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A Bloomati é uma marca que vende malhas sustentáveis e recicláveis com acabamentos especiais, enquanto a Carvema é uma empresa de tingimento e acabamento de malhas, explica José Carvalho, um dos quatro representantes da segunda geração à frente dos destinos da empresa de Perelhal, Barcelos.
omo nasceu a Carvema e qual era o objectivo inicial?
Nasceu em 1974 como empresa de tinturaria e acabamentos têxteis, fundada por quatro sócios, um deles o meu pai, outros dois seus irmãos, meus tios, portanto, e um amigo deles, o senhor Ventura Marques. Foram eles que deram início è empresa no espaço que hoje é a parte fabril da Carvema e que foi aumentando com o passar dos anos. Entretanto, os fundadores foram desaparecendo e hoje somos quatro irmãos e uma prima.
E essas mudanças na estrutura da sociedade são recentes?
O meu pai faleceu há cerca de 30 anos e foi a partir daí que fomos assumindo os cargos. Eu tenho a parte financeira, projetos e internacionalização, o meu irmão Carlos a parte industrial e comercial, juntamente com a minha prima Paula, a minha irmã Lurdes na área produtiva e laboratórios, e o outro irmão, Rui que não tem funções de gerência e está na parte de planeamento. O que quer dizer que entre todos acabamos por coordenar as coisas dentro da lógica familiar inicial.
E assim vai continuar?
Sim, já está aí a nova geração. O meu filho, André, acaba por ser o meu braço direito, a filha da minha prima está na parte comercial, e tenho outro sobrinho que está na parte de planeamento e produção.
Quer dizer que está assegurada a transição geracional?
Está. Até para contrariar o dito de que a primeira constrói, a segunda mantém e a terceira destrói. Eles estão a acompanhar o progresso da empresa, que desde 1974 teve obviamente com os seus altos e baixos, anos bons e outros nem tanto, mas tem passado pelas crises e temos sempre conseguido dar a volta.
E começou logo em ambiente de crise, em 1974?
Os fundadores foram pessoas que sempre acreditaram no projeto.
E algum dos sócios tinha passado ou conhecimento específico na área?
Um dos meus tios era o chefe da tinturaria da antiga Tor, em Barcelos, outro tinha já muita bagagem em termos comerciais, o meu pai na área contabilística e financeira, e o senhor Marques era um especialista na relação comercial, com clientes e produção. A empresa nasceu já com objetivos bem definidos e com clientes que nos acompanharam durante muitos anos.
E que ainda se mantêem?
Alguns grandes grupos infelizmente já desapareceram, mas mantemos ainda muitos dessa altura, que foram evoluindo em conjunto com a Carvema e que hoje consideramos até mais amigos que clientes. Empresas como Carcemal, o grupo Becri, Irmãos Rodrigues, Pedrosa & Rodrigues, Trimalhas e muitos outros. Todas empresas que neste momento trabalham para grandes marcas.
Ou seja, um percurso estável em termos de clientes e de mercados?
Sim, tem sido um percurso estável ao longo destes já quase cinquenta anos. É claro que tem havido altos e baixos, mas a indústria têxtil é feita disso mesmo.
Tem memória de algum da dimensão destes que o setor tem atravessado nos últimos tempos, como dos preços do gás e electricidade. Se é que isso vos afeta?
Afeta e não é pouco. É um problema que se reflete sobretudo a nossa marca, a Bloomati, que estava agora naquela fase de desenvolver contratos, consolidar clientes. A marca nasceu há cerca de cinco anos, no primeiro estivemos naquela fase de ver as feiras que nos podiam interessar, no segundo já participamos, algumas com a Selectiva Moda e o From Portugal, e quando as coisas estavam naquela fase de encaminham
Mas há a ideia que, de certa forma, a pandemia até acelerou o crescimento da Bloomati?
Sim, de certa maneira passou incólume. É que com o fecho das feiras, a solução foi passá-las para o online e isso abriu contactos muito mais alargados. Nós tivemos pedidos de amostras até do Sri Lanka, o online veio trazer outra dimensão, aumenta exponencialmente o leque de possíveis clientes. Em qualquer parte do mundo é possível ver o produto, as amostras. É claro que uma coisa é estar na feira, apalpar, ver o produto, sentir a pulsação de quem está a expor, e outra é o online. Sim, trouxe também essa vantagem, mas tivemos que refazer os planos.
Que alterações foram essas?
Era o ano do arranque em definitivo, da expansão da marca, mas com o tempo as coisas estão a recompor-se. Voltaram as feiras, algumas estão a modificar a sua dimensão, a reorganizar datas e criando até algumas sobreposições, mas isso resolve-se. Há sempre solução para tudo, dividimos as equipas.
Querem estar em todas, as feiras continuam a ser determinantes?
