Mário Jorge Machado
Principais medidas do OE24 para as empresas
T87 - Outubro 23

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No seu segundo mandato à frente da associação mais representativa do sector têxtil e do vestuário, o Orçamento do Estado não podia deixar de estar sob o radar atento do presidente daquela estrutura. Um olhar crítico e ao mesmo tempo construtivo sobre um documento que, por muito que não seja executado, implica no dia-a-dia de todas as empresas bem mais que aquilo que pode parecer à primeira vista.

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Orçamento do Estado é por definição o documento que induz as opções estratégicas de um país para o ano seguinte. Deste ponto de vista, Mário Jorge Machado, presidente da ATP, não descobre, nas propostas do Governo para 2024, um sentido para o país. Apenas encontra medidas que, sendo algumas positivas, são basicamente avulsas e não apontam para a definição de uma estratégia claro.

 

O que encontra de mau e de bom para as empresas no Orçamento do Estado 2024 (OE24)?

O OE24 dá alguns passos no sentido positivo em termos sobretudo dos rendimentos para as pessoas, em termos do IRS. Há também um pequeno passo que tem a ver com as gratificações de balanço – que permite uma oportunidade que não haja uma carga excessiva em termos de imposto. Mas estamos sempre a falar de pequenos passos: precisávamos de ser bastante mais ambiciosos – termos uma política de visão do orçamento não só de curto prazo, mas sim uma política de taxação de longo prazo. Estamos sempre a gerir ano a ano, com ajustes de momento. Não temos uma visão sobre aquilo em que nos queremos transformar em termos da economia. Não temos uma visão do que vai ser a evolução das taxas a longo prazo, quer a nível da fiscalidade das empresas, quer das pessoas. Se for para mantermos o que estamos agora a fazer com pequenas alterações, que são no sentido positivo, mas não passam de ser pequenas.

 

E isso claramente não chega.

Aquilo que constatamos ao longo das últimas décadas é que, quer a nossa produtividade quer o nosso posicionamento em termos do PIB per capita (que comparamos com a média europeia), estão a decair. No ranking do PIB per capital (em paridade do poder de compra), estamos a ser ultrapassados pela Roménia – e vamos continuar a cair, para penúltimo. Temos todas as evidências de que, ao longo das duas décadas, a política que tem sido seguida tem induzido baixo crescimento económico, baixas remunerações, baixo crescimento da produtividade. Temos projeções quer da OCDE quer do FMI segundo as quais, nos próximos anos, com este tipo de políticas orçamentais, vamos continuar a crescer pouco e a ser ultrapassados. Ao fim de dois ciclos de governo, o país vai estar pior posicionado, comparativamente, do que estava há oito anos. E do que estava no início do século. E isto com todo o investimento, com todo o dinheiro que nos foi entregue pela União Europeia. Foi realizada uma gigantesca quantidade de investimento que não está a ser produtivo. Está na altura de nos perguntarmos: porque é que os outros conseguem ter muito melhores resultados que nós? Temos o dinheiro, temos as pessoas com formação, e temos piores resultados. O que é que falta?

 

No seu segundo mandato à frente
O OE não podia deixar de estar sob o radar atento do presidente daquela estrutura

E a resposta é…? Não pode ser só uma questão fiscal.

Não é só uma questão fiscal, mas também é uma questão fiscal. Repito sempre este exemplo: a Alemanha em 1945 – o mesmo povo, a mesma formação, a mesma língua, a mesma base cultural; a uma parte do povo, deram um conjunto de leis pró-estatizantes e a outra deram um conjunto de leis pró iniciativa privada; o mesmo povo, na Alemanha Democrática, foi capaz de construir um dos piores carros do mundo, o Trabant; o mesmo povo na Alemanha Federal foi capaz de construir os melhores carros do mundo, Volkswagen, BMW, Mercedes e Porsches. Não estamos condenados a sermos, na Europa, um dos povos que têm mais baixos salários, mais baixa produtividade, mais baixo poder de compra – não temos de estar condenados a isto. Não tem a ver connosco, tem a ver com as leis que nos governam nas áreas da justiça, educação, fiscalidade e as leis laborais. Não somos nós como povo que não estamos preparados para ser melhores. E temos uma prova disso: quando os portugueses vão para outros países que têm outro tipo de leis, vemos os resultados. Estas leis que nos governaram ao longo das últimas décadas, não nos têm deixado atingir o crescimento económico de que os portugueses precisam.

