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Admitindo que 2019 tem de ser considerado o ano zero, a pandemia encontrou na Sonix e no grupo um forte combatente que não vacilou nos piores dias. Agora, passado, aparentemente, o pior, a empresa está preparada para novos desafios e espera com impaciência o regresso das feiras para poder voltar a expandir os seus negócios.
ual a dimensão da Sonix, mas também da empresa-mãe, a Diastêxtil?
A Diastêxtil está um pouco mais avançada na recuperação, com o nosso objetivo de fechar 2021 igual a 2019. Passou de 11 milhões de euros em 2019 para 8,5 milhões em 2020, a Sonix passou de 20 milhões para 16,5 milhões e a Modelmalhas de 6,4 milhões para 5,3 milhões de euros. Este ano vamos estar alinhados com os valores de 2019, com uma ligeira subida.
O ano difícil foi 2020?
Depende do ponto de vista. Pela faturação – com todas as novidades que nos esperavam e a todo o mundo – 2020 foi difícil, mas no que diz respeito à operação, tivemos mais desafios agora em 2021. Não por termos a operação parada, mas porque tínhamos uma procura maior que a nossa capacidade de produção. Houve deslocação de produção da Ásia para a Europa, alguns clientes que tentaram comprar em proximidade, e agora em termos de operação está mais estabilizada, mas este ano tem sido desafiante…
No bom sentido?
Está ao nível de 2019, com ligeiro crescimento. O ano referencia para nós será 2019, devemos crescer entre 5% e 10% de forma transversal a todas as empresas.
Qual é o agregado do número de trabalhadores?
Neste momento cerca de 500. Ficámos com mais de 100 pessoas na falência da Ricon, depois reduzimos para 50 – parte veio para a Sonix – mas com uma unidade em Celorico de Basto que prevemos chegar ao final do ano com 100, para um total de 550.
Onde estão situadas as unidades do grupo?
A Diastêxtil em Barroselas, Sonix e Modelmalhas em Barcelos, Pontosingelos em Celorico, e outra que foi agora incorporada na Diastêxtil também em Barroselas.
O que têm ainda na Tunísia?
Estamos lá há mais de 15 anos.
Mas a produção vem toda para Portugal?
Não, temos clientes para quem enviamos diretamente porque têm controlo de qualidade final, há clientes que nos contratam o controlo de qualidade que fazemos lá e há clientes que vêm a Portugal.
Qual é o volume de exportações do grupo?
As nossas vendas nacionais, tirando serviços, são esporádicas. São para traders que por sua vez vão exportar. O cliente final acaba por ser 100% exportação.
Quais são os principais mercados?
Neste momento Holanda, Alemanha, Reino Uniodo e estamos a começar os Estados Unidos.
É um destino cada vez mais procurado?
Sim, começámos curiosamente no final de 2019, sendo certo que temos clientes europeus que exportam para lá mas que não podemos contabilizar. Clientes norte-americanos diretos temos três. No ano passado crescemos e a tendência, com o feedback que temos tido, é para continuarmos a crescer mesmo com a questão das taxas.
A economia norte-americana está num estado de abertura maior que a Europeia?
Sim. Fomos apanhados pelo bloqueio do Trump à Ásia, mas agora o negócio está a retomar. Tínhamos também uma dependência significativa do mercado do Reino Unido – foi o nosso primeiro grande cliente – que agora parece que está a refrear, mas desde 2013 e 2014 tínhamos sentido uma redução e foi feito um ajuste na Diastêxtil para responder
Estão ativamente à procura de novos mercados?
Neste momento, estamos numa fase em que estamos estabilizados em termos de clientes de grande volume, não fechado obviamente as portas a novos desafios. Iniciamos no ano passado com clientes que estão a crescer muito e orientados para um produto mais premium, de valor-acrescentado. Quando tentamos explorar este tipo de artigos o objetivo não era apenas a margem tradicionalmente maior, era mesmo caminhar por terras que não andávamos a trilhar. Tínhamos de encontrar novos caminhos e perceber que temos de sair da zona de conforto e apostar em produtos mais elaborados que nos desafiem a inovar todos os dias em busca de melhores soluções.
E qual é a vossa zona de conforto?