Exatamente. Estivemos agora em Nova Iorque e correu mesmo muito bem. Muita gente, muitos pedidos, é outra dimensão. Íamos como que a apalpar terreno, mas acabou por ser bem melhor do que esperávamos. Agora é mandar amostras e ver o que o mercado americano, e também muitos canadianos que nos visitaram, nos vai trazer.
Em que medida, então, é que a pandemia afetou a Bloomati?
Isto foi um projeto pensado a dez anos, apontando para que num cenário ideal 50% da produção da Carvema pudesse no final desse período ser consumida pela Bloomati. É lógico que para isso temos de trabalhar, mas desde o princípio temos tido uma abordagem de ano a ano e é isso que temos vindo a fazer. Começamos com duas pessoas, hoje já temos mais uma e estamos já a pensar contratar uma quarta, e é nessa perspetiva que a Bloomati vai crescendo.
De forma autónoma em relação à Carvema?
A Bloomati não é a Carvema, é uma marca que vende malhas ecolológicas, sustentáveis e recicláveis com acabamentos especiais, enquanto a Carvema é uma empresa de tingimento e acabamento de malhas.
Como é que surgiu a ideia de avançar com uma marca própria, não corriam o risco de ser vista como concorrente dos vossos clientes?
Essa foi uma das questões que pusemos em cima da mesa e por isso a Bloomati não concorre com os nossos clientes. A Carvema trabalha para clientes que têm produções muito grandes para marcas conceituadas, estamos a falar de marcas como Prada, Louis Vuitton, Next, Dolce Gabbana, portanto clientes com dimensão e quantidades específicas. E a questão que pusemos foi: o que é que nós podemos oferecer? São acabamentos diferenciados com foco em malhas sustentáveis, que além do valor acrescentado trazem outra qualidade ao produto.
E como chegaram a essa com conclusão, como perceberam que era essa a orientação do mercado?
Sentíamos que havia um segmento, um nicho de mercado. A Bloomati não quer grandes clientes, de grandes quantidades, queríamos um produto onde pudéssemos ter margem e definir o preço. Foi isso que nos levou até este tipo de negócio. Podíamos perfeitamente ter ido para o mercado nacional vender malha acabada a um preço acessível, mas não era esse o objetivo. A ideia era ir para a moda e a área técnica, acabamentos especializados, e partir para a internacionalização da Bloomati.
Uma aposta que se mostrou acertada?
Já andamos nisto há muitos anos e tínhamos uma perceção exata do tipo de malhas que queríamos oferecer. A presença e participação nas feiras dá-nos também uma perspetiva de como está o mercado daquilo que pede. Os prémios e distinções que nos têm sido atribuídos mostram que havia mesmo este segmento para explorar.
As feiras alavancaram o lançamento da marca?
Não são só as vendas e clientes, é muito importante também estar numa feira ao lado de empresas com produtos completamente diferentes e ver quais são as novidades, as tendências, aquilo que os novos clientes procuram. E nisso, há que o dizer, a Selectiva Moda teve um papel importante. Foi a nossa primeira reunião e ficamos a saber daquilo que precisávamos para ir para o mercado externo.
Tem sido um percurso de sucesso, quase chegar, ver e vencer?
Foi no tempo certo: O mercado tinha a ideia do sustentável e quando começamos a apresentar malhas orgânicas com padrões específicos de sustentabilidade, percebemos logo que o mercado estava de olho na Bloomati. Clientes que na primeira feira ficam curiosos, olham, apalpam as malhas, mas depois já vêem com um objetivo específico, deixam um cartão, pedem amostras e dizem que acompanham os nossos produtos e atividade nas redes sociais. O nosso lema é a sustentabilidade, a garantia de que aquilo que vendemos é sustentável e ecológico, esse é o nosso caminho.
E como é que se prepararam para isso, criaram um departamento específico de I&D?
Nós já tínhamos. Na Carvema temos um laboratório químico muito, muito bem apetrechado, temos um laboratório de controlo de qualidade ao nível do melhor que existe, e a partir daí as coisas tornam-se mais fáceis. Eu penso que em termos de sustentabilidade, Portugal é uma dos países melhor preparados, e isso nota-se nas feiras. Por exemplo, na London Textile éramos três stands portugueses no meio de dezenas de empresas turcas e fomos sempre os mais procurados, o mercado e os clientes reconhecem o trabalho das empresas portuguesas. Sou do tempo em que era muito difícil colocar uma etiqueta made in Portugal, fazíamos milhares de peças e a etiqueta era a do país da marca, hoje as marcas querem que a etiqueta tenha made in Portugal. Querem diferenciar-se daquilo que é feito noutros países.
E como é que isso se cruza com os preços, há também uma diferenciação?
Por incrível que pareça, eu vejo muito mais os clientes portugueses a discutirem o preço que os estrangeiros. Mandámos-lhes os preços e eles fecham a encomenda, aqui às vezes andamos a falar em cêntimos, isso já não existe com os estrangeiros. A preocupação neste momento é com o preço dos transportes, que tiveram um aumento brutal.
