T
É mais uma empresa centenária que deu mostras de adaptabilidade a todas as contingências que necessariamente encontrou ao longo de mais de cem anos. Num quadro de grande exigência que tem sido o ano de 2023, assume que vai fechar o ano a crescer e que tem todos os apetrechos internos para ultrapassar os desafios de 2024.
uais os principais marcos da história da Albano Morgado e que dimensão tem atualmente o negócio?
A atividade teve início em 1927 por parte do meu avô, Albano Antunes Morgado, também meu padrinho. De 1917 a 27 era comerciante de tecidos no Alentejo e em 1927 decidiu iniciar atividade – não vertical, como é hoje – mas apenas com a tecelagem. A evolução foi lenta, mas favorecida pelo meio em que estava inserida: Castanheira de Pera chegou a ser o terceiro centro industrial português de lanifícios – o que permitiu que, tendo tecelagem, pudesse ter como fornecedores (de fio e ultimação) as empresas locais, que chegaram a ser 12. De 1927 a 1958 houve um longo período de tempo: o tempo andava mais devagar, a evolução tecnológica não era muita e Portugal era um país fechado ao mundo. Em 58, o meu avô fez sociedade com os seus quatro filhos e iniciou o processo de verticalização da empresa. Como já tinha a tecelagem, criou um edifício junto da ribeira (não havia eletricidade) para fazer os tecidos – que se resumiam então a três tipos de artigos: samarra, burel e o surrobeco, que permite fazer as capas, samarras, capotes e as calças dos pastores.
O ano de 1958 é o ano certo para fazer parte do ‘boom’ de crescimento do pós-guerra.
Exatamente. A empresa passou a ter condições para iniciar a produção de fio, tecelagem, ultimação e tinturaria. São estas as quatro fases que ainda hoje a empresa mantém: adquire a lã lavada, transforma a lã em fio, depois tece, tinge e faz o acabamento. O terceiro grande crescimento da empresa verificou-se no início dos anos 70, altura em que – nessa altura já com os meus tios e o meu pai – se conseguiu concentrar toda a atividade no mesmo espaço, em cerca de quatro mil metros quadrados. O 25 de Abril permitiu um alargamento dos mercados, um maior rendimento dos consumidores, com um poder de compra diferente, verificando-se um crescimento da procura. A empresa acompanhou as necessidades do mercado e expandiu a sua atividade – tendo também havido uma evolução dos próprios tecidos: teve início a elaboração de uma coleção própria, que, evidentemente, até aos dias de hoje já sofreu muitas evoluções. Neste momento em que as evoluções são constantes, temos de estar muito atentos, até porque apresentamos todos os anos duas coleções, verão e inverno. Pela natureza dos próprios tecidos que criamos, a coleção de inverno tem muito mais peso, cerca de 70%. Em 2005, a empresa passou a S.A., com um incremento do capital social e a possibilidade de novos investimentos.
Que foram?
Até 2008 uma nova tecelagem e, com a minha entrada e a de um primo para a administração, houve novo crescimento das instalações fabris, com uma nova cardação e fiação. Acompanhando essa evolução, e a partir de 2008, inverteu-se o peso das exportações: até então, significavam 30% – ou seja, 70% era mercado nacional. Isso passou a ser bastante limitativo para a empresa. Tivemos que procurar novos mercados – o que, com a experiência acumulada em 80 anos, nos permitiu entrar nesse novo patamar com confiança e com a certeza de que o nosso produto iria vingar. A presença em feiras internacionais foi fundamental para este passo. Assim aconteceu e atualmente, em 12 anos, as exportações passaram para os 70%.
Quais são os principais mercados?
A Europa. A empresa tem representação própria em 12 países. Mas é de salientar que fora da Europa estamos presentes no Japão, nos Estados Unidos e na Coreia do Sul. Na Europa, os mercados que têm mais peso e que representam cerca de 50% das exportações, são o grupo da França, Inglaterra, Alemanha e Suécia. A empresa atingiu no ano passado uma faturação de 6,3 milhões de euros – tendo cerca de 90 colaboradores – que está repartida por cerca de 400 clientes essencialmente em seis países. O que significa que o risco de mercado não existe, uma vez que há uma diversidade muito grande. Isso dá-nos alguma tranquilidade para enfrentar todas as vicissitudes políticas e não só, que o mundo tem atravessado, não esquecendo a pandemia, que veio alterar os nossos hábitos enquanto consumidores, aos quais as empresas tiveram de se adaptar. Era impensável antes, termos apresentado a coleção 2021 de forma virtual e aconteceu – mesmo no nosso sector, onde o toque da lã era um dos aspetos fundamentais. Se é que a pandemia trouxe alguma coisa de positivo, foi a Europa perceber, e que não o esqueça tão depressa, qual é o custo de estar dependente da Ásia.
