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A sofisticação europeia é algo muito valorizado pelos clientes americanos”, refere Hélder Rosendo, para afirmar que o mercado do outro lado do oceano, onde o grupo evidentemente já está, é para continuar a ser importante mas não prioritário, no que tem a ver com os mercados exteriores à União Europeia, “naturalmente a nossa geografia de expansão”. O Bussiness Director da TMG nem sequer está propriamente preocupado com o possível regresso de Donald Trump (e das suas derivas protecionistas) à presidência dos Estados Unidos.
mercado está consolidado e as operações da TMG Texties com esse destino são para continuar. Mesmo que a Europa não tenha sabido (ou talvez não tivesse querido) fechar um acordo com o Mercosul, ao cabo de mais de 20 anos de penosas negociações. Seja como for, todas essas ‘transumâncias’ que se registam ou virão a registar-se no lado oeste do Atlântico “não me tiram o sono”. Nesse contexto, o grupo está focado exatamente no seu “mercado natural”, o europeu, que está em profunda alteração – mesmo que o ímpeto legislativo que acometeu a União Europeia no que tem a ver com os têxteis pareça ter perdido ‘gás’. Talvez a Comissão se tenha esquecido (ou não tenha lido sobre as preocupações manifestadas pelos empresários portugueses) de que nada de fundamental será alterado se o perfil do consumidor não acompanhar (a montante) essa movimentação. Sob pena de que, no momento da decisão de compra, a vertente do preço prevalecer sempre sobre a da sustentabilidade. O contributo do Banco Central Europeu (no que tem a ver com as taxas de juro) é importante nesse ponto, mas, na melhor das hipóteses, qualquer coisa de positivo no segundo semestre. Se a Reserva Federal norte-americana se apressar!
Que indicadores conseguiu já obter nas feiras em que esteve presente relativamente ao ano de 2024?
Acabámos de chegar de Paris, da Première Vision, e estivemos na semana anterior na Milano Única. Quer numa feira quer na outra, o resultado é, para já, extremamente positivo. Não só pela quantidade de visitantes e pelo ‘mood’ que tivemos oportunidade de sentir nas feiras, pelo movimento que se viu nas feiras, mas também pelo número de visitantes que vimos nos nossos stands – quer em Milão, quer em Paris. Tivemos os stands sempre praticamente cheios, o que é um excelente sinal…
Mas não com turistas.
Não com turistas. Muitos dos que por ali passaram são já nossos clientes – alguns não tinham ido às últimas edições e voltaram, o que é um bom sinal – e alguns clientes novos. A expectativa de Paris foi muito interessante porque, quando vimos que Milão tinha corrido muito bem, achámos – e partilhei isso com alguns colegas do sector que encontrei na feira de Paris, que tinham exatamente a mesma perspetiva que eu: estávamos receosos que Paris pudesse ter alguma quebra, exatamente porque Milão tinha corrido muito bem. Mas não foi isso que se verificou: o que se verificou foi que Paris também correu muito bem.
Há portanto uma tendência?
Uma tendência que se verificou nos dois certames. E mesmo no último dia de feira, que é tradicionalmente um dia mais fraco, verificámos que houve bastante movimento. Portanto, olhando para esses dois sinais, diria que as perspetivas são boas. Olhando para o mês de janeiro, também podemos dizer que foi um mês interessante. Mas tenho sempre algum receio.
Em relação a?
No ano passado, janeiro de 2023, também tivemos um mês interessante e depois acabou por revelar-se um ano complicado, difícil, nomeadamente nos últimos dois trimestres. Mas o que é facto é que este sinal das feiras é diferente em relação ao ano passado. Há aqui um sinal mais positivo – vamos agora perceber, com as cautelas e com as reservas que sempre temos que ter, se isto se materializa numa inversão daquilo que tem sido o percurso dos negócios do sector nos últimos dois trimestres do ano passado e se temos uma melhoria.
Dois trimestres é muito tempo, é meio ano perdido – muito difícil de acomodar no balanço de 2023.