 

Fórum ATP debate mudança de paradigma Portugal está na linha da frente da mudança profunda por que o sector têxtil e do vestuário está a passar. Sustentabilidade e circularidade são duas palavras que há muito fazem parte do léxico das empresas. Mas, porque novas, precisam de ter os seus significados e os seus limites devidamente balizados. O Fórum ATP servirá também para isso.

De facto, não é apenas uma questão portuguesa.

Há cem anos atrás, a Argentina tinha o mesmo nível de riqueza da Suíça; temos as leis populistas que foram aplicadas aos argentinos e as que foram aplicadas aos suíços e vemos os resultados. Toda a história das crises e todas as dificuldades por que os argentinos têm passado, em contraponto à qualidade e ao nível de vida da Suíça – onde mais de 10% da população é de origem portuguesa. A Suíça é isenta de imperfeições no seu funcionamento? Claro que não! Não há sistemas perfeitos. Aliás, quando alguém quer encontrar o sistema perfeito, isso é a garantia de que não vai funcionar. Tudo tem um lado positivo e um lado negativo. Se quisermos introduzir leis que permitam ter maior crescimento económico, isso só vai ter efeitos positivos? Não. Haverá sempre coisas menos positivas. Mas, no ponto em que estamos hoje, a perspetiva que temos para os próximos anos pode deixar-nos entusiasmados? Claro que não! A perspetiva é continuarmos a ser ultrapassados, continuarmos a cair no ranking do crescimento. A ambição é aproximarmo-nos da média – nem sequer é a de nos aproximarmos do topo. Só isto mostra a nossa falta de ambição.

 

O que é muito mau.

É muito mau estarmos a querer posicionarmo-nos pela média.

 

Depois da Roménia, resta-nos talvez a Bulgária.

A única coisa que nos pode salvar dos últimos lugares é quando entrarem na União alguns dos países dos Balcãs Ocidentais. Vamos ser salvos de cairmos para o último lugar porque vão entrar na União Europeia uma série de países que, vindos de economias socialistas e proto-comunistas, ainda são muito pobres. 

 

No quadro do OE24, o que faltou para dar um sinal claro de que não queremos estar no fim da tabela?

Na parte fiscal, já vimos que, se queremos crescimento económico, temos que dar sinais, quer às pessoas que às empresas de que a produção de riqueza não é para ser extorquida pelo Estado. Tínhamos que ter uma política bastante mais agressiva para todos quererem gerar riqueza. Mas a parte fiscal é apenas uma. Ponhamos o dedo na ferida: com as alterações introduzidas à lei laboral rigidificaram ainda mais o sistema. Isto de dizermos que idealmente devia ser proibido despedir, parece ser excelente; Isto é de quem não percebe minimamente como é o funcionamento da economia. É como dizer: a partir de agora é proibido subir o valor das rendas. Já experimentámos isso, e o que aconteceu? Ninguém quer investir no imobiliário para arrendar. Na mesma lógica, é proibido despedir; ninguém quer criar emprego – porque um dia a economia terá de se ajustar (e a economia precisa sempre de se ajustar) e não o pode fazer. Isto de pensar que rigidificar os sistemas é proteger as pessoas, é um erro de quem é completamente ignorante sobre como funciona a economia. Infelizmente, temos muitas pessoas ignorantes a tentar dar opiniões sobre como funciona a economia.

 

Não é difícil encontrar exemplos.

Não. Vejamos outro exemplo: a falta de grandes empresas em Portugal – onde até é preciso muito pouco, 250 trabalhadores ou mais de 50 milhões de volume de negócios. Portugal tem cerca de 1.300 grandes empresas, o que é paupérrimo: per capita, somos dos países com menos grandes empresas. Porque os portugueses não são ambiciosos, não querem ter empresas grandes que criem emprego e riqueza? Claro que não! Voltamos ao mesmo: temos um conjunto de leis que não é propício à criação de riqueza e ao crescimento das empresas. Quando comparamos os níveis de produtividade das empresas, vemos que os das grandes empresas são substancialmente maiores. É um país muito pouco atrativo para passarmos de uma pequena para uma média e de uma média para uma grande empresa.

 

Há uma questão que tem a ver com isso: diz-se que o IRC induz o desinteresse do investimento direto estrangeiro (IDE) pelo país; mas o certo é que esse investimento entra pela AICEP e encontra taxas de IRC muitíssimo atrativas. Há uma questão de concorrência fiscal com as empresas portuguesas de que sistematicamente ninguém se queixa. Como vê a questão?