O artigo que mais produzíamos quando começou a pandemia era o vestuário confortável – t-shirts, sweatshirts, calças e calções. Enquanto houve empresas na pandemia que tiveram de mudar agulhas para esse tipo de artigos, esse já era o nosso core. Mas nos serviços que oferecemos, conseguimos fazer praticamente tudo, do fato clássico por medida ao fato técnico de triatlo, o que nos ser uma espécide de one stop shot para os nossos clientes. Temos técnicas não convencionais ou mais evoluídas que nos permitem fazer um mix de produtos atractivo e completo para os nossos clientes.
Isso obrigou a que tipo de investimentos?
A família comprou a Sonix em 2007. Desde então já investimos na ordem de 15 milhões, quase toda a empresa foi reformulada. As máquinas da tecelagem integramos na Modelmalhas, que agora está a fazer um caminho interessante na venda de malha acabada.
Sente falta do contacto direto das feiras?
Completamente, o ano passado ainda fiz as feiras de Nova Iorque, Paris e Milão mas tivemos de parar, retomamos este ano. Há toda uma linguagem e um contacto que é muito importante que se perde. Tudo isso se reflete na relação diária. O contacto pessoal é indispensável, mesmo que o recurso às tecnologias seja mais eficaz na gestão da agenda.
Já estão a preparar o regresso?
Este ano já fiz duas viagens e temos visitas marcadas a partir de setembro.
Mas há coisas que vão ficar, a digitalização, os catálogos digitais…
Já estamos nesse caminho desde 2018, já temos clientes que nos aprovam modelos sem peças físicas e até vendem digital, temos clientes que fizeram essa transição connosco, desafiados por nós. Começámos a fazer peças físicas e simulação 3D ao mesmo tempo, os clientes ganharam confiança e passaram a comparar os efeitos na peça física e do 3D e o resultado era muito semelhante. O 3D permite-nos poupar no mínimo duas semanas de desenvolvimento.
Também há uma redução de custos importante?
Essa é a perspetiva do cliente. Do outro lado não temos costureiras, mas temos alguém que sabe de 3D, software e hardware que para já ainda não é muito acessível…
Que é mais caro que as costureiras?
Pois, no final tudo é mais sustentável mas não mais barato. É mais rápido, o que é um ganho associado importante.
Ainda há pouco tempo integraram a Crisof, a dimensão atual do grupo é-vos confortável ou pensam vir a fazer novos investimentos em empresas?
Neste momento, a estratégia não passa por aumentarmos a capacidade instalada. Bom, eu digo que não, mas depois aparecem oportunidades e nós avançamos. Não estamos à procura de absorver uma ou outra confeção, mas há muitas alterações a acontecer nas subcontratadas. Cerca de metade das nossas 28 subcontratadas trabalhavam num regime de quase exclusividade e já aconteceu recentemente oferecerem a sua integração. Estamos, por outro lado, em recrutamento contínuo de costureiras.
A pandemia não impactou o grupo de forma muito negativa. Como observa a resposta do Governo e a ajuda prestada às empresas?
Na Sonix recorremos apenas ao lay-off. Tentámos não trilhar o caminho das máscaras, tivemos um projeto Covid mas foi para a aquisição de equipamentos para a produção EPI’s reutilizáveis, o que não nos favoreceu porque a sociedade continua a opreferir o material descartável. Neste momento não é nossa preocupação ter qualquer apoio – mesmo no que tem a ver com as moratórias. Tentámos sempre e conseguimos cumprir com todas as obrigações. Não temos praticamente nenhuma dependência da banca e no início da pandemia fizemos um exercício: o que acontecerá se ficarmos seis meses sem recebermos? E ajustámo-nos a esse cenário. Felizmente não foi preciso tomar qualquer medida drástica. Não é para nós crítica esta ou aquela medida.
Acha que o sector têxtil português demonstrou grande resiliência?
A maior parte das empresas ou orientou o negócio para o nosso segmento [casual], com mais conforto e menos moda ou foi para a área da saúde e proteção, mas acredito que será temporário. Temos que ter 2020 como um ano que não conta.
Concorda que a pandemia deu a entender que as cadeias de fornecimento têm de diminuir e a Europa não pode continuar dependente da indústria de terceiros?
Acredito que a Europa vai passar a ter mais capacidade de resposta, mas, se os hábitos de consumo não mudarem, nunca vai ser suficiente. Mas há outras circunstâncias que estão a transformar-se: as marcas mainstream e todos os grandes grupos continuarão a existir – sei que estão a readaptar-se e há o aparecimento de marcas (que são pessoas, não são marcas) que vão ditar as tendências e vender. Se olhássemos para o nosso negócio em 2018, tínhamos entre seis a oito grandes coleções por ano, agora acrescentamos imensas cápsulas por ano que permitem às marcas responder a targets específicos de forma mais direccionada e célere.
