Rui Machado
BeStitch: Uma confeção a feitio
T72 - Maio 2022

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Ainda tennager - chega aos vinte no próximo ano – A BeStitch começou como uma pequena confeção de têxtil-lar e está já quase a atingir a meta de uma estrutura de produção verticalizada, tendo o linho como fibra de eleição. O grande saltou deu-se com a entrada no mercado dos Estados Unidos, que representa já metade das vendas e fez duplicar a facturação nos últimos cinco anos.

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e onde vem a BeStitch, como é que a empresa começou?

Desde logo estamos no Vale do Ave, onde o têxtil é quase inevitável. Lembro-me de quando andava a estudar dizer ao meus amigos, tudo menos têxtil, mas acabou por se quase uma fatalidade. A BeStitch nasce de uma forma simples, como uma pequena confeção a feitio que trabalhava para outras empresas daqui, que foi agarrando as sucessivas oportunidades que surgiam o que fez com que tivesse algum crescimento.

 

Mas já existia antes essa confeção a feitio?

Sim. Era uma pequena unidade que o meu pai tinha que estava a pensar encerrar e como eu estava a trabalhar numa empresa que subcontratava bastante, decidi avançar. Note-se que estamos a falar de têxtil-lar, confeção para têxtil-lar. E começamos a procurar também clientes estrangeiros, tinha trabalhado com agentes que compravam tecidos para a Escandinávia e perguntei se não seria mais rentável nós confecionarmos. Foi assim que começamos a crescer.

 

Então a BeStitch já existia…  

Não, estamos em 2003, logo no início, a BeStitch ainda não existia. 

 

Então como começou, de onde vem o nome?

Começou com sete máquinas de costura e meia dúzia de funcionários. Eu tinha na altura uma sociedade que se chamava BeHouse, um nome bem mais giro, e como em princípio íamos dar também apoio à BeHouse, stitch, do ponto de costura, pareceu apropriado. 

 

E o que faz concretamente hoje a BeStitch?

Produz têxtil-lar de uma forma abrangente, desde mesa a cama fazemos tudo o que é têxtil-lar. Temos também alguns felpos, embora não seja de produção interna.

 

E em termos de produção como é que estão organizados?

Neste momento, na cadeia de valor só não temos a fiação. Temos tecelagem, corte e confeção, acabamentos e exportamos diretamente. 

 

Para que mercados? 

Essencialmente Europa e América do Norte, sobretudo Estados Unidos, que é uma aventura recente mas que já representa cerca de metade do nosso volume de negócios. Tradicionalmente, por uma questão histórica, começamos com o mercado francês – ainda hoje representa 30% – e depois mais para norte, Inglaterra, Holanda e países nórdicos, antes de saltar para os EUA. Hoje estamos do Canadá à Nova Zelândia. 

 

Qual é a proporção entre exportação e mercado interno? 

Trabalhamos exclusivamente para exportação, é 100%.

 

Com a própria marca? 

Não trabalhamos com marca própria, é tudo com private label dos nossos clientes, caso contrário estaríamos a fazer-lhes concorrência. Se um dia o fizermos, será com uma entidade independente da empresa. 

 

Explique-nos, então, como é a estrutura da empresa?

Temos a tecelagem, situada em Gondar, com 32 teares, que aumentou substancialmente nos últimos anos e trabalha exclusivamente em linho e cânhamo. Não trabalhamos algodão na tecelagem, não é rentável. Aqui em Lordelo [onde decorre a entrevista] temos a fábrica de acabamentos, ou seja, onde o pano que vem do tear vem acabar… tingir, enriquecer. Depois segue para Pevidém para armazenar e onde se faz o corte de todas as peças para seguir para as confeções, depois temos uma confeção própria também em Gondar de onde parte a expedição. Em todas estas áreas temos capacidade interna, mas o grosso é feito em subcontratação. A exceção é a fábrica de acabamentos, que utilizamos um terço da capacidade de produção e o resto é prestação de serviços para outras empresas. 

 

Estamos a falar de que áreas? 

