Braz Costa
Empresas terão de encontrar novos mercados, novos clientes
T89 - Janeiro 24

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Duas guerras no ativo, uma terceira que pode estar a começar no Mar Vermelho – o que quer dizer que a inflação pode estar de regresso e o Banco Central Europeu vai muito provavelmente atrasar a descida das taxas de juro. O ano que já estamos a viver é à partida marcado por muitas incertezas. As empresas terão que estar muito atentas à sua evolução.

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que espera o sector têxtil em 2024? Mais um ano desafiante?

Não tenho dúvidas que 2024 vai ser um ano desafiante, como foi 2023 como foram tantos outros no passado. Ainda não estamos esquecidos de 2020, ano de grandes desafios e dificuldades que apesar de tudo não correu assim tão mal na ITV, se comparado o que aconteceu genericamente em todos os setores e em todos os países.

Antes de pormenorizar um pouco mais, interessa explicar que o meu ponto de vista é o de alguém que olha para o setor como um todo, com vários subsectores e várias dimensões e tipologias de empresas. Por outras palavras, para um setor que se apresenta como um sistema com complexidade, em que as suas partes estão muitas vezes com dinâmicas de negócio de sinais contrários. Mesmo dentro de cada sub-sector se verificam dinâmicas diferentes consoante o tipo de mercados a que se dedicam, a exposição a grandes clientes, etc..

Posto isto, considero certo, de facto, que 2024 vai ser um ano desafiante.

Em primeiro lugar a evolução do consumo nos mercados mais importantes para a ITV poderá apresentar flutuações consideráveis, ainda que com efeitos de compensação entre subsetores em crescimento e outros em decrescimentos.

Há já notícias de que subsectores que estavam com dificuldades durante o ano passado estão neste momento a melhorar as suas perspetivas para 2024, mas também sinais de que se antecipam novas dificuldades em determinadas tipologias de produtos.

O sentimento é de que teremos que contar com elevada incerteza no comportamento dos mercados, muito como resultado dos conflitos que estão a acontecer no mundo.

 

Que tem reflexos em todo o lado.

Para além de as guerras serem um problema lamentável de per se para as partes mais diretamente envolvidas, são geradoras de instabilidade num âmbito mais alargado, o que se repercutirá em particular nos nossos principais mercados.

Esta instabilidade é causa maior do desafio que 2024 traz: incerteza (consumo, matérias-primas, logística, energia, taxas de juro, etc..)

Nada diferente do que acontece com outros países e outros setores. Veja-se o que neste momento, os analistas dizem: apenas a incerteza é certa.

 

O acesso
À matéria-prima é um dos principais problemas do sector têxtil

Incerteza na área do consumo é o pior para o próprio consumo.

Claro que as flutuações no consumo têm uma influência muito grande, contudo não é por si só determinante.

O negócio da ITV portuguesa depende também das mudanças geopolíticas, num dos mais globalizados negócios, já que influencia a nossa capacidade de penetração nos mercados.

Sobretudo após a pandemia, assistiu-se a movimentos de reshoring de encomendas. Grandes e pequenos clientes que no pós-pandemia reviram as suas estratégias de aprovisionamento, o que trouxe alguns clientes de volta.

Mesmo no mercado dos Estados Unidos – que durante muito tempo procurou alternativas ao produto português se verificou um retorno a Portugal, por vários motivos. 

Fundamental é estarmos em condições de discutir aqueles mercados a par dos nossos concorrentes, sejam eles asiáticos, da Ásia mais próxima, que em alguns casos é mesmo considerada Europa como a Turquia ou do norte de África.