Não é fácil. Estamos a assistir claramente a uma quebra de consumo na Europa, isso é notório.
E não há nenhuma boa razão para se imaginar uma recuperação.
Vamos ver como será a próxima revisão das taxas de juro na Europa, se será um bocadinho mais simpática e se permite às pessoas melhorar um bocadinho o seu poder de compra.
Nunca antes do final do primeiro semestre.
Nunca. E com mais uma questão: nós vínhamos de uma tendência a seguir à pandemia em que as pessoas começaram a valorizar o lazer, o turismo, as viagens. Ou seja, as pessoas, quando têm uma redução do seu poder de compra, estão a privilegiar os cortes provavelmente no vestuário. Como sector, somos os primeiros a sentir essa redução. Juntamente com isto, também acho que há uma mudança no perfil do consumidor. Toda esta questão da sustentabilidade, toda esta pressão contra a ‘fast fashion’, está provavelmente a traduzir-se em algum consumo que é mais refletido do que era anteriormente. Julgo que, juntando as duas coisas, isso tem-se traduzido nesta correção do perfil do consumo. Aliás, continuo a dizer que, quando falamos em toda esta questão que gravita à volta da sustentabilidade, o chamado Green Deal Europeu, todas estas questões que a União Europeia está a colocar em cima da mesa relativamente a um negócio têxtil mais sustentável, coloco o consumidor no centro. Muito dificilmente conseguiremos atingir os objetivos que a União Europeia traça para estas métricas, se efetivamente não passar por uma sensibilização do consumidor e por uma resposta diferente deste perante fatores acrescidos de custo e concomitantemente de preço.
Ou seja, educação do consumidor. Como se consegue?
Uma das questões que a União Europeia colocou em cima da mesa foi o ‘greenwashing’. É preciso existir uma comunicação objetiva e sustentada dos valores relacionados com as métricas e as performances de sustentabilidade.
Vai deixar muita gente mal-disposta.
Vai, porque repare: nós estamos no meio da cadeia – fornecemos as marcas e o cliente final e nós na TMG, tudo o que comunicamos em termos de sustentabilidade é-o feito com uma métrica objetiva. Determinamos um conjunto de parâmetros e os números são fornecidos às marcas. A dificuldade está em como é que marca comunica e explica no produto essas métricas e essas valências ao consumidor final. Por outro lado, tenho muitas dúvidas que, se o consumidor for confrontado com um produto mais sustentável, com todas as valências possíveis, mas com um ‘plus’ de preço muito elevado, temo que não vá optar pelo sustentável. Portanto, há aqui um desafio muito grande: tornar a sustentabilidade, ou melhor, tornar os incrementos que as suas exigências vão ter em termos de processo – que vão necessariamente ter incrementos de custo – incorporáveis do ponto de vista daquilo que é a conformação do preço que se pratica junto do consumidor final. Por outro lado, não nos podemos esquecer que uma das figuras colocadas desde o início pela União Europeia na lógica da rastreabilidade, é o passaporte digital de produto. Que entrou com uma grande força, chegou a falar-se para 2024, 2025 e hoje já se fala num atraso da regulamentação – já se fala em 2027-20230
A Comissão já teve de ir ao Parlamento Europeu para que esse atraso seja justificável.
Tudo isto tem por trás um conjunto de dificuldades relacionados com os fluxos de dados, acessibilidade da infirmação e com a interoperabilidade, que não vai ser fácil de ultrapassar. A ferramenta pode ser uma game-changer mas a sua implementação está longe de ser fácil…
É só isso, ou é também a China a pedir contenção?
Isto é uma guerra antiga. Estamos habituados, na Europa, a que sejamos sempre os melhores alunos e depois os nossos concorrentes de outras paragens do globo não seguem, em muitos casos, regras equivalentes e a mercadoria entra na Europa sem qualquer tipo de controlo. Há exemplos disso no passado com outro tipo de regulamentações – aquilo que queremos e que pedimos é que haja condições de igualdade e reciprocidade, no que toca ao cumprimento de regulamentação exigível a quem produz na Europa.
