António e Alexandre Falcão
A sucessão do grupo Falcão
T66 - Outubro 2021

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A renovação do grupo Facão passa pela transferência geracional, uma medida que não se vê todos os dias na indústria nacional, mas que pode ser um objetivo determinante no futuro do sucesso empresarial.

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grupo Falcão está neste momento a passar por um processo de sucessão. Como está a ser gerido?

Estou na empresa há cerca de 43 anos, para onde vim trabalhar com o meu Pai, depois do curso de Direito e do estágio. A formação é muito importante – não tirando qualquer valor aos empresários que se fizeram por si sem ou com formação, como foi o caso do meu pai, que estava na indústria desde 1955. Entrei na indústria muito cedo, com 24 anos, e em determinada altura o meu pai achou que devia passar a pasta. Fê-lo de uma forma equilibrada, acompanhando-me durante vários anos, e assim fez a passagem para mim e para a minha irmã. É o que estou a fazer com os meus filhos.

Estamos a falar de que ano?

Entrei na indústria em 1979. Partilho do mesmo princípio segundo o qual na indústria – como noutras áreas mas principalmente na indústria – são exigidas capacidades de empreendedorismo e lucidez que vamos perdendo com o tempo e com a idade. Não perdemos capacidade de pensamento estratégico ou de conhecimento, mas perdemos alguma iniciativa, alguma dinâmica, alguma motivação. A transmissão deve ser feita com maturidade e lucidez, naturalmente, mas a tempo. Os princípios de uma boa formação e de passar a pasta a uma nova geração seja ela da família ou não, são princípios que fui consolidando ao longo dos anos.

É isso que está a acontecer?

E é isso que está a acontecer. Aos 66 anos acho que ainda tenho muito para dar, mas procurei dar aos meus filhos uma boa formação – é a melhor herança que podemos dar aos nossos sucessores. O António Alexandre, o mais velho, fez o curso de Gestão na Nova de Lisboa, fez um mestrado em Inglaterra na área de Finanças, esteve no BNP Paribas em Portugal e Inglaterra e mais tarde desafiei-o a vir para o grupo. Neste momento ocupa-se de uma das nossas unidades industriais, a Fitexar – faltando-lhe apenas assumir a parte financeira, que de qualquer modo já acompanha, o que acontecerá num relativo curto prazo.

Passar a pasta com lucidez
O corajoso processo de integração da nova geração no topo das decisões

E o mais novo?

O Alexandre Manuel, mais novo cinco anos, fez Economia na Católica de Lisboa mas a pandemia impediu-o de iniciar o mestrado; esteve entretanto a estagiar na área imobiliária, e depois veio trabalhar para a Falcão – onde se integrou rapidamente. Está agora a tirar o mestrado em Gestão, em Espanha, regressará dentro de 8 meses.

Uma sucessão tem sempre dois níveis: o da gestão e o da participação acionista. Como solucionou este segundo aspeto?

O nível acionista está resolvido há bastante tempo. Ambos são já acionistas e têm a maioria. Mesmo antes de eles trabalharem aqui e contra conselhos de alguns juristas, fui fazendo a doação de ações – o meu pai fez o mesmo e nunca se arrependeu. Os dois têm cerca de 70% das ações das empresas e estão muito motivados por isso. A passagem da Gestão está agora em curso.

António Alexandre, enquanto filho mais velho o que pensa desta decisão? Como se preparam para gerir todo este património? Entende-se com o seu irmão?

Nunca tivemos qualquer conflito e a relação é de muita confiança. Nunca tive nenhuma conversa com o meu irmão acerca de quem manda no quê: as coisas foram fluindo naturalmente. Sou mais velho cinco anos mas somos muito próximos. Estamos muito alinhados, não há nada que nos preocupe.

A sucessão no topo do grupo não passará naturalmente para o mais velho?

Não temos nenhum pacto, nenhuma combinação. Por ser mais velho, vim mais cedo para as empresas, assumi uma das empresas onde estava claro que podia ser aquela em que podia ajudar mais. Cada um fica numa área, acho que é o que faz mais sentido, mas vamos estar sempre alinhados.

António Falcão, qual é a dimensão do grupo Falcão neste momento?