E os custos da energia, como se estão a reflectir na vossa atividade?
Aumentos de 400% de um ano para o outro, não é fácil. Uma fatura que passou de 60 a 70 mil para 300 a 400 mil euros, obrigou-nos uma conversa com os nossos clientes para avaliarmos até onde estavam dispostos a pagar também estes aumentos. No fundo estamos no mesmo barco, todos vivemos disto, e chegamos a um consenso. Estes custos são uma brutalidade e não fazem sentido e são insuportáveis para as empresas.
Como é que isto de pode resolver?
Estamos a investir, mas as coisas não se resolvem de um dia para o outro. Já compramos uma caldeira de biomassa e temos equipamentos que vamos reconverter, mas tudo isto são mais custos, mais contas para fazer.
E contam com apoio nesses investimentos?
Ainda não sabemos. E nas conversas que temos tido com as entidades bancárias dizem-nos que também ainda não sabem. Continuamos a não entender como vai funcionar o Banco de Fomento, como vai funcionar o IAPMEI, mas o certo é que o investimento tem que ser feito. Haja ou não apoios temos que fazer o investimento, e é nessa base que temos funcionado ao longo dos anos.
Voltando aos números, disse que o projeto era que em 10 anos a Bloomati representasse 50% da produção da Carvema, três anos depois qual é o balanço?
Foi isso que estipulamos como meta, hoje anda nos 5 a 6%.
Qual é o volume de negócios da Carvema?
Anda à volta dos 8 milhões. Mas note-se que são 8 milhões a pôr um valor acrescentado numa malha, que são os tingimentos e acabamentos, pelo que estaremos a falar de 300 a 400 milhões de exportações dos nossos clientes.
Qual é a quantidade de malha que processam?
Pode andar entre 16 a 20 toneladas diárias. Depende se são brancos se são desentalados, que são muito mais rápidos.
Quais investimentos mais relevantes nos últimos tempos?
Acabamos um de 3,5 milhões durante a pandemia, agora a caldeira de biomassa são mais 2,5 milhões. Se formos a contabilizar os últimos 10 anos, serão 8 a 9 milhões de investimentos. Renovamos o parque de máquinas e investimos na componente ambiental, hoje temos uma Etar que daria para uma cidade com 10 a 15 mil habitantes, tratamos não só os nossos efluentes mas também os de duas freguesias, Perelhal e Vila Cova.
É um serviço que a Carvema presta à comunidade?
Há um acordo com a câmara [de Barcelos], que construiu e encaminhou as condutas de saneamento para a nossa Etar.
Qual é o plantel da empresa?
Temos 155 pessoas a trabalhar connosco.
E tem ideia de quantas eram no arranque, em 1974?
Estão ali [aponta para uma fotografia], são menos de 20 pessoas. Era apenas uma caldeira, não tinha nada a ver com o que é hoje. Estamos a falar de uma caldeira, a evolução foi tremenda, mas nos últimos sete/oito anos tem sido mais na diminuição dos tempos de tingimento e no softwear que envolve, a produção está agora toda automatizada.
Aos 60 anos, é responsável pela parte financeira e projectos de internacionalização da Carvema Têxtil, onde chegou já com a experiência de gestão administrativa em empresas de outras áreas. Fundada pelos antecessores, quase cinco décadas depois a empresa mantém o modelo de gestão assente numa parceria familiar, cuja continuidade começa a ser assegurada com a chegada dos elementos da terceira geração.
A Bloomati tem-se destacado pelos tratamentos sustentáveis e acabamentos funcionais, que novidades pode esperar o mercado nesta áreas?
Tudo o que surgir em termos de novidades e evolução será obviamente transposto para a Bloomati através da Carvema. Com esta ligação, a vanguarda está permanentemente assegurada.
Que novos desafios se colocam à empresa com a entrada no mercado americano, designadamente na capacidade de resposta?
Essa é uma questão central. Temos que ver aquilo que será pedido, que tipo de respostas podemos efetivamente dar e depois temos de analisar dentro da empresa como adequar-nos. Mas nós estamos bem posicionados, tanto em termos produção, produtividade, creio que será um caminho de continuidade, que não exigirá nada de muito especial.
A Bloomati depressa se afirmou e conquistou mercado, houve alguma razão especial para esse rápido sucesso?
É como já falamos, a parte funcional, os acabamentos, a vertente sustentável, ecológica e ambiental foram de facto muito importantes.
Depois a Europa, quais são agora os objetivos para o mercado americano?
Estamos numa fase inicial, apresentamos os nossos produtos e agora vamos desenvolver, vamos ver o que vai dar. Mas as perspetivas, por aquilo que me foi transmitido, são boas e superam à partida aquilo que eram as nossas expetactivas.