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Com a sustentabilidade como pilar, a Valérius Hub procurou montar uma equipa multidisciplinar que na sua génese tivesse o sector têxtil e agregasse a inovação orientada para a digitalização e o e-commerce. O objectivo é ter uma variedade que permita apresentar todas as áreas, com empresas a operar em diferentes tipos de produtos.
Valérius Hub é um conceito pioneiro. Gostava que o resumisse e quais são os objetivos.
Foi criada em 2020, foi pensada antes, e o que queríamos criar era um conjunto de empresas que defendessem o mesmo tipo de ideias e conseguissem ser ouvidas em grupo. Uma coisa é cada uma tentar chegar a um objetivo individualmente e outra coisa é tentarmos um objetivo em grupo. O que tentámos foi juntar pessoas com as mesmas ideias e que possuem o mesmo know-how mas que muitas vezes têm alguma dificuldade de comercialização ou que tinham algumas necessidades que podiam ser complementadas. Tentamos montar uma equipa multidisciplinar que na sua génese tivesse o sector têxtil e agregasse a inovação do acreditamos que será a digitalização e o e-commerce – que será uma das bases. E, claro, a sustentabilidade como sendo o pilar da empresa.
Um grupo interno e externo?
Interno e externo…
Também aí há inovação…
Sim, juntar pessoas que não fazem parte do nosso dia-a-dia é importante para nós, e havia áreas que não dominávamos mas que quisemos trazer: acessórios, chapéus, têxteis-lar, coisas que nós não dominávamos.
É portanto uma espécie de Marketplace físico, formado entre empresas internas e externas ao grupo. Foi difícil dar a entender o projeto e chamar empresas para o integrarem?
Por acaso foi mais fácil do que aquilo que pensávamos. Desenhamos uma espécie de KPI [ferramenta de medição de desempenho] daquilo que sentíamos que uma empresa, para entrar, teria que cumprir. E dissemos: para uma empresa fazer parte deste hub, terá de responder a uma série de necessidades em termos de capacidade, sustentabilidade, auditorias sociais e alguns pontos que considerámos base – e que os nossos clientes entendem como o mínimo.
Tiveram uma forte adesão?
As empresas ficaram muito satisfeitas por fazerem parte deste hub, porque as ideias eram as mesmas, as sinergias eram maiores, podendo chegar a mais clientes com este apoio da Valérius Hub a nível comercial e de serviços que podemos prestar. Há muitas empresas que têm uma boa fabricação mas não têm design e se a nossa equipa de design, composta por 20 pessoas, puder dar um aporte nessa parte, sentimos que isso irá trazer valor-acrescentado para essa empresa. E para nós é um agrado que outras pessoas quisessem fazer parte do nosso hub.
Que empresas estão neste momento convosco?
No papel temos a Ambar, nos sapatos temos a Camport, no knitwear temos a Vestire, no têxtil-lar temos a Colmaco, nas têxteis de exportação temos a Erius, a Valérius, a Junius, a Supercorte, a Sartius, temos uma série de empresas que operam em diferentes tipos de produto. Era importante para nós ter uma variedade que nos permitisse apresentar todas as áreas, mesmo aquelas que não estavam presentes no nosso core.
Continuam a ter apetência por juntar mais empresas ao hub?
Sim, estamos continuamente à procura. Por exemplo, estamos agora à procura de pessoas na parte das gangas – sentimos que é um produto que usamos no ano inteiro, que não tem o mesmo tipo de sazonalidade de outros produtos. E mesmo dentro de áreas já representadas, à medida que sentimos que as empresas que já se juntaram já atingiram o limite da sua capacidade disponível para nós, procuramos outras. Mas damos sempre prioridade àquelas que se juntaram ao hub desde a primeira hora. Continuamos à procura em diferentes áreas.
Que tipo de empresas procuram, no que tem a ver com a dimensão?
Não somos limitadores em termos de dimensão, somos limitadores em termos do que são os pilares que consideramos como sendo base. Um dos pilares é que sejam uma empresa su
Mas há de haver uma dimensão ideal a partir da qual a Valérius Hub não pode crescer mais?