E novos projetos?
Temos um projeto muito interessante assente na área da pesquisa de tendências e conceção de produto – estamos já a produzir peças únicas baseadas em NFTs. A Sonix não pode trabalhar só no private label – temos feito um caminho de adaptação, estamos atentos a todas as novas tendências. Há novos desafios, que vão acontecer cada vez mais rápido e temos que antecipar. O cliente tradicional vai continuar a existir, o modelo da loja vai continuar a existir, mas quem vai vender são as pessoas e não as marcas. A Sonix está atenta a todas as oportunidades e quer prestar um bom serviço. Há coisas que têm de mudar. Por exemplo, por vezes expedimos produção para a Europa, que vai sendo distribuída para diversos locais, para chegar ao ponto de venda. Às vezes entro nas lojas e vejo peças da Sonix que andaram por toda a Europa para serem vendidas cá, a meia hora da empresa que as produziu. A logística terá que sofrer muitas alterações.
Nunca esteve na vossa perspetiva criar uma marca?
Já criámos várias, mas não são nossas. O último exemplo foi em 2019: um casal chegou à Sonix com uma ideia para uma marca, com suporte financeiro , e perguntaram: Podem ajudar-nos?. A única coisa que tinham era o logótipo, tudo o resto fomos nós que desenvolvemos e quando estávamos para expedir as peças perceberam que não tinha sacos para os clientes e nós desenvolvemos e produzimos.
Portanto, a pergunta coloca-se ainda com mais insistência…
Bom, temos a marca Sonix de roupa interior mais clássica. Ou somos fabricantes ou somos vendedores. A propriedade intelectual dos clientes tem de ser totalmente protegida e para nós é um ponto de honra. Não podemos concorrer com os nossos clientes.
33 anos, e responsável pelas áreas comerciais e produção da Sonix, Samuel Costa quer o grupo dividido entre projetos para as grandes empresas, que pesam cerca de 80% da faturação, mas também para os negócios de nicho, onde a inovação e as novas técnicas produtivas são a mais-valia que permite atingir clientes com outro tipo de necessidades. Passado o primeiro e mais forte impacto da pandemia, o grupo está preparado para expandir os seus interesses e avançar para um novo período de crescimento.
Como vê o processo de economia circular no futuro próximo da produção em Portugal?
Acredito que estamos ainda a começar esta jornada, já está a acontecer, mas na minha opinião, a mudança será muito grande para acontecer de forma muito célere. São ainda necessários muitos ajustes na parte industrial, passando por juntar as partes interessadas e criando soluções mais globais e agregadoras. Por outro lado, o cliente final será determinante, e ditará o passo desta transição.
Que opinião sobre o impacto que a pandemia vai ter nos consumidores?
Nem tudo que a pandemia nos trouxe foi mau. Os consumidores ficaram muito mais recetivos a outras formas de compra, e consequentemente a experimentar novas marcas, ficando mais desprendidos nas escolhas, optando por produtos diferentes. O tema da compra consciente começa novamente a ter mais predominância, e com os isolamentos e privações que todos fomos sujeitos, apareceram muitas marcas novas, com ofertas interessantes e diferenciadoras. Tudo isto levou a que os consumidores fiquem mais esclarecidos, mais curiosos sobre os processos produtivos e procurem artigos mais amigos do planeta com composições e metodologias mais eficientes e menos nocivas.
Qual será o maior desafio da ITV nos próximos anos?
Para mim, o maior desafio que o setor enfrentará será a mão-de-obra, é cada vez mais escassa e difícil de atrair, com ou sem experiência. A indústria em geral não é atrativa e o nosso setor está rotulado, muitos foram os pais que alertaram os filhos que o têxtil estava morto e não teria futuro. Os mais jovens têm receio de fazer carreira no têxtil e assim perdem-se boas oportunidades.
Como impactará a tecnologia no setor?
Estão a ser dados grandes passos para que a tecnologia seja uma ajuda, acredito que há espaço para que seja um complemento, e que se consiga muito mais e melhor com menos. No desenvolvimento de produto, já temos muita tecnologia avançada incorporada, na produção também, as pessoas não vão substituir as máquinas e provavelmente o oposto também não, vamos otimizar e tirar partido de uma boa simbiose entre ambos. A logística interna e externa vai beneficiar da tecnologia para ser mais rápida, adaptável e eficiente, particularmente no ponto de vista das emissões.