No conjunto, devemos andar nos 22 a 23 mil metros quadrados.

 

E colaboradores? 

À volta e 250, mas a tendência é para diminuir. Não só pelos problemas de mão-de-obra mas também pelo desafio dos mecanismos de automatização da produção, por enquanto caros e limitados nas suas funções, mas que serão inevitáveis.  

 

E como é que têm lidado com essa dupla necessidade? 

Por enquanto ainda não temos grandes problemas, o que sentimos é um rápido envelhecimento do pessoal, principalmente na confeção. Mas como contratamos cerca de 80% da produção, o nosso foco tem sido no estudo e formas e máquinas que se adequem à nossa produção com vista ao futuro.

 

E há já uma ideia do investimento que será necessário e um horizonte temporal?

Eu diria que temos uma década para nos adaptarmos, e só temos três hipóteses. Ou partimos para o automatismo, para importação de mão-de-obra, ou para a deslocalização da produção. 

 

E qual é a perspectiva em que trabalham? 

Neste momento continuamos num sistema tradicional, mas aquilo que encaramos fazer é partir para o automatismo. Um investimento que para a nossa realidade deverá rondar os três a quatro milhões de euros. 

 

Disse que em poucos anos os EUA já representam metade da faturação, como chegaram aí? 

Com a contratação de recursos humanos habituados a esse tipo de mercado. Digamos que fomos buscar o Mário Jardel dos têxteis para nos introduzir num mercado que tem outras dinâmicas e exigências. Fizemos um estudo de mercado, falamos com pessoas, analisamos quem nos podia ajudar, estivemos um ano nesta avaliação e depois rapidamente fomos bem sucedidos. Até porque os grandes clientes americanos têm cá pessoas que avaliam, os grandes contactos acabam até por ser feitos aqui em Portugal, o que depois se complementa com a ida a algumas feiras e ao contacto com o cliente. 

 

Pelos vistos correu muito bem… 

Sem dúvida, tem sido uma aventura muito interessante. Não fosse a conjuntura actual e o que menos nos preocupava era a parte comercial. Temos tido sempre uma procura muito superior à nossa capacidade de oferta. Mas nota-se agora algum retraimento, normalmente por esta altura tínhamos previsão de trabalho até feveiro, março do próximo ano e isso está a ser de alguma forma atrasado. 

 

E isso tem a ver concretamente com quê? 

Principalmente com a inflação. É um problema real em todas as economias em todas as latitudes e isso vai trazer alterações, principalmente num produto que não é de primeira necessidade como é o têxtil-lar.

 

Representando os EUA metade, qual é o volume de negócios da BeStitch? 

Estamos a falar na ordem dos 32, 33 milhões de euros. 

 

Sempre em crescendo? 

Estivemos sempre em crescendo, mesmo na época da Covid, sendo que no início estivemos um ou dois meses a fazer máscaras. 

 

Fica a ideia que há uma grande importância da opção pelo linho nesta evolução, é assim?

O linho é uma fibra natural associada à sustentabilidade. E não é uma questão de moda. Antes do algodão já se fazia linho, o santo sudário, ao que se sabe, era em linho. É uma fibra europeia, cara e nobre, que fez com que nos colocássemos num mercado médio-alto, diferenciado. O linho vende-se nos grandes centros, onde há poder de compra. 

 

Como é que partiram para esta aposta? 

Foi por volta de 2008, começou como uma experiência. Quando montamos a tecelagem, lembro-me que montamos a primeira teia em linho e ao fim de dois meses o que me apetecia era rasgar aquilo tudo, porque o tear não andava. É uma fibra extremamente difícil de trabalhar. Depois, com algum engenho lá conseguimos tornar a produção industrial adequada para os preços de mercado, propusemos a alguns clientes que gostaram da ideia e foi por ai fora. Não foi a copiar ninguém, não foi uma estratégia pensada, foi uma experiência que correu bem.  

 

E o cânhamo? 

O cânhamo vem na sequência disso. Assim como o bambu, urtigas e outras. Neste momento estamos a pesquisar tudo aquilo que seja possível fazer fio para pano, se bem que o linho é neste momento o elemento diferenciador de tudo isto.  