Temos a Fitexar, que faz os fios, e a Têxtil António Falcão – que, por uma questão estratégica e de reorganização, está subdividida na E

A transmissão deve ser feita com maturidade e lucidez, naturalmente, mas a tempo. Os princípios de uma boa formação e de passar a pasta a uma nova geração seja ela da família ou não, são princípios que fui consolidando ao longo dos anos
coting (que tem a tinturaria), a 4A, uma empresa comercial para as marcas próprias, e a têxtil António Falcão propriamente dita, onde está concentrada a produção mais vocacionada para a exportação. Tivemos necessidade de criar uma certa autonomia para as marcas – a Maggiolly e a Nana. A Falcão Têxtil tem mais colaboradores, mas a Fitexar tem maior volume de negócios – uma vez que herdou o negócio dos fios da Falcão. As duas faturam cerca de 10 milhões de euros. Eram cerca de 12 milhões antes da pandemia e não consolidamos. Em número de colaboradores temos vindo a crescer, de novo, e estamos nos 170, mas já fomos mais de 200 noutros tempos.

 

Investiram durante a pandemia?

Fizemos investimentos tanto na Fitexar como na Falcão. Nesta última, não investimentos no core, nas meias de senhora, mas noutras áreas de negócio que já trabalhávamos: roupa interior de senhora e criança. É um negócio que comercializávamos, mas com a pandemia passamos a produzir industrialmente dentro da empresa, com investimentos agora efetuados. Na Fitexar investimos cerca de 250 mil euros, em investimento produtivo, mais ou menos o mesmo que na Falcão, com capitais próprios.

 

Vão investir mais neste período de retoma?

No caso da Fitexar, temos um projeto, que aguarda aprovação, para apresentar no âmbito do Portugal 2030 da ordem de 1,1 milhões de euros.

 

O grupo tem a dimensão que vos é confortável?

Não. Durante muitos anos tivemos uma dimensão equilibrada para o mercado. Hoje, com a evolução da indústria, a competitividade, a necessidade de inovação, a digitalização, a sustentabilidade, toda uma realidade nova, está na hora de as nossas empresas se redimensionarem crescendo.

 

Nomeadamente para poderem responder à reindustrialização da Europa?

Exatamente. Em Portugal, temos meia dúzia de empresas com uma dimensão razoável na Europa ou no mundo. As empresas têm de se readaptar a esta realidade, têm de criar dimensão. No caso das empresas do grupo Falcão, temos de ter essa consciência. Devemos ter a porta aberta para criar dimensão, sejam fusões, sejam aquisições. Temos de colocar de parte o princípio antigo do patrão. Eu prefiro ter 10% de uma empresa com futuro e que me vai dar dividendos, que ter 100% de uma empresa sem condições de sobreviver.

 

Os grupos verticais sentem dificuldades?

Não concordo. Há formas de gestão novas que podem permitir que uma empresa, sendo vertical, possa ser rentável. Há 50, 100 anos, as empresas eram verticais e rentáveis; o mundo mudou entretanto e, de forma correta, os empresários fizeram outra opção, mas hoje a verticalidade pode ser novamente muito rentável. Se conseguirmos criar grupos que se associem e que se tornem realmente fortes, há atualmente formas de as gerir.

 

Qual seria a dimensão desejável neste momento?

A dimensão mínima são os 40 a 50 milhões de euros de faturação. Não significa isso que deixe de haver necessidade de existirem pequenas empresas. O Sector Têxtil é capaz de ter pouco mais de uma dúzia de empresas a faturarem mais de 50 milhões de euros. E o ideal era ter uma centena de empresas com essa dimensão. 

 

Que empresas já contactou para fazer uma coisa desse género?

Nenhuma. Eu estou aberto e tenho a certeza que os meus filhos também. Mas acho que estas iniciativas deviam partir do topo: o Estado devia ter nisto um papel incentivador e motivador, criando incentivos aos empresários para procurarem este tipo de mecanismos. Do nosso lado, há disponibilidade e recetividade. 

 

O que espera que o Estado possa fazer concretamente?

Deixe-me fazer um à parte: o atual Ministro da Economia é o melhor ministro que conheci ao longo de todos estes anos ligado à indústria, e o Secretário de Estado Adjunto também é muito competente, e sabem como fazer isso. E se, no tempo da pandemia, não tivessem sido tomadas as medidas que este ministro tomou, não sei as empresas não teriam desaparecido todas, porque umas levam as outras. Foram tomadas medidas acertadas e que permitiram que as empresas sobrevivessem. Neste momento ainda precisamos de ajudas e medidas ponderadas para que os empresários possam trabalhar sem stress. Essas ajudas e medidas podiam vir do Banco de Fomento. O que é que o Banco de Fomento vai fazer? Se eu quiser falar com o Banco de Fomento, falo com quem? Este Ministro é uma pessoa do terreno, e deu provas, tem vontade, e sabe o que fazer. Mas chamo à atenção que o tempo está a passar e são urgentes as decisões. 

