Susana Serrano
‘Made in Portugal’ é um nome muito forte
T88 - Novembro 23

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Há uma sede grande de novos produtos”, que surge por um lado de obrigações legais que decorrem de opções europeias, mas por outro de escolhas conscientes do mercado, ancoradas na evidência de que estamos a desfazer os recursos naturais a uma velocidade alucinante. As alquimias que a Acatel tem dentro de portas são uma resposta às inquietações dos mercados e a forma certa de, por via das ciências, se responder a um desafio – que, convém não esquecer, a que a humanidade está para já a não saber responder com a radicalidade necessária.

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stamos a chegar ao fim de um ano que será provavelmente menos bom que o ano passado em termos financeiros.

Vai, com certeza que sim. No primeiro semestre ainda andámos muito equivalentes ao ano anterior, mas no segundo semestre notámos uma quebra. Teremos um volume de negócios com menos 15% face ao ano anterior. Temos 178 trabalhadores. Ainda faltam dois meses, mas a verdade é que notamos claramente o mercado a baixar consideravelmente.

 

Algum mercado em especial?

Todos: não há um mercado pior que o outro – é transversal a todos os mercados onde estamos.

 

E estão aonde?

Estamos neste momento na Finlândia, em Espanha, França e Portugal – são os nossos grandes mercados. E depois temos mercados mais pequenos, que ainda não têm a mesma representatividade. Mas, para conseguirmos ultrapassar esta fase, vamos ter de arranjar novos clientes, novos mercados, para compensar as descidas que temos tido.

 

Quais serão esses novos mercados e já agora pergunto qual a percentagem das exportações.

Diretamente, andamos na fasquia dos 25%. Mas há a via indireta, uma vez que produzimos muito para Portugal, mas depois é quase tudo para exportação. Devemos fazer uma aposta grande nos mercados nórdicos: é efetivamente aí que temos de atuar. Vamos, claro, querer aumentar presença nos mercados onde estamos – com novas marcas – mas acho que há uma aposta grande a fazer nos mercados nórdicos, que são mercados que já estão muito virados para as questões da sustentabilidade, são se calhar os que estão mais avançados. Acho que deve ser esse o foco – aliás, todo o investimento que temos feito e toda a nova estratégia tem tudo a ver com a sustentabilidade e com a circularidade. Portanto, temos que ir de encontro não só à legislação, mas também à nossa estratégia – que passa muito por aí. E os mercados nórdicos estão mais à frente que a generalidade dos europeus.

 

Estando nós no têxtil
Fazia sentido pensarmos numa estratégia que fosse diferenciadora

A Finlândia deve ser um bom indicador para o que se passa nos países nórdicos.

Sem dúvida.

 

Os Estados Unidos não a atraem? Ou a América do Norte no seu todo?

Atraem. A questão tem muito a ver com as taxas que ainda temos. O ser sustentável tem que ser comercializável, tem que ter racional de negócio. A questão das taxas à entrada nos Estados Unidos ainda é um ‘handicap’, não temos uma forma direta de resolver isto. Estamos a pensar, estamos a estudar, mas não é um mercado de que possa dizer ‘vou já para lá’, a Acatel não o pode fazer para já. Com as taxas que temos de pagar, deixamos de ser competitivos.

 

Não acha que era altura de a União Europeia fazer qualquer coisa sobre matéria?

Acho. Quem tem peça confecionada tem alguma facilidade se entrar por Marrocos, por Cabo Verde… há formas de contornar. Mas a verdade é que temos de pensar no ‘made in Portugal’ – é um nome muito forte em termos de perceção de qualidade, muito forte em termos de desenvolvimento, muito forte em termos de resposta, de capacidade – mas não se pode dar ao luxo de poder ir a todos os sítios porque temos este ‘handicap’. Mas acho que sim, que a União Europeia devia fazer alguma coisa para tentar diminuir esses valores aduaneiros, para que pudéssemos atacar mais mercados sendo competitivos. Porque só não o somos por causa disso.

 

Num ano marcado por fatores exógenos com impacto fortemente negativo, a Acatel enfrenta agora – como todas as empresas nacionais – um novo ano marcado pela incerteza. Mas como ‘desistir’ não faz parte do léxico da sua CEO, a estratégia está fixada, com objetivos claros e exequíveis.

A federação Euratex não seria a estrutura certa para liderar o processo?

Era.

 

Até porque a ‘janela de oportunidade’ está a fechar-se, se se confirmar que o sr. Donald Trump ganha as eleições em novembro de 2024.

