José Carvalho
A Carvema prepara-se para combater a tormenta do gás
T74 - julho/agosto 22

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A Bloomati é uma marca que vende malhas sustentáveis e recicláveis com acabamentos especiais, enquanto a Carvema é uma empresa de tingimento e acabamento de malhas, explica José Carvalho, um dos quatro representantes da segunda geração à frente dos destinos da empresa de Perelhal, Barcelos.

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omo nasceu a Carvema e qual era o objectivo inicial?

Nasceu em 1974 como empresa de tinturaria e acabamentos têxteis, fundada por quatro sócios, um deles o meu pai, outros dois seus irmãos, meus tios, portanto, e um amigo deles, o senhor Ventura Marques. Foram eles que deram início è empresa no espaço que hoje é a parte fabril da Carvema e que foi aumentando com o passar dos anos. Entretanto, os fundadores foram desaparecendo e hoje somos quatro irmãos e uma prima. 

 

E essas mudanças na estrutura da sociedade são recentes? 

O meu pai faleceu há cerca de 30 anos e foi a partir daí que fomos assumindo os cargos. Eu tenho a parte financeira, projetos e internacionalização, o meu irmão Carlos a parte industrial e comercial, juntamente com a minha prima Paula, a minha irmã Lurdes na área produtiva e laboratórios, e o outro irmão, Rui que não tem funções de gerência e está na parte de planeamento. O que quer dizer que entre todos acabamos por coordenar as coisas dentro da lógica familiar inicial.

 

E assim vai continuar? 

Sim, já está aí a nova geração. O meu filho, André, acaba por ser o meu braço direito, a filha da minha prima está na parte comercial, e tenho outro sobrinho que está na parte de planeamento e produção.

 

Quer dizer que está assegurada a transição geracional? 

Está. Até para contrariar o dito de que a primeira constrói, a segunda mantém e a terceira destrói. Eles estão a acompanhar o progresso da empresa, que desde 1974 teve obviamente com os seus altos e baixos, anos bons e outros nem tanto, mas tem passado pelas crises e temos sempre conseguido dar a volta. 

 

E começou logo em ambiente de crise, em 1974? 

Os fundadores foram pessoas que sempre acreditaram no projeto.

Internacionalização
A ideia era desenvolver um produto de base sustentável que desse corpo à ideia de internacionalização da Carvema
Podíamos ter tido confeção, malhas, estamparia, mas o foco esteve sempre na tinturaria e acabamentos, a empresa assumiu desde sempre esse propósito. 

 

E algum dos sócios tinha passado ou conhecimento específico na área?

Um dos meus tios era o chefe da tinturaria da antiga Tor, em Barcelos, outro tinha já muita bagagem em termos comerciais, o meu pai na área contabilística e financeira, e o senhor Marques era um especialista na relação comercial, com clientes e produção. A empresa nasceu já com objetivos bem definidos e com clientes que nos acompanharam durante muitos anos. 

 

E que ainda se mantêem? 

Alguns grandes grupos infelizmente já desapareceram, mas mantemos ainda muitos dessa altura, que foram evoluindo em conjunto com a Carvema e que hoje consideramos até mais amigos que clientes. Empresas como Carcemal, o grupo Becri, Irmãos Rodrigues, Pedrosa & Rodrigues, Trimalhas e muitos outros. Todas empresas que neste momento trabalham para grandes marcas. 

 

Ou seja, um percurso estável em termos de clientes e de mercados?

Sim, tem sido um percurso estável ao longo destes já quase cinquenta anos. É claro que tem havido altos e baixos, mas a indústria têxtil é feita disso mesmo.

 

Tem memória de algum da dimensão destes que o setor tem atravessado nos últimos tempos, como dos preços do gás e electricidade. Se é que isso vos afeta? 