 

Concorda com esta preocupação do seu pai? Concorda que a dimensão é um fator importante?

[A.A.] Sim, acompanhei na nossa empresa grandes processos de reestruturação, que não seriam possíveis sem investimento. Investimentos sempre com capitais próprios para ganhar dimensão e solidez. Queremos ter uma empresa sólida para poder crescer de uma forma sustentada. É isso que estamos a fazer neste momento: estamos a investir para a empresa estar preparada para crescer. E para chegar a outra dimensão e muitas vezes não pode ser só uma empresa em crescimento orgânico.

 

O papel da atividade associativa terá também um papel neste ganho de dimensão do sector?

As associações têm sido muito ativas, estão preocupadas como eu, mas os resultados não aparecem. Tardam as respostas que gostávamos de ter. As associações podem ter um papel importante, mas a iniciativa deveria partir do Estado, dos organismos do Estado – Banco de Fomento, IAPMEI, por exemplo. As associações podiam fazer o seu papel ao fazer a ligação ao sector. 

 

De que precisa o grupo Falcão para atingir esse patamar?

De dinheiro Ah Ah Ah … e muita tranquilidade. E precisamos que o sector seja mais acreditado, para que o sistema financeiro entenda que é um sector sério e com futuro.

 

Era-lhe mais confortável que a Turquia fizesse parte da União Europeia, como quer, e estivesse sob as regras das empresas portuguesas, em vez de estar alheia aos princípios da concorrência?

Sim, sem qualquer dúvida. Era bom para a Europa, que ganhava dimensão – o que dizíamos há pouco das empresas serve para a Europa. Uma Europa mais forte, com regras para todos, dá-nos outra força junto de outros mercados, sejam asiáticos ou americanos. O que me parece é que a Turquia quer fazer parte da União só para o que lhe interessa. É um pouco como o Reino Unido no passado.

Perfil

Advogado, reformado, com o curso tirado na Universidade de Coimbra, António Falcão tem mais de 40 anos de chão de fábrica e está empenhado em passar o testemunho aos seus dois filhos, António Alexandre e Alexandre Manuel – a quem dotou com os apetrechos técnicos essenciais para a vida empresarial. Não sendo uma novidade na família – em seu devido tempo, o pai fez o mesmo com ele e com a irmã – esta passagem de testemunho é contudo rara e muitas vezes não isenta de conflitos. E quando finalmente se vir livre das empresas do Grupo Falcão, ainda terá, para passar o tempo, o negócio ligado ao imobiliário e agrícola. Mais difícil ainda, terá de colocar em ordem as centenas de obras de arte que tem colecionado e ocupam uma parte não despicienda das salas, dos corredores, dos cantos e das paredes da fábrica e da casa.

As perguntas de
Paulo Melo
Administrador Somelos

Quais são os principais desafios da terceira geração?

Um dos maiores desafios , nesta altura, são os vícios que uma empresa com 60 anos vai criando. Temos colaboradores com 20, 30 anos de casa, mudar mentalidades é complicado. Uma empresa criada de raiz consegue adaptar-se mais rapidamente à atualidade. Há uma resistência muito grande.

Qual a importância do sector têxtil português no pós-pandemia na Europa?

Acredito na reindustrialização da Europa e não tenho dúvidas que o nosso sector vai ter capacidade para se adaptar – como teve no passado, dada a sua grande resiliência. É por isso que acho que as nossas indústrias vão ter de se redimensionar. Acredito que vai ser possível esse recondicionamento, como sucedeu por exemplo no pós-25 de Abril. Não tenho dúvidas que isso vai acontecer outra vez.

Mário Jorge Machado
Presidente da ATP

Como é que um empresário sabe que é a altura certa para delegar as decisões estratégicas na nova geração? 

Neste tipo de decisões não há momentos certos e definidos. No meu caso, e por princípio, entendo que não devo agarrar-me ao poder, pois já dei o meu contributo às empresas e devo dar oportunidade a outros que demonstrem serem capazes de assumir novos desafios e decisões enquanto são jovens ainda. É isso que está a acontecer comigo e com os meus filhos.

Qual a parte mais difícil  para o empresário abdicar em favor da nova geração, neste caso a parte mais difícil na experiência do António Falcão?  

Não tenho tido dificuldade em abdicar, tem sido até muito fácil. Tive foi dificuldade em convencer os meus filhos que a Industria Têxtil tem futuro. E parece que os convenci.

O que aprendeu com esta mudança para a nova geração?

Tenho aprendido que têm novas e modernas formas de Gestão, mais eficazes e motivadoras dentro e fora da empresa.

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