 

Cinzas, bocados de tecido das mais diversas proveniências, flores, plantas, caules, pedaços de videira, lamas. Tudo isto faz parte dos insondáveis (para os leigos) caminhos da investigação que tornam o CITEVE um dos centros mais destacados do país, mas não só. Em vista está sempre a mesma preocupação: retirar os produtos oriundos dos produtos fósseis do chão de fábrica de todas as empresas têxteis. Como enfatizava Braz Costa, este objetivo é comum a todos os centros de investigação, a todos os países europeus. À pergunta “quais são os objetivos de Portugal na área da sustentabilidade”, a resposta é “os mesmos que os de qualquer outro país. A diferença é, portanto, a ‘massa cinzenta’ que permite estabelecer a fronteira entre as várias investigações em curso. Grosso modo, a centro de investigação atua de duas formas: respondendo a objetivos propostos pelas empresas, mas também assumindo objetivos próprios em áreas que entende deverem ser exploradas. O resultado tem valia científica, mas isso não chega: é preciso também que o que resulta destas ‘alquimias’ tenha também racionalidade de negócio. O facto de isso ser também um objetivo do CITEVE é um atestado de competência e de impacto positivo no universo empresarial.

Como caraterizaria ‘ano desafiante’?

Vejo um ano desafiante, não vejo que seja um ano de abruptas mudanças – excluindo eventos imponderáveis e de imponderável impacto. Vai ser um ano igualmente desafiante. 

E com isto quero dizer: não haverá nenhuma hecatombe para o sector, mas será um ano exigente em que as empresas terão mais uma vez que estar alerta para encontrar novos mercados, novos clientes.

 

E que instrumentos temos para ultrapassar os desafios?

Portugal tem investido como poucos nos desafios da sustentabilidade, o que aliás tem trazido clientes a Portugal, que tem fidelizado alguns clientes – nomeadamente pequenos clientes em grande quantidade. 

Acabo de chegar de uma feira na Alemanha, completamente orientada para a sustentabilidade e moda responsável, designadamente para avaliar a oportunidade da presença futura de empresas portuguesas.

Em visita aos stands de todos os expositores têxteis, verifiquei com agrado a prevalência de produtos fabricados em Portugal, mas mais ainda porque marcas alemãs, nórdicas, suíças, etc., mencionavam orgulhosamente nas etiquetas que os seus produtos eram fabricados em Portugal. Não escondo a satisfação de ter visto referencias como “designed in Berlin, proudly made in Portugal”, “Made with love in Portugal” ou “well made in Barcelos – Portugal”

 

Uma feira que entrou no radar.

Pode não ser ainda altura já que se trata de uma feira de marcas para lojas. É verdade que pode ser já uma boa aposta para marcas portuguesas orientadas à sustentabilidade, mas será necessário acompanhar o desenvolvimento da feira para aferir o momento certo para a participação de indústria portuguesa.

É importante explorar a presente procura de Portugal como um país de origem de produtos mais sustentáveis e em particular como país especialmente capaz de atender esta dinâmica das marcas de menor dimensão – que no seu somatório constituem um mercado interessante. 

 

São boas ou más notícias para Portugal?

Podem ser más, mas acredito que serão boas. O aumento do custo da logística pode favorecer os preços dos produtos da Europa e em particular de Portugal.

 

Há uma ligação direta entre a crise política que estamos a viver em Portugal e a gestão de fundos tão importantes para a têxtil, como o PRR e o Portugal 2030?

As dificuldades de implementação do PRR não são de agora. Temos a noção desde a primeira hora que seria uma “batalha” muito difícil de lidar: o fecho do Portugal 2020, o arranque do 2030 e o início do PRR, de uma enorme dimensão. 

As próprias estruturas públicas que fazem o acompanhamento destes programas tiveram grandes dificuldades. As empresas, os centros de investigação, as universidades sentiram também essas dificuldades. Não havia experiência de tal concentração de programas e de projetos. 

Já sobre qual é a influência de termos ou não termos um governo no funcionamento dos programas? Teoricamente devia ser zero. Contudo, essa independência teórica não evitou que haja problemas. Desde logo, há quem não tenha percebido o caráter estratégico do PRR.

 

Que problemas estão identificados?