Afeta e não é pouco. É um problema que se reflete sobretudo a nossa marca, a Bloomati, que estava agora naquela fase de desenvolver contratos, consolidar clientes. A marca nasceu há cerca de cinco anos, no primeiro estivemos naquela fase de ver as feiras que nos podiam interessar, no segundo já participamos, algumas com a Selectiva Moda e o From Portugal, e quando as coisas estavam naquela fase de encaminham

É numa abordagem totalmente ecológica, que associa sempre os melhores materiais, acabamentos diferenciados, inovadores e de alta tecnicidade, que assenta o projeto da Bloomati.
ento com os clientes vem a pandemia.

 

Mas há a ideia que, de certa forma, a pandemia até acelerou o crescimento da Bloomati? 

Sim, de certa maneira passou incólume. É que com o fecho das feiras, a solução foi passá-las para o online e isso abriu contactos muito mais alargados. Nós tivemos pedidos de amostras até do Sri Lanka, o online veio trazer outra dimensão, aumenta exponencialmente o leque de possíveis clientes. Em qualquer parte do mundo é possível ver o produto, as amostras. É claro que uma coisa é estar na feira, apalpar, ver o produto, sentir a pulsação de quem está a expor, e outra é o online. Sim, trouxe também essa vantagem, mas tivemos que refazer os planos. 

 

Que alterações foram essas?

Era o ano do arranque em definitivo, da expansão da marca, mas com o tempo as coisas estão a recompor-se. Voltaram as feiras, algumas estão a modificar a sua dimensão, a reorganizar datas e criando até algumas sobreposições, mas isso resolve-se. Há sempre solução para tudo, dividimos as equipas. 

 

Querem estar em todas, as feiras continuam a ser determinantes?

Exatamente. Estivemos agora em Nova Iorque e correu mesmo muito bem. Muita gente, muitos pedidos, é outra dimensão. Íamos como que a apalpar terreno, mas acabou por ser bem melhor do que esperávamos. Agora é mandar amostras e ver o que o mercado americano, e também muitos canadianos que nos visitaram, nos vai trazer. 

 

Em que medida, então, é que a pandemia afetou a Bloomati?

Isto foi um projeto pensado a dez anos, apontando para que num cenário ideal 50% da produção da Carvema pudesse no final desse período ser consumida pela Bloomati. É lógico que para isso temos de trabalhar, mas desde o princípio temos tido uma abordagem de ano a ano e é isso que temos vindo a fazer. Começamos com duas pessoas, hoje já temos mais uma e estamos já a pensar contratar uma quarta, e é nessa perspetiva que a Bloomati vai crescendo. 

 

De forma autónoma em relação à Carvema? 

A Bloomati não é a Carvema, é uma marca que vende malhas ecolológicas, sustentáveis e recicláveis com acabamentos especiais, enquanto a Carvema é uma empresa de tingimento e acabamento de malhas.

 

Como é que surgiu a ideia de avançar com uma marca própria, não corriam o risco de ser vista como concorrente dos vossos clientes? 

Essa foi uma das questões que pusemos em cima da mesa e por isso a Bloomati não concorre com os nossos clientes. A Carvema trabalha para clientes que têm produções muito grandes para marcas conceituadas, estamos a falar de marcas como Prada, Louis Vuitton, Next, Dolce Gabbana, portanto clientes com dimensão e quantidades específicas. E a questão que pusemos foi: o que é que nós podemos oferecer?  São acabamentos diferenciados com foco em malhas sustentáveis, que além do valor acrescentado trazem outra qualidade ao produto. 

 

E como chegaram a essa com conclusão, como perceberam que era essa a orientação do mercado?

Sentíamos que havia um segmento, um nicho de mercado. A Bloomati não quer grandes clientes, de grandes quantidades, queríamos um produto onde pudéssemos ter margem e definir o preço. Foi isso que nos levou até este tipo de negócio. Podíamos perfeitamente ter ido para o mercado nacional vender malha acabada a um preço acessível, mas não era esse o objetivo. A ideia era ir para a moda e a área técnica, acabamentos especializados, e partir para a internacionalização da Bloomati. 