Vamos mudar de instalações porque estamos a crescer. No início éramos três, agora somos 15, na sustentabilidade era uma pessoa, agora são cinco – já estamos a oferecer outros serviços, por exemplo LCA das peças para comercialização, temos análise de dados, temos acompanhamento comercial. Estamos a crescer e a introduzir novas unidades de negócio só possíveis com este investimento inicial. Queremos ser sustentáveis em toda a cadeia de valor – assim como transparentes ao máximo. Temos a possibilidade de rastrear toda a cadeia, desde a fibra até à peça final. Estamos sempre a criar equipas e estamos a crescer com essas equipas para podermos prestar um serviço externo de qualidade.
Do lado do mercado, como tem sido a resposta a este projeto?
Tem sido muito boa. A pandemia acelerou o processo. Sentíamos antes da pandemia que as marcas de e-commerce iriam ser as que dariam o salto, mas não imaginávamos que fosse tão rápido como veio a acontecer. A pandemia acelerou cinco anos aquilo que era o nosso previsional. Houve um boom destas marcas, e como nós preparámos – tínhamos um estudo sobre e-commerce – reduzimos custos e introduzimos velocidade na entrega da mercadoria, apoiados num departamento de logística e um armazém que nos permite fazer o shipping para o ponto final o B2B com os Estados Unidos. No passado, enviamos a mercadoria para os Estados Unidos, os clientes pagavam taxas de 15% à entrada e depois reenviavam a mercadoria para os seus distribuidores na Europa – uma loucura quer em termos de distâncias quer de envios. O que fazemos neste momento é definir quais são as peças para a Europa, quais são para os Estados Unidos e fazemos envios diretos – em alguns casos diretos para as lojas. Temos aqui um poderoso acelerador.
Sentimos que há uma necessidade nesse sentido é que o e-commerce só funciona se os nossos armazéns estiverem próximos dos armazéns do cliente final. Aquilo que estamos a fazer são parcerias com armazéns, integrando-os diretamente. Estamos no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Polónia, para servir os países vizinhos. Isso permite gerir também as devoluções…
É um problema complicado?
Muito. Na Alemanha, por exemplo, as devoluções são de 50% a 60% – isso acontece porque as pessoas compram dois ou três tamanhos, experimentam e devolvem o que não serve. O governo alemão obrigou a que todos os shipings e todas as devoluções fossem pagas pelas empresas. Assim, estamos a selecionar parceiros na Alemanha para nos recolher as devoluções e nos enviarem para Portugal. Uma parte do sucesso tem também a ver com a equipa de design, que tem um papel muito forte na escolha das matérias-primas inovadoras e na parte de apoio às novas técnicas e às novas tendências do mercado.
Tanta diversificação permite que a empresa se defenda do excesso de exposição a um cliente?
Esse é o nosso objetivo. Estamos sempre à procura de novos clientes – mas que se enquadrem no tipo de clientes com quem nós gostamos de trabalhar.
O projeto começou em 2020, mas deve ter um primeiro balanço em termos de números?
A Valérius vai faturar cerca de 38 milhões de euros. A Valérius Hub não tem uma faturação direta – mas podemos dizer que, em 2020, o que a Valérius Hub trouxe de novos negócios serão cerca de 10 milhões de euros – de novos clientes que foram introduzidos através do hub.
Num ano inteiro, qual será o impacto do hub?
Estamos a pensar em crescimento contínuo. Mas cada novo cliente passa por um período de ganho de confiança e só depois se chega à fase de incrementar o volume de negócios.
O projeto insere-se nas novas diretivas europeias para o sector: reindustrialização, cadeias de fornecimento mais curtas. Pensaram nisso antes de fazerem o projeto?
Pensamos que temos de juntar as carruagens: um projeto que nos permita chegar próximo do cliente final, com um encurtar dos tempos – e essa é a perspetiva dos clientes. E tentamos todos os dias acrescentar inovação, temos uma equipa de 30 pessoas a pensar nisso. Há um investimento contínuo quer nas fibras quer nos tingimentos, no LCA, nas integrações. Estamos constantemente à procura do que vai fazer a diferença. O nosso foco é sermos os primeiros a resolver um problema – se depois disso formos imitados não nos interessa. Temos pessoas que estão a trabalhar para que em 2030 a Valérius seja uma empresa carbono zero.
Na prática, em que é que essa equipa de 30 pessoas está a trabalhar neste instante?