A capacidade de a Europa se recordar do que quer que seja é muito limitada.
Tem razão. Temos uma memória recente, mas o preço fala sempre mais alto. E quando se concretiza um negócio, quer queiramos quer não, o preço continua a prevalecer.
Nos mercados externos em que estão, quais são os de maior potencial de crescimento? Pergunto isto porque muitos empresários asseguram que os Estados Unidos são o futuro.
Tenho sempre algumas dúvidas em relação ao mercado norte-americano. Porque não é muito estável em termos económicos e em termos políticos – o que afeta sempre as relações comerciais. É um mercado com potencial, mas não é um mercado fácil. A Albano Morgado está nos Estados Unidos há dez anos e tem sido um percurso de crescimento muito lento comparativamente com outros mercados. No nosso caso concreto, nunca será um mercado de venda direta: os Estados Unidos não têm confeção. Por isso, estamos dependentes de uma cadeia produtiva, que passa muitas vezes pelo México, pelo Bangladesh, por outros países onde o tecido é transformado. Mesmo os 30% de vendas que asseguramos atualmente para o mercado nacional, indiretamente vão em parte para exportações. Creio que o mercado nacional não absorverá mais de 10%. O restante é transformação – e ainda bem que essa transformação é no mercado nacional, e aí temos vindo a verificar um aumento da procura: o mercado nacional já chegou a ter para nós um peso de 15%, 20%.
Isso indica que os têxteis nacionais estão a ganhar preponderância nos mercados externos.
Por vários motivos associados – o futebol, o turismo, o calçado e o têxtil contribuíram. Na última década, Portugal teve um crescimento muito grande em termos qualitativos. E passou a ser visto como um país credível, seguro e tranquilo, e que apresenta em tudo o que faz uma qualidade muito diferente do que era no passado. Atrevo-me a dizer – e daí o sucesso das empresas – que, ao nível dos têxteis, Portugal era visto há 30 anos atrás como a China da Europa, mas felizmente tivemos a capacidade para nos transformarmos na Suíça da Europa. E é esse o nosso caminho. Albano Morgado está aí: não competindo pelo preço, mas sim pela qualidade.
O que contribuiu para a profundíssima alteração do paradigma? As empresas? A academia e os centros de investigação? O Estado também contribuiu com alguma coisa?
Foi tudo em conjunto. O Estado tem contribuído com uma política interessante no apoio às exportações, nomeadamente através do apoio financeiro à presença nas feiras têxteis internacionais. E aí, a Associação Selectiva Moda é um exemplo bastante feliz daquilo que se pode fazer em termos de agrupamento de empresas. É muito diferente chegarmos a uma feira internacional com 80 empresas ou estarem uma ou duas individualmente. Isto criou uma imagem de quantidade e qualidade.
O Estado apercebeu-se que andaria melhor se não atrapalhasse.
Exatamente. Por outro lado, dizem muitas vezes que um problema da indústria é a falta de formação dos próprios empresários. Em primeiro lugar, confunde-se muito formação com competência. E em segundo, nas alturas mais difíceis do país – a crise financeira de 2010-12, a pandemia, a inflação e a guerra (que têm feito disparar os custos energéticos) – os industriais portugueses provaram que, na altura certa, sabem estar e têm competência para ultrapassar as dificuldades.
Como se pode ver pela atual taxa de desemprego.
Evidentemente. Já não posso dizer o mesmo da competência de todos os governos. Quando criticam os empresários portugueses, talvez devessem olhar para si próprios. A indústria e os empresários souberam atualizar-se nos últimos 20 anos e a prova disso é que continuamos cá. Já a gestão/modernização da administração pública está à vista de todos…
Acha que nessa alteração do paradigma, a investigação e desenvolvimento, a inovação, foi importante.