 

Uma aposta que se mostrou acertada? 

Já andamos nisto há muitos anos e tínhamos uma perceção exata do tipo de malhas que queríamos oferecer. A presença e participação nas feiras dá-nos também uma perspetiva de como está o mercado daquilo que pede. Os prémios e distinções que nos têm sido atribuídos mostram que havia mesmo este segmento para explorar.

 

As feiras alavancaram o lançamento da marca?  

Não são só as vendas e clientes, é muito importante também estar numa feira ao lado de empresas com produtos completamente diferentes e ver quais são as novidades, as tendências, aquilo que os novos clientes procuram. E nisso, há que o dizer, a Selectiva Moda teve um papel importante. Foi a nossa primeira reunião e ficamos a saber daquilo que precisávamos para ir para o mercado externo.

 

Tem sido um percurso de sucesso, quase chegar, ver e vencer? 

Foi no tempo certo: O mercado tinha a ideia do sustentável e quando começamos a apresentar malhas orgânicas com padrões específicos de sustentabilidade, percebemos logo que o mercado estava de olho na Bloomati. Clientes que na primeira feira ficam curiosos, olham, apalpam as malhas, mas depois já vêem com um objetivo específico, deixam um cartão, pedem amostras e dizem que acompanham os nossos produtos e atividade nas redes sociais. O nosso lema é a sustentabilidade, a garantia de que aquilo que vendemos é sustentável e ecológico, esse é o nosso caminho. 

 

E como é que se prepararam para isso, criaram um departamento específico de I&D? 

Nós já tínhamos. Na Carvema temos um laboratório químico muito, muito bem apetrechado, temos um laboratório de controlo de qualidade ao nível do melhor que existe, e a partir daí as coisas tornam-se mais fáceis. Eu penso que em termos de sustentabilidade, Portugal é uma dos países melhor preparados, e isso nota-se nas feiras. Por exemplo, na London Textile éramos três stands portugueses no meio de dezenas de empresas turcas e fomos sempre os mais procurados, o mercado e os clientes reconhecem o trabalho das empresas portuguesas. Sou do tempo em que era muito difícil colocar uma etiqueta made in Portugal, fazíamos milhares de peças e a etiqueta era a do país da marca, hoje as marcas querem que a etiqueta tenha made in Portugal. Querem diferenciar-se daquilo que é feito noutros países.  

 

E como é que isso se cruza com os preços, há também uma diferenciação?  

Por incrível que pareça, eu vejo muito mais os clientes portugueses a discutirem o preço que os estrangeiros. Mandámos-lhes os preços e eles fecham a encomenda, aqui às vezes andamos a falar em cêntimos, isso já não existe com os estrangeiros. A preocupação neste momento é com o preço dos transportes, que tiveram um aumento brutal. 

 

E os custos da energia, como se estão a reflectir na vossa atividade? 

Aumentos de 400% de um ano para o outro, não é fácil. Uma fatura que passou de 60 a 70 mil para 300 a 400 mil euros, obrigou-nos uma conversa com os nossos clientes para avaliarmos até onde estavam dispostos a pagar também estes aumentos. No fundo estamos no mesmo barco, todos vivemos disto, e chegamos a um consenso. Estes custos são uma brutalidade e não fazem sentido e são insuportáveis para as empresas. 

 

Como é que isto de pode resolver? 

Estamos a investir, mas as coisas não se resolvem de um dia para o outro. Já compramos uma caldeira de biomassa e temos equipamentos que vamos reconverter, mas tudo isto são mais custos, mais contas para fazer. 

 

E contam com apoio nesses investimentos? 

Ainda não sabemos. E nas conversas que temos tido com as entidades bancárias dizem-nos que também ainda não sabem. Continuamos a não entender como vai funcionar o Banco de Fomento, como vai funcionar o IAPMEI, mas o certo é que o investimento tem que ser feito. Haja ou não apoios temos que fazer o investimento, e é nessa base que temos funcionado ao longo dos anos.

