórico na hotelaria. Tínhamos estado com os grupos Amorim e Accor no lançamento e expansão dos Ibis em Portugal. E também fomos acionistas da Figueira Praia.
Qual é o conceito Moov?
São hotéis budget, com um custo de 40 a 50 euros por quarto, mas modernos e com bastantes comodidades: boa insonorização e localização, tv cabo, ar condicionado, wifi gratuito 24 horas por dia, etc… Temos dois na área do Porto – Águia de Ouro e Norteshopping – e um Évora. Entre este ano e o próximo, vamos abrir três na área de Lisboa (Fontes Pereira de Melo, Expo e Oeiras) e dois no Brasil, em Curitiba e Porto Alegre. O plano é chegar às oito unidades em Portugal.
Qual é o segredo do sucesso?
É trabalho, pessoas, dedicação, competência e know-how. O sucesso é 90% de transpiração e 10% de inspiração. Tudo o resto é conversa.
Como é que vê o grupo daqui a dez anos?
É impossível planear a tanta distância. Mas acredito que o peso relativo da hotelaria e imobiliário vão ser maiores. Na parte industrial não me vejo muito maior em tamanho, mas em valor acrescentado. Ou seja a jogar num outro campeonato. Um elefante precisa de muita erva para se alimentar – e hoje em dia na Europa não há grandes prados. Prefiro a imagem da gazela, a comer aqui e ali.
Vítor Abreu, 57 anos, nasceu em Luanda, onde o avô materno tinha uns armazéns. Em 1963, com cinco anos, veio para Guimarães. Mal acabou Engenharia Mecânica, casou com Maria Lídia (filha de José António Magalhães, de quem está separado) e foi trabalhar na Endutex, cuja presidência assumiu em 1990, após a morte do sogro. Tem dois filhos: Maria, 34 anos, psicóloga (casada com André Ferreira, que se ocupa da Hoteleira e Imobiliária do grupo), e Vítor, 30 anos, licenciado pelo IPAM.
Cresceu no meio dos trapos, pois, no regresso de Angola, o pai, Ramiro, estabeleceu-se com uma fábrica de felpos (Têxtil Rasil), na Nespereira. O que ajuda a perceber porque cumpriu apenas a metade o sonho da adolescência de ser engenheiro mecânico numa equipa de desportos motorizados.
A ideia era ir para o Técnico, mas devido à agitação que se seguiu ao 25 de abril, a família achou mais prudente mandá-lo para Londres, onde se licenciou e iniciou um MBA, completado em San Diego (EUA). Continua apaixonado por motas e automóveis, mas não se arrependeu de ter deitado âncora na têxtil (“É um setor muito bonito”) e não se imagina a arrumar as botas – “Gosto muito de trabalhar”.
Acha que a solução de Governo, apoiada em partidos contrários à iniciativa privada e economia de mercado, é capaz de criar o clima de confiança capaz de impulsionar a dinâmica dos negócios e o crescimento da economia?
Estou francamente preocupado com o atual ambiente político e a maneira como o Governo olha para as empresas. As decisões parecem ser tomadas sem qualquer análise prévia ou preocupação sobre as suas consequências para as empresas. A atual solução política não tem o meu apoio!!
Que medidas tomadas pelo Governo favorecem a melhoria da competitividade? E quais são suscetíveis de prejudicar esse objetivo?
Os novos quadros de apoio (Portugal 2020 etc…) podem efetivamente melhorar a competitividade da nossa indústria, mas desde que os investimentos tenham um objetivo nitidamente industrial/económico – e não de ter esse apoio e depois lá se verá. Mas isto é só um receio e não uma afirmação. Quanto às medidas suscetíveis de prejudicar a competitividade, considero um enorme erro a reversão dos feriados, a reversão das 35 horas para a Função Pública e a convicção de que para este Governo os empresários são o elo mais fraco.
Considera adequado o aumento do salário mínimo ser feito fora da Concertação Social e desalinhado dos ganhos de produtividade?
Não, não considero adequado. Penso que este Conselho de Concertação Social foi criada exatamente para ser o local onde todos os intervenientes têm assento e onde se deverão conseguir os acordos necessários para a melhoria das condições de trabalho, melhoria da competitividade das empresas e num ambiente de paz social. Fazer isto por imposição e à revelia deste Conselho, foi uma má medida e um sinal de como o Governo olha para cada uma das partes.
Se fosse empossado ministro da Economia quais as três medidas que consideraria essenciais para tornar a indústria exportadora mais competitiva?
Fazer uma análise completa e isenta dos custos energéticos; criar uma comissão para elaborar um estudo completo e isento das leis laborais, da real situação do país neste domínio e propostas de melhoria; e, por fim, dar força e real importância à Concertação Social.