Temos por exemplo uma equipa que está a trabalhar no sistema em que a fábrica esteja preparada para, chegando a encomenda, dar a resposta de imediato, em três dias. Temos feita uma análise do que são as necessidades em termos de matérias-primas, temos uma seleção de chassis e uma linha disponível que vai ter estamparia, bordador, e que só vai fazer aquilo que é a encomenda, não fará stock. Estamos a trabalhar na diminuição em 90% de utilização de água nos tingimentos e no uso dos químicos. Temos uma equipa a trabalhar na reutilização de desperdícios. Temos uma equipa a trabalhar na reciclagem química para remover os contaminantes para a reciclagem mecânica. Temos uma equipa que só trabalha com influencers, para antecipar o que está em voga no próximo ano.
Conseguem montar uma marca?
Facilmente. Para se lançar uma marca, é preciso no mínimo um investimento de 500 mil euros. Ora, como temos todo o percurso necessário já montado, podemos diluir esse custo ao longo de toda a cadeia.
Foi importante para o projeto a imagem de qualidade do sector têxtil português?
Sim, é um dos fatores-chave para os clientes confiarem no nosso trabalho. A imagem que os clientes exteriores têm de Portugal é que somos um país que apresenta qualidade quer na matéria-prima quer na manufatura. Isto serve como porta de abertura – mas se não dermos o serviço e a continuidade, o cliente volta a sair pela porta por onde entrou.
Qual é o país que mais concorre com Portugal?
A Turquia. Neste momento, é o concorrente direto – até porque tem matéria-prima. Tunísia e Marrocos só concorrem na manufatura. A China não é nossa concorrente direta.
A divulgação do projeto recorre apenas ao digital ou usam os ‘velhos’ sistemas como as feiras?
Nos países em que sentimos que o online não é suficiente estamos presentes nas feiras. Estivemos este ano nos Estados Unidos, no Canadá, porque há uma pressão da parte desses países para estarmos presentes fisicamente se quisermos entrar nos seus mercados. É uma questão de confiança.
Aos 28 anos e com formação em Economia (FEP), a responsável pela Valérius Hub tem juntado cada vez mais competências – e também mais colaboradores – a um projeto que que acrescenta modernidade, inovação e flexibilidade a um sector que por vezes está excessivamente acantonado a valores que vão perdendo eficácia.
Como é que as novas gerações na liderança analisam a gestão dos seus antecessores na ITV?
Numa empresa, devem co-existir as pessoas com experiência, que transmitem conforto, segurança e experiência, e a geração que traz inovação, flexibilidade, novas formas de abordagem dos mercados. Só a junção destas duas gerações é que nos permite ter uma empresa explosiva. Em muitas empresas, não na Valérius, as gerações mais velhas não permitem que as novas gerações cheguem ao topo. Aqui, o CEO permite essa diversidade, estando sempre lá para responder com o seu know-how e a sua competência.
Na nova era da digitalização, como é que as marcas tradicionais se estão a adaptar, principalmente com a entrada de influencers mais próximos dos consumidores?
Há marcas que vão acabar por desaparecer sob a influência dos influencers. Têm duas opções: ou se adaptam e utilizam os influencers naquilo que pode ser o seu valor-acrescentado, ou as marcas vão acabar por desaparecer. É preciso muito cuidado, porque estas novas vias de negócio estão a roubar quota de mercado às estratégias tradicionais, sem que estas, por vezes, sequer o percebam.
Como é que a nova geração vê a velha guarda dos comerciais na abordagem aos clientes e a forma como apresentam e vendem o made in Portugal?
Há muitas diferenças. Agora, são várias pessoas que contribuem para uma compra. Do outro lado, dos compradores, há uma grande juventude, que têm outros interesses, o que obriga a outra forma de estar. O que vendemos é valor-acrescentado em toda a cadeia e inovação. Face a um cliente, não lhe peço encomendas: ao contrário, pergunto-lhe se está disponível para iniciar um projeto. Antes trabalhava-se para o preço, agora para o serviço diferenciado.
Sustentabilidade ou customização, qual destes dois vetores terá no futuro mais valor-acrescentado para as marcas?
A sustentabilidade não vai ser um valor-acrescentado, mas uma obrigação. E a costumização é aquilo que vai aportar diferença. Quanto mais próxima uma marca estiver do consumidor final, maior será a indução de novas compras e a fidelização. Se calhar, daqui a dois anos vou dizer que a costumização já não é um valor-acrescentado, mas algo que já é também uma obrigação.