Afonso Barbosa
A qualidade é mais importante que o preço
T83 - Maio 23

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O líder do grupo tem uma visão inovadora do negócio: a sua estratégia não é crescer a qualquer custo, mas antes consolidar a sua posição, alicerçada na qualidade e na aposta nos materiais nobres – leia-se sustentáveis. Os investimentos que está a realizar seguem exatamente esse foco – sem esquecer que um dos fatores mais importantes no interior de uma empresa é o ‘saber fazer’ dos seus colaboradores.

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ual a atual dimensão da empresa?

A Familitex tem um volume de negócios da ordem dos 31 milhões de euros – que já se verifica há dois anos. A nossa principal atividade é a produção de malha. Temos também uma tinturaria, que em parceria com o meu sócio, José Manuel Mota, adquirimos há cerca de três anos, a Barceltinge, e temos ainda o armazém, a Serkut, que funciona há sete anos. Na Familitex temos 96 funcionários, na Barceltinge temos 124 e temos seis na Serkut. As três empresas em conjunto já têm um volume de negócios à volta dos 50 milhões de euros…

 

Qual a representatividade de exportação?

A internacionalização continua a ser uma forte aposta, que neste momento vale entre 20% e 25% da faturação. Mas é um processo demorado. Estamos a fazer feiras – a Première Vision, de Paris e Nova Iorque. Neste momento não estamos a fazer outras, porque cada feira tem de ser preparada de forma virada para o sector. Chegámos a fazer a ISPO, de que desistimos – apesar de termos ficado com um bom cliente – porque são feiras mais técnicas. Mas a Familitex está em crescimento: já comprei mais terrenos para a expansão.

 

Para que áreas?

Vamos para a área técnica, do desporto – mas sempre dentro da nossa área das malhas circulares. Vamos investir na produção e noutro terreno construiremos um armazém. Vamos aumentar a nossa capacidade de produção, embora já tenhamos 104 máquinas. Por uma razão: está a ser cada vez mais difícil subcontratar. Sei como é, também já fui prestador de serviços: ganha-se pouco e há muitos problemas de materiais, de tricotagem, de acabamentos – defeitos que vão aparecendo e que depois são difíceis de resolver. Temos, por um lado, de ter mão de obra mais aperfeiçoada e, por outro, um controlo de qualidade interno mais apurado. Internamente, temos o laboratório, temos os controlos… é diferente.

 

A Familitex tem um
volume de negócios da ordem dos 31 milhões de euros

Qual é o plano de investimentos?

No total, qualquer coisa mais que um milhão de euros. Não será este ano: 2023 vai ser um ano pouco diferente. Espero uma pequena redução, porque as encomendas têm reduzido: há encomendas, mas cada vez mais pequenas, muitas mudanças, muitas paragens. Não está a ser um ano muito mau para nós, mas, se continuarmos assim, talvez no final de 2023 tenhamos uma redução entre os 15% e os 20% na faturação. De qualquer modo, é sempre difícil prevermos o futuro da têxtil: há picos. Se os próximos meses forem bons, tudo pode compor-se – mesmo que uma baixa vá haver de certeza: a produção é difícil de recuperar.

 

Mesmo assim, mantém o plano de expansão?

A intensão aqui não é crescer, é manter – porque, no sector, já não há espaço para muito mais. As empresas à nossa volta aumentaram a capacidade, por isso não há mais espaço de crescimento. A ideia é que todas as empresas possam continuar a trabalhar. Depois de termos atingido este patamar, o objetivo é não baixar: é manter, com qualidade. Para mim, a qualidade é mais importante que o preço. Aliás, o cliente diz que a qualidade não se discute – querem qualidade, senão vêm a seguir as devoluções.

 

Admite que já olhou para a confeção – e terá mesmo avaliado o que seria se optasse por investir nessa área. Mas não o fez, por duas razões de peso. A primeira tem a ver com a especialização: a Familitex encontrou o seu lugar no muito competitivo e complexo sector têxtil como sendo um destacado produtor de malhas circulares. É aí que quer continuar a ‘dar cartas’ e a mostrar aos clientes que a opção pelos seus produtos encerra certezas que não se encontram em todas as empresas. A segunda razão, igualmente ponderosa, tem a ver com o facto de Afonso Barbosa entender que a empresa que dirige não deve passar a ser mais uma concorrente dos seus próprios clientes. É nesse quadro que explica a aposta total em todas as áreas que podem trazer novos apores à produção. Neste particular, destaca-se o investimento que já realizou na tecnologia disponibilizada pela Smartex, uma (antiga) start up que se tem destacado na eliminação do erro em contexto industrial. Deste modo, a Familitex atinge dois objetivos que considera serem fundamentais: por um lado, transformou os erros na produção num acidente que praticamente não existe; e, por outro, reduz o desperdício, que é uma das formas mais interessantes (nomeadamente do ponto de vista financeiro) de apostar na sustentabilidade. Em paralelo, a Familitex fez uma aposta clara na renovação da oferta, dividindo-a em quatro linhas fundamentais (cujos nomes servem só por si como um statment sobre o seu posicionamento no mercado). É neste quadro que a empresa ‘usa’ o T Jornal para dar nota em primeira mão da coleção cápsula Re-Use, que será mostrada pela primeira vez na próxima edição da Première Vision.

