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Interessados nos mercados de gama média-alta – precisamente aqueles que, apesar de uma maior exigência a todos os níveis, permitem a obtenção de valor-acrescentado – a Araújo - Irmãos está focada na Europa, mas também já atravessou o oceano Atlântico: os Estados Unidos fazem parte do conjunto de países para onde exportam tudo o que tem a ver com malhas.
omo é que vieram parar ao mundo dos têxteis? Quando e como surge a Araújo – Irmãos?
Desde que nascemos que sempre estivemos ligados ao têxtil. Este bichinho veio um bocado por parte da família. “A nossa avó tinha uma tinturaria artesanal. O nosso gosto pelas tintas e pela confeção veio daí”. E por isso, este foi o negócio que nós desde sempre quisemos abraçar. A Araújo – Irmãos nasceu em 1978, éramos quatro irmãos nessa altura a gerir a empresa, até que em 1998 separámo-nos. Desde então e até aos dias de hoje sou eu e o meu irmão Fernando que assumimos a responsabilidade da Araújo – Irmãos.
E hoje em dia como se caracteriza a Araújo – Irmãos. Qual é a dimensão do negócio?
Nós fazemos todos os tipos de artigos que forem relacionados com malhas, somos especialistas nisso. Somos praticamente verticais, temos confeção, estamparia, lavandaria, tinturaria, e alguma tecelagem. Procuramos sempre ser minimamente verticalizados. Tudo que necessitamos, recorremos aos nossos parceiros. A confeção é 100% nossa e também temos duas empresas de confeção associadas à Araújo – Irmãos. Nós estamos em Gilmonde; as outras empresas, uma está em Vila Verde outra está na Póvoa de Varzim. Temos 70 trabalhadores e o nosso volume de negócio anda à roda dos cinco milhões anuais. Neste momento, estamos posicionados no mercado europeu e americano. Trabalhamos com Itália, Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos. Somos 100% internacionais desde que nascemos, nunca trabalhámos para o mercado nacional.
E quais é que foram os maiores desafios que sentiram ao longo destes anos na vossa afirmação internacional?
São desafios de circunstância. Os mercados alteram-se com alguma facilidade. Há dificuldades em posicionarmo-nos junto de determinados tipos de clientes. O nosso foco é a gama média-alta, para termos algum valor-acrescentado. Mesmo no contexto atual, tem de ser mesmo assim: neste momento, se formos a fazer básicos em grandes quantidades não temos preço, literalmente. Só mesmo peças que tenham um valor-acrescentado. Mas isso exige muito de nós, pois as quantidades são menores e a exigência é muito maior. Gerir esses recursos humanos é um bocado complicado. No fundo, o trabalho é sempre igual: tanto vale fazer 50 peças como mil, como duas mil. E é essa luta que neste momento estamos a travar, pois está-nos a condicionar as exportações devido a esse tipo de artigo que estamos a fazer, que é oferecer muita variedade em pequenas quantidades. Estamos a fazer ajustes internos para ir para esse mercado.
Isso quer dizer especificamente o quê?
Nós sempre fizemos ajustes internos, para as pequenas quantidades, para nichos de mercado. Nós, desde que iniciámos o negócio, nunca tivemos aqueles grandes clientes, tipo Zara, sempre trabalhámos com o foco no valor-acrescentado, médio-alto. Só que isto é difícil, tendo em conta o contexto internacional e particularmente o europeu. Os clientes que nos pagam melhor são os médios/pequenos, são clientes que estão a nascer ou que nasceram há pouco tempo e são esses o nosso foco. O cliente grande, de dois milhões a três milhões por ano, são clientes difíceis de mantermos dentro de portas, porque além da qualidade também querem o preço. No contexto em que os salários e os impostos estão a aumentar e o nosso mercado está a escassear, temos de dar uma volta ao nosso posicionamento de forma a termos o mercado que tanto ansiamos.
Sente que já há uma valorização do ‘made in Portugal’?
Para o cliente pequeno, sim. O cliente grande aprecia isso, mas tem outros interesses. Gosta de Portugal desde que tenha o preço de uma Indonésia, do Paquistão ou da Turquia, e nós não podemos fazer isso. Sempre nos preocupámos ao longo destes anos em obter certificações, mas essas certificações não chegam para valorizar o nosso produto. Penso que o que se passa connosco deve passar-se com outras empresas.
Para que mercados têm intenção de expandir? A Araújo – Irmãos tem marca própria?