Foi e continua a ser muito importante. Não nos podemos esquecer que temos um centro tecnológico, o CITEVE, que tem apoiado bastante a indústria têxtil, temos na área comercial o apoio da Selectiva Moda, e depois o ‘trabalho de casa’ que todos nós temos de fazer – que é acompanhar e estar atento àquilo que são as necessidades do mercado. E termos a nossa própria imagem de qualidade. Na Albano Morgado, há um aspeto fundamental, que tem feito parte do nosso crescimento: o serviço que prestamos. E isso ainda se notou mais no pós-pandemia.
Não foi um período excelente para o tipo de produto que a Albano Morgado faz.
Não. Foi exatamente o contrário, tendo em conta que o nosso produto é fundamentalmente para uso exterior tivemos dois anos menos bons. No entanto, em 2022 recuperámos estes dois anos mais difíceis – e recuperámos para níveis superiores a 2019. Nesse quadro, o serviço prestado e o departamento comercial passaram a ter uma importância e uma visibilidade diferentes. Do primeiro contacto com o cliente até à entrega do produto – era algo que, de uma forma geral, as empresas valorizavam menos. Associar o serviço à parte comercial é o fator principal do crescimento das empresas, mas também da imagem do próprio país.
Como funciona esse acompanhamento do cliente na Albano Morgado?
Em primeiro lugar, a parte comercial tem de perceber quais são as necessidades do cliente e até que ponto é que a empresa pode apresentar uma alternativa credível para ir ao encontro dessas necessidades. Passa por selecionar o tipo de textura do tecido (leia-se peso) – se soubermos o destino final do tecido, isso facilita o aconselhamento. A partir daí, temos de saber se o cliente quer um tecido liso, mescla ou com desenhos e padrões. Temos a possibilidade de oferecer internamente design através de uma equipa própria que pode apresentar alternativas visuais através de um sistema CAD. A fase seguinte é produzir uma pequena quantidade: um protótipo em tecido com seis, sete metros, para o cliente poder produzir duas, três peças e verificar se corresponde ao que quer. Depois entregará, ou não, a sua encomenda. De uma forma geral, esta primeira aproximação faz-se nas feiras – onde temos as coleções, com cerca de 200 referências. O cliente escolhe, podendo fazer pequenas alterações tanto ao nível da cor ou desenho e as relações comerciais desenvolvem-se a partir daí. Desenvolve-se uma coleção mútua.
A procura está cada vez mais virada para a circularidade, para a sustentabilidade, que eu temo que não corresponda bem àquilo que se passa?
Teme, e teme bem. Está a cair-se no exagero da sustentabilidade, da reciclagem – que não deixam de ser importantes. No caso da Albano Morgado, temos a vantagem de trabalhar um produto 100% natural. Não faz sentido a reciclagem, quando muito precisamos de fazer a reutilização do desperdício. Ao nível do sector têxtil. Isso já acontece, nomeadamente para a área do isolamento acústico em que as peças que já não têm utilidade são desfibradas (passam a ter novamente um aspeto de lã pura), passam por um processo de prensagem e integram a produção de placas com fins acústicos; a lã, à semelhança da cortiça, é dos melhores isolamentos acústicos. A nível interno, temos algumas gamas em que fazemos a reutilização dos desperdícios da tecelagem e acabamento, sendo uma reutilização específica e sempre limitada, nomeadamente ao nível das cores.
Que importância tem o digital na Albano Morgado?
Como nós dizemos, é preciso sentir o toque para se perceber o acabamento dos tecidos de lã. Mas o digital assume muita importância, nomeadamente no desenho. É muito diferente passar para o digital dez desenhos, por exemplo – e o cliente selecionar logo aí aqueles que têm mais interesse – do que produzir, como se fazia antes, os dez (com a incerteza de que algum deles agradaria ao cliente). E a facilidade e a rapidez que o digital permite: estamos a falar de algumas horas, que não se comparam com duas, três semanas. O próprio cliente está disponível e prefere o contacto direto com o produto.
Nunca pensaram em avançar para a confeção? Era concorrer com os próprios clientes.
Em primeiro lugar era concorrer com os próprios clientes. E isso não é de todo a intenção da Albano Morgado. E sempre tivemos um lema: fazer aquilo que sabemos fazer.
Albano Morgado, CEO da Albano Morgado
–
–