Acha importante nesta altura o regresso do lay-off simplificado, para gerir eventuais necessidades futuras de paragem da produção? Tiveram de o fazer na pandemia?

Só parámos em abril de 2020 – porque toda a cadeia parou. Portanto, fomos obrigados a parar. A partir daí, não parámos mais. Até porque o lay-off tem algumas condicionantes. Não vou para aí: não temos motivos para entrar no lay-off. Há trabalho: menos, mas há. Temos de ser mais agressivos com os clientes, os comerciais ‘têm de andar’, procurar, apresentar. Temos uma estrutura montada, temos designers, desenvolvimento técnico, apresentação de artigos novos.

 

As exportações continuam a ser uma espécie de salvação. Em que mercados estão presentes? Estão à procura de novos mercados? Já percebi que estão nos Estados Unidos.

É um mercado interessante – toda a gente está a chegar a essa conclusão. É um mercado que paga. Estamos em França, na Finlândia, na Dinamarca e nos EUA. Alguns clientes nosso trabalham em Marrocos, por isso mandamos a malha para lá, mas a faturação é para França. Queremos alargar para os países nórdicos – são mercados importantes.

 

Acha que o facto de a Ásia ter ficado mais longe está a aproximar clientes e produtores europeus?

Há alturas em que parece que alguma coisa está a mexer para o nosso lado. Talvez por causa da guerra… mas acho que não podemos ainda competir com a Ásia. Já fui em trabalho à China, à Índia e vejo que os salários são muito diferentes, os preços das energias – também subiram bastante agora – mas mesmo assim nós não conseguimos chegar lá. Mas também não precisamos do mercado deles. Sinto que o nosso mercado vai refugiar-se na qualidade, para mercados mais do tipo de Itália. Há que dizer que o ‘made in Portugal’ está a ser mais procurado. 

 

Nota esse alto?

Sim. Há uns anos a esta parte, Portugal impos uma grande qualidade. A produção da Ásia não é comparável. Aliás, acho que o objetivo dos portugueses não é esse – pelo menos o meu não é. E temos a Turquia, que é a maior ameaça que nós temos: estão num ponto estratégico, mais próximo, têm algodão, tem muitas empresas verticalizadas, têm o Estado que ajuda bastante as empresas. Aqui somos bons a pagar impostos – não sou contra, mas podíamos pagar menos e distribuir mais pelos funcionários.

 

Costuma dizer que ser empresário em Portugal é difícil. Qual é a parte mais difícil?

É a parte da mão de obra. É difícil dar a motivação necessária para trabalhar. A Familitex paga acima do mercado, acima do salário mínimo, atribuímos prémios, mas mesmo assim é pouco, não chega para motivar. Quem quer constituir uma família, comprar uma casa, tem muitas dificuldades, mesmo em casal. As ajudas também não são muitas e as coisas mudaram: havia dinheiro à cabeça; agora os projetos têm de ser pagos e só depois chegam os benefícios. O nosso primeiro projeto [no PRR] está executado, correu bem, tivemos um apoio de 50%.

 

De que projeto está a falar?

Foi um projeto de inovação e internacionalização. Estamos já envolvidos noutro, desta vez na descarbonização. É um projeto mais pequeno, da ordem do 1,8 milhões de euros – o anterior foi de 3,8 milhões. Na Familitex o plano é para a instalação de painéis solares e o sistema Smartex [de redução de erros e acidentes]. Somos a empresa que mais máquinas temos, são mais de 40, com esse sistema instalado. Reduz o desperdício, deteta os defeitos antes de eles chegarem ao cliente. Antes, o problema só era detetado quando já estava feito, agora é detetado na máquina, a tempo de ser corrigido. São muitas máquinas e o sistema tem valores muito altos – mas foi um bom investimento para a qualidade, mas também para a pegada ambiental, com a redução do desperdício.

 

Portanto, a Familitex apresenta qualidade e sustentabilidade.

O foco neste momento é a sustentabilidade e rastreabilidade – o foco geral de todas as empresas. Na Familitex há já uns anos que apostamos na sustentabilidade. Não vou dizer que vamos conseguir ser 100% sustentáveis, não é possível, mas vamos tentar ser o máximo – que todos os clientes procuram. Se conseguirmos atingir uma meta de 70%, já será bom. Não acho possível os 100% até porque não há matéria-prima suficiente para isso. Todos os clientes querem a sustentabilidade, mas depois querem qualidade máxima e isso não é possível. É um problema que temos todos os dias: os clientes querem um poliéster 100% reciclado, mas querem branco-branco… não dá. Querem algodão reciclado mas não querem contaminações… não é possível. Mas não vamos parar de investir – sempre numa ótica de valor-acrescentado, máquinas específicas para alguns produtos técnicos, diferenciando em relação ao que já temos.