Isso é uma garantia da Comissão Europeia. O sector acredita que essa garantia venha a ser real?
Ver para crer. Ver para crer. O CITEVE fez um exercício muito interessante com o projeto be@t, em que fez uma simulação à escala piloto daquilo que pode ser um passaporte digital de produto, para mostrar quais são as vantagens de uma ferramenta desta natureza e para aferir da dificuldade de pegar numa ferramenta destas a uma escala global. Hoje em dia, muitos dos nossos clientes já nos exigem muita informação relativa à rastreabilidade do produto – em praticamente todos os negócios são exigidas pelos nossos clientes informações de rastreabilidade, principalmente sobre a matéria-prima até o fluxo produtivo final. Hoje, já é uma exigência. Mas isso é respondido caso a caso, através das ferramentas internas que dispomos. Outra coisa ter uma regulamentação europeia que obriga a determinados critérios na forma de aquisição, validação e partilha desses dados. A sustentabilidade e particular o papel da reciclagem de têxteis, tem vários aspetos que têm de ser analisados com muita precaução. Não há dúvida que a Europa tem um problema para resolver com o desperdício têxtil: gerado anualmente (oito milhões de toneladas). Desse desperdício menos de 2% acaba efetivamente num novo produto de vestuário (fibre to aparel). Existe alguma incorporação em produtos/soluções de isolamento, soluções mais técnicas – mas há um problema de desperdícios para gerir, que obriga a políticas e soluções partilhadas ao nível da recolha, triagem e pré-produção. A. Europa está consciente disso. E isto resolve-se obviamente não só pelo lado da regulamentação, mas também pela educação para o consumo.
Há também muita I&D que é preciso fazer. Nessa área, acha que Portugal está numa boa posição?
Portugal sempre teve no CITEVE e no seu ecossistema de inovação excelentes ferramentas e um elevado grau de conhecimento disponível. Não tenho dúvida da valia dos projetos que o CITEVE desenvolve em parceria com as empresas, tendo um papel de alavanca. Mas isso não resolve tudo. Temos tido muitos projetos em desenvolvimento em parceria direta com clientes na lógica do ‘closed loop’, ou seja, recuperar desperdício dos processos produtivos (pré-consumo), transformá-los num produto novo e fornecer ao mesmo cliente um produto têxtil que incorpora 30%, 40% e às vezes 50% do desperdício têxtil gerado na produção anterior das suas encomendas – e vemos tendência para crescimento e otimização nessa área.
Todo o sector vai ser em alguma altura obrigado a investir nessa área. O que acontecerá ao cluster português quando chegar essa hora?
Uma vez mais vamos ter de aplicar a velha máxima das parcerias: é muito importante que as empresas trabalhem em pequenas redes dinâmicas e consigam, em conjunto, encontrar soluções para os principais problemas.
Esse terá sido sempre um dos problemas do empresariado: a falta de apetência para as parcerias. É uma dificuldade que já foi ultrapassada?
Acho que já foi muito pior. Assistimos nos últimos anos a uma mudança geracional na liderança das empresas. Hoje, somos conscientes que juntos e em parceria chegamos mais rápido, mais longe e com melhores resultados do que isoladamente. Hoje, a complementaridade, mesmo na abordagem aos negócios, acontece com muito mais frequência e naturalidade. Uma das questões que é determinante na competitividade é a velocidade: o que distingue se se ganha ou não um negócio é a velocidade com que conseguimos responder. Para garantir essa velocidade, temos de contar com uma rede de fornecedores e uma rede de parceiros na operação, que nos permita responder à velocidade e à dinâmica que é hoje exigida. Vejo isso a acontecer: não tenho razões para acreditar que venha a ser diferente quando for preciso abordar outros problemas.
Os mercados externos já perceberam as qualidades que o cluster português têxtil soube criar?
O reconhecimento de Portugal como um player do mercado europeu que tem dado sempre resposta aos sucessivos desafios que lhe têm chegado – por via de conjuntura económica ou por via de conjuntura regulamentar – está claríssimo. Temos uma fileira muitíssimo integrada e não há muitos países na Europa que consigam responder da mesma forma.