Nós trabalhamos em private label, todo o mercado para nós é bem-vindo. O tipo de cliente é o que nos interessa mais e não o mercado, que é global. É aí que nós temos de ser conhecidos. Temos de fazer uma intervenção que reflita o que nós temos dentro de portas e que possamos dar ao mercado. A Araújo – Irmãos propriamente não tem marca própria, mas uma pequena empresa ligada à nossa tem marca própria. Na nossa empresa não comercializamos outras marcas.
Muitas circunstâncias surgiram pelo caminho: uma pandemia, depois a atual instabilidade económica. Como é que se ultrapassa tudo isto?
Fomos bastante afetados com a pandemia. E o pós-pandemia ainda foi pior. O ano de 2022 foi um ano fantástico, o 2023 já foi um ano mais fraco. Somos uma empresa financeira e estruturalmente estável, mas para tal é necessário haver um crescimento do mercado. Nós temos essa vontade e fazemos esse esforço de irmos mais longe. Foram adotadas medidas empresariais restritivas: reestruturámos internamente de forma a sermos capazes de estarmos vivos. Somos financeiramente estáveis e é isso que nos dá força para mantermos o ADN criado e o nosso know how, que vale muito. Há 40 anos, os clientes vinham ter connosco, há 30 também há 20 menos, há dez ainda menos e agora somos nós que temos de ir ao encontro do mercado. Não estávamos habituados e é esse esforço que temos de fazer agora. Temos a estrutura montada, o ADN criado e sabemos acima de tudo que vamos vencer. Temos de lutar.
É um grande esforço.
Nós, os industriais portugueses, temos de saber vencer sem estar sob a capa dos governos. Nós temos de ser diferentes, temos de exigir aos nossos governos o que nós queremos. Nós industriais estamos reféns dos governos, que calam as nossas vozes e por isso as associações têm de ser fortes.
Em que sentido a Araújo – Irmãos tem procurado evoluir? Há espaço para novos investimentos?
Havendo procura, há sempre espaço. A primeira ETAR biológica em Portugal foi feita na Araújo – Irmãos, e estamos a falar de há mais de 20 anos. Em termos de recursos humanos somos altamente experientes e em termos tecnológicos temos a melhor. Fomos dos primeiros clientes da Lectra em Portugal. A segunda máquina de corte veio para a nossa empresa. Estamos a investir na nossa tinturaria e temos tecnologia de ponta a nível de estamparia. Procuramos estar dentro do segmento, pois sabemos que os nossos clientes são exigentes. Somos certificados e trabalhamos com fornecedores certificados e há mais de dez anos que temos mais de 600 painéis solares instalados. Agora o que precisamos é que o mercado sorria um bocado. O motor da Europa, que é a Alemanha, está neste momento em recessão. A França para lá caminha. A Espanha é o que nós sabemos. E temos os nossos parceiros concorrenciais, o caso da Turquia, Bangladesh, Myanmar e o Paquistão. Nós portugueses somos um fornecedor pequeno, de cinco mil milhões de euros anuais num contexto mundial, o que é um valor irrisório. Sabemos que só o turismo ultrapassa os 20 mil milhões por ano.
Há uma grande apetência pela sustentabilidade, Quais têm sido os vossos passos nesse sentido?
Bastantes, porque os nossos próprios clientes exigem essa sustentabilidade. Por isso é que somos certificados. É por aí que temos de ir, mas não é tudo. A sustentabilidade é uma palavra bonita, mas daí até ser realidade absoluta é muito difícil – quando nós vemos à nossa volta o que se desperdiça, o que se estraga, o que não se recicla, é assustador. Já por isso temos uma ETAR biológica há muitos anos, pois sabíamos que isso seria o futuro. Não há um único produto que saía daqui sem ir para a reciclagem. Agora há muito para fazer em Portugal, na Europa e no mundo.
Sentem que os clientes já aceitam pagar um ‘preço sustentável’?
Na altura de pedir fios orgânicos, fios especiais todos virados para o ambiente, o cliente gosta. É importante, mas o preço fala mais alto e quer o normal. Há clientes que já aceitam, mas são os clientes importantes na Europa, que têm aí o seu nicho de mercado, mas nem todos podem trabalhar para esses mesmos clientes, eles também não têm capacidade para absorverem o que todos nós temos para oferecer. Mas há clientes que adoram a sustentabilidade e nós temos de ir por aí. Mas sabemos que as grandes cadeias aplicam o nome da sustentabilidade porque é bonito, mas não é a realidade.