 

Voltando aos números, disse que o projeto era que em 10 anos a Bloomati representasse 50% da produção da Carvema, três anos depois qual é o balanço

Foi isso que estipulamos como meta, hoje anda nos 5 a 6%.

 

Qual é o volume de negócios da Carvema? 

Anda à volta dos 8 milhões. Mas note-se que são 8 milhões a pôr um valor acrescentado numa malha, que são os tingimentos e acabamentos, pelo que estaremos a falar de 300 a 400 milhões de exportações dos nossos clientes. 

 

Qual é a quantidade de malha que processam? 

Pode andar entre 16 a 20 toneladas diárias. Depende se são brancos se são desentalados, que são muito mais rápidos.

 

Quais investimentos mais relevantes nos últimos tempos? 

Acabamos um de 3,5 milhões durante a pandemia, agora a caldeira de biomassa são mais 2,5 milhões. Se formos a contabilizar os últimos 10 anos, serão 8 a 9 milhões de investimentos. Renovamos o parque de máquinas e investimos na componente ambiental, hoje temos uma Etar que daria para uma cidade com 10 a 15 mil habitantes, tratamos não só os nossos efluentes mas também os de duas freguesias, Perelhal e Vila Cova. 

 

É um serviço que a Carvema presta à comunidade?  

Há um acordo com a câmara [de Barcelos], que construiu e encaminhou as condutas de saneamento para a nossa Etar.  

 

Qual é o plantel da empresa? 

Temos 155 pessoas a trabalhar connosco.

 

E tem ideia de quantas eram no arranque, em 1974? 

Estão ali [aponta para uma fotografia], são menos de 20 pessoas. Era apenas uma caldeira, não tinha nada a ver com o que é hoje. Estamos a falar de uma caldeira, a evolução foi tremenda, mas nos últimos sete/oito anos tem sido mais na diminuição dos tempos de tingimento e no softwear que envolve, a produção está agora toda automatizada. 

Perfil

Aos 60 anos, é responsável pela parte financeira e projectos de internacionalização da Carvema Têxtil, onde chegou já com a experiência de gestão administrativa em empresas de outras áreas. Fundada pelos antecessores, quase cinco décadas depois a empresa mantém o modelo de gestão assente numa parceria familiar, cuja continuidade começa a ser assegurada com a chegada dos elementos da terceira geração.

As perguntas de
Domingos Ferreira
Sales Manager Bloomati

A Bloomati tem-se destacado pelos tratamentos sustentáveis e acabamentos funcionais, que novidades pode esperar o mercado nesta áreas? 

Tudo o que surgir em termos de novidades e evolução será obviamente transposto para a Bloomati através da Carvema. Com esta ligação, a vanguarda está permanentemente assegurada. 

 

Que novos desafios se colocam à empresa com a entrada no mercado americano, designadamente na capacidade de resposta? 

Essa é uma questão central. Temos que ver aquilo que será pedido, que tipo de respostas podemos efetivamente dar e depois temos de analisar dentro da empresa como adequar-nos. Mas nós estamos bem posicionados, tanto em termos produção, produtividade, creio que será um caminho de continuidade, que não exigirá nada de muito especial.

André Carvalho
Diretor de Recursos Humanos Carvema

A Bloomati depressa se afirmou e conquistou mercado, houve alguma razão especial para esse rápido sucesso? 

É como já falamos, a parte funcional, os acabamentos, a vertente sustentável, ecológica e ambiental foram de facto muito importantes. 

 

Depois a Europa, quais são agora os objetivos para o mercado americano? 

Estamos numa fase inicial, apresentamos os nossos produtos e agora vamos desenvolver, vamos ver o que vai dar. Mas as perspetivas, por aquilo que me foi transmitido, são boas e superam à partida aquilo que eram as nossas expetactivas.

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