Temos um problema, sem dúvida. Mas, como empresa, a única coisa que podemos fazer é dar o nosso imput às organizações para que estas levem a nossa palavra aos sítios certos. Infelizmente, não depende de nós – somos muito ativos, muito críticos (connosco e com os outros), mas não chega. Precisamos dessa ajuda, que é muito importante. O ‘made in Portugal’ é reconhecido no mundo todo – não é só na Europa, é mesmo no mundo todo. Portanto acho que fazia todo o sentido. Portugal é muito pequenino, mas pode aumentar significativamente, mesmo em termos económicos: teria um grande impacto se chegássemos a mercados que não fossem penalizados por essas taxas.

 

Qualquer coisa semelhante ao que foi pensado para o Mercosul, mas imagino que o lado sul do continente americano não vos seja tão atrativo.

Não. E continuamos a ter o problema da China…

 

A China continua a ser um problema?

Claro. Existem já marcas que estão a deslocalizar por causa da questão da pegada ecológica, da rastreabilidade, da transparência da cadeia de valor. No entanto, primeiro que cheguemos ao estado de dizer ‘já não se compra mais ali porque’, ainda falta. Portanto, continuamos com esse problema.

 

A seguir à pandemia, houve a intenção de as empresas europeias deixarem de comprar à China…

Intenção.

 

Essa intenção desapareceu?

Não desapareceu: sentimos que existe uma grande vontade de deslocalizar. No entanto, a capacidade que a China tem é enorme. Capacidade de produção e preço. As duas coisas juntas tornam a competição muito difícil. Depois, há outras questões: se somos obrigados, por requisitos legais e sociais, a ter determinada linha orientadora no que diz respeito por exemplo às condições sociais/humanas, e lá nada disso se passa, as coisas não são tão lineares quanto isso. Cria-se uma confusão entre vontade e necessidade. 

 

Como antecipa o ano de 2024, sendo incontornável que estamos em plena crise política?

Estamos em crise por tudo quanto é lado. Costuma dizer-se que as crises são oportunidades – e acho que é assim que devemos olhar para mais esta crise.

 

Ou é isso, ou desistimos.

Certo! E isso não faz parte do nosso dicionário – essa parte está eliminada. Vai ser um ano difícil, vai ser um ano de muito trabalho – de prospeção, de procura dos tais novos mercados. Tentarmos ser o mais produtivos e rentáveis possível dentro da própria organização. Como sabe, temos muitos desenvolvimentos a correr que esperamos que deem os seus frutos para termos mais oportunidades de entrar em novas marcas e nos novos mercados. Mas neste momento há uma estabilidade muito grande: as próprias marcas compram muito mais tarde – o que vem da pandemia: a questão dos stocks – e isso manteve-se. Depois a questão da guerra, a questão dos consumos energéticos, as questões políticas que existem na União Europeia (a Alemanha e a França andam no limiar da recessão…) Se pensarmos em tudo isto, diremos que 2024 não irá ser muito bom, mas não podemos pensar assim. Temos de continuar a batalhar para conseguirmos novas coisas, novos mercados. Temos de procurar novas soluções para que o ano não seja mau.

 

Passemos para o capítulo da alquimia. A Acatel faz coisas que para o comum dos mortais são um pouco estranhas… quando começou essa estratégia de inovação, de sustentabilidade, que marca a empresa?

A Acatel começou a pensar nisso antes de eu entrar (em 2020), já tinha essa estratégia. Estes dois últimos anos têm sido um foco para desenvolver toda essa estratégia. Porque sabemos que é aí que está o futuro. Voltamos a falar não só nos requisitos legais, obrigatórios, mas também numa estratégia de melhorar o mundo. Estando nós no têxtil, fazia sentido pensarmos numa estratégia que fosse diferenciadora. 

 

O que destacaria no seio dessas alquimias?

Temos a Colorifix. Existem duas empresas em Portugal que já estão a fazer encomendas com essa tecnologia.

 

Como funciona?