Hélder Rosendo, Business Director do grupo TMG
Quando em novembro de 2021 Hélder Rosendo foi juntar-se à equipa do grupo TMG como Business Director, ficou claro que havia desafios importantes e que alguma coisa ia mudar no interior de um dos maiores e mais importantes grupos da fileira têxtil. Essa mudança está em curso e a materializar-se pouco a pouco. E se uma empresa é também o seu passado, há uma nova TMG em preparação.
A TMG já é grande demais para não ter sempre novos planos em ação. Qual é o próximo passo?
Temos em curso uma estratégia no sentido da entrada sustentada nos produtos técnicos. Definimos o objetivo de ter até 2027, 50% do nosso negócio em mercados técnicos, privilegiando essencialmente duas áreas muito importantes: uma, a entrada com os têxteis no interior automóvel. O grupo TMG já tem uma posição forte no sector automóvel, através da TMG Automotive nomeadamente pela via das várias soluções de produtos revestidos.
Neste momento, através de uma equipa mista TMG Automotive e TMG Textiles, partilhamos esforços no sentido de conseguir, junto dos clientes de TMG Automotive, apresentar soluções têxteis, produzidas na TMG Textiles, para o interior automóvel. É uma das linhas estratégica que já está a correr, e permitirá que os produtos de base técnica possam crescer dentro do que é o portefólio da Textiles. Outra área importante é a do Workwear/EPI’s. A TMG tem uma parceria com a Carrington (UK) e com a Melchior (DE) mais visível através da nossa unidade de Acabamento, a MGC.
Estamos precisamente a começar a desenvolver um trabalho conjunto no sentido de ter uma oferta de produtos técnicos TMG, em articulação comercial com estes dois parceiros. O nosso objetivo não é reduzir a nossa operação na área da moda – pelo contrário – queremos é crescer mais e mais depressa na área dos produtos técnico. E isso pressupõe uma alteração de paradigma de produto, uma alteração de cultura em termos de desenvolvimento – em termos daquilo que é o rigor e o enquadramento normativo que estes produtos exigem. É uma estratégia para os próximos anos.
Vamos estar pela primeira vez na Techtextil (Frankfurt) com um stand conjunto TMG Textile +TMG Automotive, precisamente para sinalizar esta intenção estratégica e mostrar a nossa capacidade.
Diz que quer atingir os 50%. Neste momento qual é a dimensão desta área?
Estamos próximos dos 15%. Temos de preparar a a gestão da operação para ter métricas de classificação e KPI’s que caraterizem bem cada segmento de negócio. A ideia é, até 2027, mais do que duplicar o peso dos técnicos na operação.
Há-de obrigar a investimentos vultuosos.
Estamos exatamente com o plano de investimentos em cima da mesa em avaliação permanente com a Administração, para fazer face a algumas necessidades específicas de produção e de caracterização de produto, que passam por adequar progressivamente o parque industrial no sentido de responder melhor a estas novas necessidades – e isso será feito também tendo em conta os apoios disponíveis, com critério e ponderação. Algum desse investimento já foi iniciado, por exemplo ao nível da caracterização laboratorial.
Como vai ser o grupo TMG a partir de 2027?
Será uma plataforma dinâmica, onde diferentes parceiros e clientes encontram soluções para os seus negócios. Particularmente a TMG Textiles, terá sempre uma grande preocupação naquilo que é a fidelização dos seus clientes. Temos sempre uma visão para clientes de longo prazo – relações duradouras. Qualquer entrada num novo negócio passará sempre por uma seleção muito criteriosa dos clientes com que vamos trabalhar. Provavelmente, iremos reduzir o leque de clientes com que trabalhamos, apostando em clientes que potenciem uma fidelização cada vez mais forte, que sobretudo valorizem a proximidade.
O ano de 2027 será aquele em que atingem a barreira ‘psicológica’ dos 500 milhões de faturação?
Era fantástico se isso acontecesse.