Como se sabe, atualmente a moda circular está a originar novos modelos de negócios como é o caso das vendas em segunda mão e o aluguer temporário de vestuário. Que importância é que acham que vão ter estes modelos de negócio?
Têm um caminho a fazer bastante longo. Tem que haver alguma proteção a estes tipos de indústrias. Eu conheço pequenos atelieres que estão a fazer isso, mas não é uma empresa como a nossa que consegue de um momento para o outro começar a reciclar peças usadas, cortá-las e redimensionar para outros modelos e voltar a aparecer no mercado com novos modelos reciclados. É muito complicado muito difícil. Que é um caminho que nós temos de percorrer, pode demorar cinco, dez, 15, 20 anos, mas é esse caminho que nós temos de seguir. Nós queremos estar a par do que o cidadão comum europeu ou mundial quer. Há pouco tempo, numa conferência do CITEVE em Barcelos, falou-se que os nossos modelos vão passar a ter um QRCode, um passaporte digital, até 2030. Acho um absurdo nestes tempos, mas é um caminho que temos de percorrer. Porque nós não temos armas para competir com uma Turquia, que tem cinco milhões de pessoas a trabalhar na indústria têxtil e nós temos pouco mais de cem mil. Não podemos competir com uma Myanmar, que está a ser financiada por empresas e o governo está fora. Há uma exploração mundial e é isto que nós temos de dizer em voz alta, para que todos ouçam.
Quais as perspetivas para o final deste ano? E quanto ao futuro quais são os planos da Araújo – Irmãos?
Já sabemos que o contexto mundial é difícil, mas nós temos de crescer e vamos contrariar o mercado. Somos resilientes e não abandonamos o barco só porque há uma pequena tempestade. O futuro é risonho. Não temos perspetivas, as perspetivas é o navegar à vista e com consciência.
Já há uma segunda geração à vista?
Há sim, e estão a trabalhar connosco. Que aprende connosco mas que não aprende muito: que aprendam outras coisas, pois há muito para aprender. Enquanto estivermos vivos isto mantém-se e vamos deixar raízes para que continue.
Pedro e Fernando administram desde a fundação uma empresa que esteve sempre focada nos mercados internacionais, uma opção que permitiu à empresa crescer à margem das idiossincrasias da económica interna.
Têm alguma estratégia por detrás? Neste momento qual é o vosso foco?
Mostrámos tudo aquilo que fazemos. Desde as malhas, das confeções, da inovação, de tinturaria, de lavandaria de estampados, o que temos de melhor. O foco neste momento é vender private label e encontrar o mercado que seja apetecível para nós e que os clientes gostem. Sabendo o contexto da Europa e temos que encaixar aí as nossas expectativas. Neste momento, queremos dar-nos a conhecer e pouco mais. Expectativas altas, para nós, é o conhecimento que nós podemos dar ao mercado e que as pessoas apreciem o que nós temos.
As feiras são o vosso investimento mais recente?
Sim. Nós já fomos a algumas feiras, mas como visitantes. No fundo, os industriais portugueses estão um pouco acomodados a isso. Sabemos que no segmento das feiras há uma série de entraves. A abertura das feiras devia ser muito mais ligeira, muito mais fácil. Se há fundos comunitários, estamos; se não há fundos comunitários não vamos. E isto não está bem: as empresas devem investir quanto têm de investir.
Quais foram os fatores que vos levaram a apostar na vossa estreia no Modtissimo?
Ir à procura do mercado. Antes do Modtissimo, estivemos na Magic Las Vegas porque temos lá algum mercado, como também vamos participar noutras feiras, em Itália, na França e nos Estados Unidos. Mas realmente tem que se desburocratizar o sistema, tem de ser fácil. Já fomos a feiras onde se via haver um bloco só para os turcos; com os portugueses não há essa união: juntarem-se e formarem um cluster. Acho que o Modtissimo pode, neste momento, fazer um grande esforço de captar pequenos/médios clientes, estilistas e designers que possam vir cá e reconhecerem a nossa qualidade. E a partir daí podemos ir buscar mercado. Não estamos habituados a expectativas muito altas, sabemos que isto é tudo gradual, nada nasce e cresce no mesmo momento. Dar-nos a conhecer é importante e se houver pessoas com recetividade para nos conhecer já é bom.