Sobretudo a lentidão do sistema e o não funcionamento dos reembolsos. Como o sistema não funcionou o programa foi obrigado fazer adiantamentos, mas que não estão em linha com o investimento. São projetos de muita ID+I que implicam grande investimento em equipamentos, que se pretendem disponíveis na fase de arranque. O que significa que não podemos olhar para o investimento como algo horizontal a todo o programa: tem uma concentração muito grande no início. 

Por exemplo, o maior projeto do CITEVE tem neste momento uma implementação a 50%, mas ainda não houve forma de os reembolsos atingirem mais de 23%; os promotores ou têm acesso a dívida ou têm outra forma de se financiar. O que representa que têm custos não previstos e que não são assim tão pequenos. 

O lento andamento de algumas áreas do PRR, que não é gerido sempre pela mesma entidade, é um problema.

 

A União Europeia está a ser eficaz em todo o processo, nomeadamente bloqueando concorrências desleais e por essa via apoiando a indústria do bloco?

O sector têxtil, vestuário e da moda está neste momento envolvido num “furacão”, com epicentro na Europa, mas que não vai apenas afetar os países europeus. A minha opinião está assente na bondade do Green Deal e no facto de a União se ter imposto a si próprio um conjunto de objetivos a atingir nos próximos anos. A Europa não se ficou pela elaboração de documentos políticos. Antes decidiu para si, sem pedir nada aos outros. 

É neste quadro que o sector emerge – da lama: a moda é o segundo maior poluente do planeta, é a mãe de todos os males, ‘fast fashion is out of fashion’, uma frase que não é típica de um discurso político. Houve a coragem de pôr o dedo na ferida e atacar os maiores grupos da moda. Portanto, o que está a acontecer é um verdadeiro “furacão”. Muito do sector já percebeu, uma parte desconfia e outra parte ainda não teve oportunidade de perceber o que está a acontecer – e haverá sempre os negacionistas. Acredito que vai acontecer e a forma como vai acontecer já está definida em vários pontos, apesar de haver muitos outros que estão ainda em definição. 

Não se trata de uma luta entre mercado interno e mercado externo: nós dependemos do mercado externo. Vamos ter de nos disciplinar para não sermos nós a ir buscar produtos que não estejam de acordo com estes princípios. Aliás, não foram os asiáticos que empurraram os produtos para a Europa – não, fomos nós que os fomos lá buscar, à procura do produto barato. Este furacão vai marcar já 2024. 

 

A base é o Green Deal.

Exato. Ficámos muito contentes por a União identificar os têxteis como um dos 14 sectores estratégicos. Há regulamentação que está a ser construída para limitar os problemas associados ao sector. O que é bom para a indústria nacional. 

Em primeiro lugar, porque há um conjunto de decisões que já é prática comum em Portugal. Depois, quem está fora do espaço da União fica obrigado a cumprir as mesmas regras que nós. Questões de poluição, de emissão de gases, de substâncias nocivas nos produtos, de eficiência energética, tudo isso levou as empresas a melhorarem os seus processos. 

Há um conjunto de coisas novas que a indústria vai ter de cumprir. O que significa que 2024 e seguintes serão anos de grande necessidade de investimento das empresas – porque têm de alterar algumas coisas no seu funcionamento. 

Por outro lado, acreditando que a Comissão será tão exigente com o produto que vem de fora como com o que é feito cá dentro, não haverá nenhuma desvantagem para a indústria portuguesa. Vão sim surgir novas atividades dentro do sector – que ia da fiação à confeção – e que neste momento já não tem estas fronteiras. Por exemplo, muitas empresas estão já a investir na área das matérias-primas, incluindo aquelas que se obtêm por reciclagem de artigos que já foram vestuário. Portugal não pode ser ultrapassado nesta nova oportunidade, e não falta quem queira. Temos de saber aproveitar em primeiro lugar aquilo que procuramos há muito tempo: dominar o mercado mais próximo, que permita respostas rápidas e flexíveis, e conseguir fazer produtos com matéria-prima autóctone, reduzindo dependência de matérias-primas fósseis.

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