 

Agora a parte dos problemas. Como tem corrido o abastecimento de matéria-prima?

Com problemas, como toda a gente. Desde logo pela volatilidade dos preços, que começaram com os aumentos desmesurados dos transportes, do algodão que nas últimas 52 semanas quase duplicou o valor, e tudo isto coloca muita pressão logo na base. 

 

E como gerem isso em termos de contratos e encomendas? 

Temos a felicidade de trabalhar com alguns fornecedores com posições dominantes e que conseguem garantir alguma estabilidade. É claro que que tivemos de ajustar preços com os clientes e isso traz sempre alguns problemas. Os clientes também acompanham as notícias, mas há alguns agentes que demoram mais tempo a ajustar os preços e isso cria alguma tensão no mercado com ofertas mais baratas. 

 

E de onde vêm essas ofertas, quem são os vossos concorrentes no mercado?

Em Portugal, em termos de roupa de cama em linho, praticamente não temos concorrentes, mas lá fora temos a concorrência habitual da China e da Índia.

 

E é uma concorrência direta, agressiva no preço, ou há também alguma diferenciação em termos de qualidade e serviço? 

Há, claro que há. Antes de mais uma grande diferença em termos de qualidade. No mercado americano, por exemplo, uma etiqueta made in Portugal vale sempre mais que um produto do oriente. Depois temos esta particularidade estupenda de mais de 80% da produção mundial de linho ser feita na Europa, principalmente na França, Bélgica e Países Baixos. Mas depois temos 80% da capacidade de fiação na China, ou seja, a fibra anda aí a passear da Europa para a China e da China para a Europa, o que quer dizer que para nós o custo de mão de obra é atenuado pelo custo do transporte para os chineses e nós podemos ter preços competitivos. Nós já exportamos para Xangai, o que é uma coisa extraordinária. Se alguém em 2005 me tivesse dito que eu iria exportar para Xangai, diria que era ficção científica!

 

Então porque não há uma maior aposta na fiação de linho na Europa?

Em França abriu já uma fiação e isso é uma tendência que vai passar pela BeStitch, é um objetivo nosso também controlar a fiação. 

 

Com produto vindo de França? 

Sim, porque a quota portuguesa de linho – e isto deve vir lá dos tempos da PAC – é ridícula. Eu gostava que houvesse mais linho em Portugal, é uma cultura fácil e nós tínhamos muita tradição no cultivo. Em 1949 era a nossa principal exportação e aqui, na região de Guimarães, era uma cultura forte. Em S. Torcato ainda se faz a festa do Linho. Não tenho os números presentes, mas creio que hoje a quota para a produção de linho em Portugal é de 450 toneladas, o que é ridículo, só a BeStitch gasta 1.500 toneladas por ano.

 

Voltando aos problemas, como tem lidado dom a loucura nos preços do gás e da energia? 

Felizmente, em boa hora apostamos na instalação de uma caldeira a biomassa. Tinha um pay-back de cinco anos, creio que hoje será de cinco meses! Foi logo em 2015 quando compramos esta unidade, apostamos na caldeira que nos fornece 80% das necessidades de vapor e em painéis solares, mas continuamos a ter consumo de gás, algumas máquinas funcionam a gás natural, e o aumento é assustador.

 

Além da energia, que outro tipo de investimentos têm feito nos últimos anos? 

Maquinaria e I&D sobretudo. Na tecelagem começamos com 10 teares e hoje vamos em 32, foi uma das áreas em que mais investimos. Se olharmos aos últimos 10 anos temos logo a aquisição deste pavilhão que ultrapassa os 10 milhões de euros, mas nos últimos cinco investimos cinco a seis milhões de euros. 

 

Quanto faturavam nessa altura? 

Estaríamos nos 16,17 milhões. Praticamente duplicamos a faturação nos últimos cinco anos. 

BeStitch: Têxteis-Lar para todos os feitios
Começou com sete máquinas de costura e meia dúzia de funcionários

Em que é que estão a trabalhar em termos de inovação?