É um pouco como a questão dos residentes não habituais. Mesmo assim, vemos que é difícil atrair investimento direto estrangeiro para a indústria – que é residual relativamente ao total do IDE no país, entre os 10% e os 15%. É muito difícil sermos indústria neste país. O que está mal, não é o IDE ter taxas de IRC de 10% ou 12% – o que está mal é a indústria em Portugal não ter um IRC da ordem dos 12% ou 15%.

 

Está confortável com o facto de uma parte do excedente orçamental ir em larga percentagem para a diminuição da dívida pública?
É uma decisão sensata e obrigatória: temos a obrigação para com a União Europeia de reduzir a dívida para os 60% do PIB. O que os políticos estão a referir como uma decisão sensata resulta de uma obrigação que temos. E ainda bem que a temos. Não tenho dúvida de que, se não tivéssemos uma série de obrigações para com a União – para continuarmos a sermos merecedores de recebermos os fundos europeus – alguns políticos cederiam a tentações mais populistas e a dívida continuaria a níveis elevados, o que teria graves consequências. Temos vindo a assistir nos últimos anos a concessões que do ponto de vista económico vão a prazo ter custos elevadíssimos, mas que no momento são positivas para se conseguir ganhar eleições. Nós eleitores somos facilmente tentados por uma oferta que nos parece muito saborosa no curto prazo, em detrimento de algum sacrifício para uma recompensa mais tardia.

 

O facto de o IRS ter descido, faz com que o PS seja o vencedor antecipado das Europeias do próximo ano?

A medida pode ser batizada com facilidade como eleitoralista. Mas também era proposta pelo PSD. O PS, com um grande trabalho de comunicação, está a apresentá-la como se fosse sua. Mas é preciso ver que o governo retirou no IRS mas acrescentou em alguns impostos indiretos. É uma medida inteligente – mas é também uma medida na direção certa.

 

Mas, com mais dinheiro nos bolsos, há mais pressão sobre a inflação. Por outro lado, a envolvente internacional é péssima: a guerra entre Israel e o Hamas vai fazer aumentar o preço do petróleo. Resultado: os bancos centrais não vão ter margem para baixar as taxas, como os empresários antecipavam para o início do ano?

Sem dúvida que a envolvente internacional está mais complexa – e já estava muito difícil com o Covid, com a guerra na Ucrânia – e com todas as implicações que teve na energia. A tentativa de os bancos centrais conterem a inflação… esta guerra pode complicar a situação? Pode. E pode criar condições para acabar com o que parecia ser uma sã convivência naquela parte do globo. Provavelmente, e isto é uma grande dúvida para 2024 – que já sabemos que será complicado – é se os bancos centrais vão conseguir manter as taxas e começar a fazê-las descer. Se a energia (e o petróleo) começa a subir, é um fator crítico na formação do custo dos produtos. É um perigo enorme para voltar a dar impulso a uma inflação introduzida por fatores externos.

 

Em termos práticos, acha que há alguma hipótese de as exportações se aproximarem do recorde do ano passado, de cerca de 120 mil milhões de euros?

Com o arrefecimento da economia – e o turismo, que tem uma quota importante desses 120 mil milhões, já está a diminuir – todas as indústrias começam a estar afetadas. Vivemos muito do ambiente internacional – que, ficando mais difícil, vai tornar complicado que se atinjam esses valores. No sector têxtil, este ano não vamos conseguir atingir os valores de exportações do ano passado – a estimativa é que vamos ficar abaixo cerca de 5% do volume de negócio do ano passado. Sendo mau, é menos mau que o valor das importações globais da União Europeia. A União importa cerca de 130 mil milhões de têxtil e vestuário por ano – e este ano ficará cerca de 12% abaixo. Portanto, se as exportações nacionais caírem 5%, que comparam com estes 12% de queda dos outros fornecedores da União Europeia, estaremos mal, mas menos mal que os outros.

 

Tem havido alguma compensação nos mercados extra-União Europeia?
Toda a economia a nível global tem estado sob pressão. As exportações para os Estados Unidos também estão a cair. Mas, mais uma vez, estamos a cair menos que outros países que também exportam para os Estados Unidos. Chegou a haver um período em que as exportações para os Estados Unidos chegaram a estar a cair cerca de 18%.

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