É um processo completamente diferenciador. Colorifix é uma tecnologia do Reino Unido, que estuda o DNA de uma cor de origem natural – uma pena de um pássaro, uma flor, o que quer que seja. Vamos supor um papagaio, uma pena azul. Retira-se essa pena, estuda-se o DNA da cor azul, replica-se esse DNA com bactérias e adormecem essas bactérias. Do Reino Unido, enviam essas bactérias para a Acatel, que em laboratório acorda as bactérias, digamos assim, adicionando-lhes açúcar. Como queremos grande escala, passamos para um fermentador – tal e qual como a cerveja – continuamos a adicionar açúcar e fazemos o licor de tingimento, que é só a bactéria, água e açúcar. Não tem qualquer tipo de químico. Depois de obtermos esse líquido, passa para uma máquina de tingimento – seja à peça ou em rolo. Grandes vantagens: não usamos químicos, o transporte de grandes volumes de corantes não existe (o que chega ao nosso laboratório é um tubo com cinco mililitros que dá para tingir 500 quilos de malha). O processo de tingimento é mais rápido: em vez de estarmos a tingir entre seis a oito horas (16 no caso do poliéster), tingimos em duas horas independentemente da fibra. Quer dizer que os consumos energéticos baixam; a quantidade de água que gastamos, baixa; e fazemos os tingimentos a 37 graus em vez de os fazermos a 98 graus. Depois, a água que sai do tingimento é completamente limpa – não tem necessidade de tratamento. Tudo isto traduzido em CO2, a redução é brutal. 

 

O investimento que possibilita tudo isso não terá sido despiciendo.

Teve algum investimento. E como qualquer investimento, temos de ter o seu retorno. E com estas poupanças, acho que os investimentos acabam por pagar-se com alguma rapidez.

 

O que destacaria mais?

Comprámos este ano uma máquina de tingimento em contínuo – também diferenciadora de tudo o que existe no mercado: já há máquinas de tingimento em contínuo, mas esta não usa água. Tinge com químicos, mas há a redução da água e de consumos energéticos. É uma tecnologia que usa pulverização. Ainda não recebemos essa máquina, estamos a fazer os últimos testes e esperamos recebê-la no início do ano. Vai aumentar a nossa capacidade de produção e a diminuição de libertação de CO2, que é o que temos como métrica. O nosso objetivo é ser uma empresa inovadora, diferenciadora e apresentar soluções. Temos sempre como estratégia três pilares: a responsabilidade social, a inovação – e tudo isto aportado em sustentabilidade. Queremos ser reconhecidos por essa capacidade e conseguirmos oferecer as soluções de menor pegada carbónica possível. Acabámos de ganhar um prémio com um processo de tingimento que se chama pigmentura: conseguimos tingir e acabar ao mesmo tempo. Quer dizer que já não vamos às máquinas de tingimento para tingir. Conseguimos fazer tudo assim? Não: há ainda limitações. O que a Acatel faz com os seus parceiros é cumprir a parte da industrialização das inovações que vão surgindo, para que possamos colocar no mercado estas diferenciações. Queremos estar sempre na linha da frente. Fizemos imensos desenvolvimentos nestes dois últimos anos.

 

Têm com certeza um poderoso departamento de investigação.

Temos uma política diferente. Geralmente, as empresas têm pessoas só dedicadas à investigação; nós achamos que não deve ser assim. Trabalhamos com a equipa de produção, a direção técnica e a direção de qualidade. Porquê? Porque, quando temos um departamento sozinho a trabalhar nestas industrializações, esquecemo-nos dos constrangimentos da produção. E isso já fazem os laboratórios. Aquilo que fazemos sempre que temos novas tecnologias é aplicá-las diretamente no chão de fábrica com os nossos responsáveis de secção. Porque eles é que nos dão os imputes para desenvolver e conjugar tudo da melhor forma possível.

 

E queimam-se etapas.

Exatamente. A ideia acima de tudo é consolidar conhecimento, não só com a inovação, mas também com a industrialização.

 

Quer dizer que recorrem menos a centros tecnológicos?

Não. Trabalhamos muito com o CITEVE, temos muitos contactos com a Universidade do Minho, e depois temos os nossos parceiros – até fornecedores industrializam connosco. Acho que as parcerias são mais que importantes para que as coisas sejam bem-sucedidas, ninguém faz nada sozinho.

 

É fácil encontrar nas universidades colaboradores que ajudem a Acatel nessas áreas?

Quando saem da universidade não sabem tudo, mas têm as bases, que são importantíssimas. É fácil conseguir motivar com as novidades. Orientados por nós, tentam explorar todas as novidades. A parceria indústria-universidade é a resposta – não pode ser cada uma sozinha. 

Perfil

Susana Serrano

À frente da Acatel há pouco mais de um par de anos, a sua CEO soube imprimir à empresa um ritmo que associa o melhor da indústria com o que há de mais inovador no capítulo da investigação em redor da sustentabilidade. É neste quadro que estão as opções da empresa, que assim responde com eficácia e rapidez àquilo que o mercado já incorporou para salvar o planeta. Ou o que resta dele.

As perguntas de
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