 

Novas máquinas implicam menor número de funcionários?

Não, não reduzem postos de trabalho – exigem é mão de obra mais técnica, mais qualificada.

 

É fácil de encontrar?

É difícil arranjar bons técnicos para a nossa área. Mas na Familitex houve sempre o sistema de ir formando pessoas internamente – com o risco, claro, de eles acabarem por sair. Mas temos uma equipa técnica muito boa. É também uma oportunidade de os funcionários darem um salto na carreira. São aliás os melhores técnicos – sou evidentemente a favor da formação, mas por vezes ficam aquém das necessidades reais. A prática é um pouco diferente do que se aprende dentro de uma sala. Estamos abertos a ajudar na formação que queram fazer: é uma mais-valia para a empresa.

 

A inovação é uma área importante no interior da empresa?

Sim, encontrar novos fios, novas fibras, novas formas de trabalhar – com preocupações de performance e sustentabilidade. Temos atualmente quatro linhas: a ‘Green Line’, a ‘Fashion Line’, a ‘Premium Line’ e a ‘Performance Line’. Temos que satisfazer as necessidades de cada linha. Então, é necessário perceber o que é que, na Green Line, o mercado está a pedir e procurar novidades no âmbito da sustentabilidade. A Fashion Line está mais virada para as tendências, mais para a moda. A Premium Line aposta na qualidade superior e também procura agregar tendências. A Performance Line é direcionada a malhas técnicas e desporto – as feiras são uma porta em que nós percebemos o que é que a Europa, a América nos está a solicitar – é uma pesquisa que o departamento de Design, Inovação e Marketing faz. Já somos uma empresa que tem de dar ideias ao cliente – e aí temos funcionado muito bem. Ainda na Green Line, a Familitex vai lançar nas próximas semanas uma linha 100% reciclado. É uma coleção cápsula que se vai chamar Re-Use. Vai ser um dos projetos mais diferenciadores na Première Vision de Paris. 

 

Não se sente atraído pela confeção?

Não é que nunca tenha pensado, mas não fiz nem quero fazer. Acho que, por uma questão de princípio, não o devo fazer. Especializámo-nos em malha: compramos o fio, fazemos a malha. Se as nossas empresas forem boas a fazer a malha, temos um negócio interessante. 

Perfil

Aos 52 anos, Afonso Barbosa lidera um grupo que agrega três empresas que em conjunto já atingiram, em termos de faturação, a fasquia dos 50 milhões de euros. Admite que este ano não será por certo de crescimento – face à redução das encomendas – mas não é por isso que conta deixar de investir. Antes pelo contrário.

As perguntas de
Ana Lúcia Araújo
Responsável de Marketing

Quais são as políticas no âmbito da responsabilidade social? 

A Familitex preocupa-se cada vez mais em proporcionar bons momentos em equipa. Para isso, realiza três eventos por ano totalmente dedicados aos funcionários e ao convívio. Sentimos que é um investimento com retorno, para uma equipa mais unida e eficiente.

Numa outra política, temos vigente no fim de cada ano, a atribuição de prémios de desempenho, o sucesso da empresa é também o sucesso dos colaboradores. Efetivamente, está pendente da performance e rentabilidade do ano. 

Além destas políticas, como temos consciência das adversidades nos tempos que vivemos e dos efeitos pós-covid, contratamos uma psicóloga para dar apoio gratuitamente a qualquer colaborador. 

 

Como vê a Familitex daqui a 10 anos?

Pessoalmente, pretendo estar mais afastado da azáfama que é o mundo empresarial. Relativamente ao grupo, prevejo que se mantenha forte, com o aumento da representatividade da exportação direta. Com um sistema cada vez mais amigo do ambiente, que prima pela elevada qualidade de produto e serviço.  Em termos de recursos humanos, espero no futuro ser possível assegurar mais condições aos nossos trabalhadores, tanto nas infraestruturas, como na política remuneratória.

Ana Loureiro
Responsável da Exportação

A Familitex integra uma equipa jovem e dinâmica, sente que a nova geração tem nas suas mãos capacidade para crescer ainda mais o projeto?

– Sim, a aposta nos jovens é um princípio fundamental para que o mercado permaneça em crescimento. A Familitex é a primeira casa para muitos jovens, integramos na nossa equipa e garantimos toda a formação necessária, de modo a tornarem-se profissionais exímios na área. Além da formação contínua, estamos cada vez mais a recrutar colaboradores com licenciaturas e mestrados, de forma a fortalecer os nossos conhecimentos. 

 

No ano de 2022 qual o projeto que destaca?

– Considero que o projeto da Smartex é um projeto de grande aposta na Familitex, transversal nos últimos anos até ao presente. Com cada vez mais consciência num sistema sustentável, a Smartex permite a deteção de defeitos, ainda durante o processo produtivo, permitindo a redução de desperdício de produto e dos custos associados.

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