Sobretudo na circularidade e reaproveitamento de desperdícios. Já estamos a fazer tecidos com fios recuperados, vamos tentar até fazer um fio de 100% linho recuperado com os desperdícios do corte e da confeção, o que seria extraordinário. È muito difícil tecnicamente, mas estamos a tentar com outras empresas. Outro dos grandes desafios é o reaproveitamento das águas. 

A ironia e a pornografia da Tratave

A par da criação de uma fiação e o desenvolvimento de novos fios reciclados e de fibras naturais outras das apostas da BeStitch passa pelo reaproveitamento das águas que são utilizadas na empresa. Uma meta de sustentabilidade ambiental, mas também uma medida de gestão face às elevadas taxas cobradas pela Tratave, a empresa que faz a gestão do sistema de tratamento das águas residuais do Ave. E Rui Machado Recorre à ironia: “Todos temos o prazer de passar no rio Ave e ver que continua perfeitamente poluído, horrível, com descargas clandestinas das mais variadas proveniências”. Por isso, diz que “temos uma estação de tratamento que em vez de ser uma cooperativa para os poluentes, é gerida por uma entidade que não tem nada a ver com a indústria têxtil e que tem resultados financeiros soberbos. Eu acho isso pornográfico, gostava de ter um negócio destes”.
Perfil

….. anos, licenciado em gestão. Na escola queria fugir do têxtil, mas foi como uma fatalidade. O têxtil já estava em casa, sempre esteve na família, e não houve como escapar. Conhece a têxtil e cabo a rabo, no primeiro emprego começou pelo chão de fábrica mas depressa acabou como responsável pelas finanças da empresa. Com a oportunidade, veio a veia empresarial e daí ao nascimento da BeStitch, uma têxtil-lar que não tem parado de crescer , que exporta a 100% e faz do linho a sua identidade.

As perguntas de
Nuno Lima
Colaborador Interno

Nuno Lima, colaborador interno

Há condições para apostar no desenvolvimento uma fibra natural europeia como o linho? 

Sim, tendo em conta que mais 80% do linho é produzido na Europa. Mas, por outro lado tendo também em conta que 85% dessa produção está em França e que neste momento já não temos qualquer fiação na Europa.

E significa isto que o objetivo é ter um produto 100% europeu e fabricado em Portugal? 

Isso seria óptimo. Sou um europeísta convicto, mas se for 100% em Portugal ainda melhor. Há três anos que estamos a estudar a instalação de uma fiação, depois disso faltaria apenas o cultivo da própria fibra, que seria um processo ainda mais longo já que o linho exige uma grande capacidade de stockagem.

A última fiação de linho da Europa está na Hungria, chegamos a visita-la com a ideia de a comprar e pôr a funcionar, mas o problema é que não havia mão de obra. Aqueles países de leste foram todos para a indústria automóvel, que paga muito mais e a fiação teve que fechar.

Elda Lisboa
Fornecedora

Ela como amiga e fornecedor, ele como colaborador nas nossas empresas. Seguem em anexo também as fotos de cada um.

Elda Lisboa, fornecedora

Com um percurso consolidado na transformação do linho, qual a estratégia da BeStitch face à previsão de aumento no consumo a nível mundial? 

A nossa estratégia passará sempre por completar toda a cadeia de valor. O passo seguinte seria a fiação, mas como fazer uma fiação de linho só para a BeStitch seria redutor até para o próprio projecto, estamos a negociar com um grupo económico português e um produtor francês de forma a ter uma produção que ultrapasse largamente aquilo que são as necessidades de BeStitch.

Sendo uma das fibras ambientalmente mais sustentáveis e estando na Europa mais de 80% do cultivo do linho, isso é uma vantagem competitiva? 

É estratégico a nível industrial que a Europa tenha capacidade de fiação, mas temos de ter também a noção que o linho representa apenas 0,4% das fibras mundiais. É uma agulha em palheiro. Mas é estratégico, mesmo dentro dos objectivos de reindustrialização da Europa e de diminuição da dependência em relação à Ásia.

 

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