Paulo Melo
"Encaro o futuro com otimismo"
T12 Setembro 2016

Jorge Fiel e Raposo Antunes

Paulo Melo, 52 anos, presidente da ATP, encara o futuro da ITV com otimismo e lamenta que os Governos e a banca não entendam as complexidades do negócio têxtil

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mau sinal o Governo ter suspendido a descida do IRC?

Muito mau. É difícil trabalharmos com esta instabilidade fiscal e sermos competitivos quando não beneficiamos dos mesmos incentivos fiscais que os nossos concorrentes. Como o dinheiro não estica, se temos uma carga fiscal elevada ou pagamos os impostos ou investimos.

O que acha da descida do IVA na restauração?

Sabe de alguém que esteja a pagar menos nos restaurantes? Se há quem esteja a ganhar com essa descida não são os consumidores…

E das 35 horas na Função Pública?

No privado as 35 horas são impensáveis – era fechar as empresas todas. E não faz sentido num mesmo país, os funcionários do Estado trabalharem 35 horas por semana e todos os outros 40. Mais do que nunca o país precisa que trabalhemos mais – não menos. Como cidadão, sinto-me revoltado com esta questão.

O restabelecimento dos feriados prejudica a indústria?

Os feriados a meio da semana implicam quebras de produção e aumentos dos custos operacionais particularmente dramáticos nas tinturarias e acabamentos. Quando o feriado calha à 5ª feira mais vale parar à 4ª o que se tem de fazer é encostá-lo à 2ª ou 6ª feira. A eficiência da máquina industrial não se compadece com a elevada quantidade de feriados que temos. Está calculado que um feriado custa 50 milhões de euros ao país. Reverter foi uma má notícia.

Ficou preocupado com os aumentos do salário mínimo?

Fiquei preocupado na forma como foi imposto, pois costuma ser negociado na Concertação Social. O principal ativo das empresas são os trabalhadores.

Paulo Melo
"Os custos da energia são uma loucura, nos últimos cinco anos subiram 120%"
Não há empresas sem trabalhadores. Mas para que os bons trabalhadores possam auferir salários mais elevados é preciso flexibilizar as leis laborais. É muito caro e difícil despedir uma pessoa que ocupa indevidamente um posto de trabalho.

A carga fiscal e a leis laborais são os principais estrangulamentos à competitividade?

São importantes, mas não são os únicos. Os custos da energia são uma loucura. Na fatura energética, 60% é o custo do kwh e 40% são taxas fixas, que subiram 120% nos últimos cinco anos. Por que é que a indústria tem de pagar estes aumentos?

Como se ultrapassa esse problema?

Para começar, descendo as taxas fixas, muitas delas resultantes de rendas altas contratualizadas a nível nacional. E há o tabu do nuclear que devia ser quebrado. E não percebo porque é que não se compra mais energia à França, que tem um kwh mais barato, pois tem energia nuclear. O mercado da energia é opaco. 

As crises descapitalizaram as empresas. As 131 medidas da estrutura de missão dirigida por José António Barros, são suficientes para resolver isso?

O trabalho do engenheiro Barros é excelente. A direção da ATP teve a oportunidade de reunir com ele e contribuir com algumas sugestões. Agora só peço que se avance rapidamente e as medidas sejam executadas. Um dos problemas do nosso país é que temos grandes ideias, mas há sempre um enorme compasso de espera entre o ter e o fazer.  Temos de ser mais rápidos.

Como é que Governo pode ajudar as empresas a serem mais competitivas?

Garantindo-nos um quadro de estabilidade nas medidas de apoio às empresas. Não se pode estar sempre a m

A eficiência da máquina industrial não se compadece com esta quantidade de feriados
udar tudo. Nós temos de estar focados nas empresas e nas relações com os clientes, que está cada vez mais longe, e em acompanhar a evolução dos produtos, sua diferenciação, valor acrescentado, projetos de futuro.

Como se consegue essa estabilidade?

Precisamos de um pacto de regime entre o PS e o PSD, de modo que as linhas essenciais das políticas ao nível económico, financeiro, social e de justiça deixem de estar dependentes de quem ganha ou perde as eleições. Independentemente de quem é Governo, o país tem de ter um plano estratégico de longo prazo que beneficie todos os portugueses. 

Já falou com o ministro da Economia? Acha-o tímido, como diz António Costa?

A ATP tem canais abertos com o primeiro-ministro e os ministérios mais importantes para a nossa atividade, como a Segurança Social, Finanças e Economia. Caldeira Cabral pareceu-me ser uma pessoa competente, mas, tal como eu, tem pouca experiência política. E tem um grande desafio pela frente. Quando a Europa está bem, é difícil Portugal estar mal. Mas nesta conjuntura é preciso ter muito cuidado pois a somar à instabilidade interna, há uma grande indefinição no espaço europeu, onde estão os nossos principais clientes …

O crescimento estar bastante abaixo do esperado deve-se mais à incerteza que reina a nível global ou à situação política particular que o país vive?

Temos de fazer o trabalho de casa, redimensionando as nossas estruturas de acordo com as necessidades, de forma rápida, sem tabus nem preconceitos. Se as empresas privadas fazem isso, porque é que o Governo não faz? Não podemos continuar a caminhar com uma bola de chumbo amarrada aos pés e a prejudicar as próximas gerações.

Teme um segundo resgate?

Se o crescimento for inferior às nossas necessidades e se as reformas do Estado não se concretizarem, temo que possa ter de haver um segundo resgate.

O que diz da sucessão de escândalos bancários?

Preocupa-me muito, principalmente pelas consequências que têm no financiamento das empresas. O acesso ao dinheiro está mais difícil e o custo é muito elevado. O ciclo produtivo das têxteis é muito longo e tem de ser financiado. As PME não têm dimensão para se financiarem na banca internacional. Precisamos de bancos nacionais com dimensão e cultura que nos apoiem.

O que quer dizer quando fala em bancos com cultura?

Um dos nossos problemas é que não há na banca quem perceba a fundo das especificidades do nosso setor. Não bastam o balanço e os números para analisar corretamente uma empresa. Também é preciso conhecer os seus produtos, projetos e estratégia. 

Por que é que as exportações da ITV continuam a crescer, em contraciclo com quase todos os outros setores da nossa economia? 

A exportação faz parte do ADN da têxtil, que além disso soube, nos últimos anos, fazer o trabalho de casa, reestruturou-se, inovou, abriu novos mercados e é uma referência mundial no setor.

As feiras continuam a ser importantes?

É fundamental estar presente nas feiras. Nesse sentido, a Selectiva Moda está a fazer um excelente trabalho. Temos de estar sempre junto dos clientes, colados a eles. As feiras são uma ótima oportunidade para apreciar as dinâmicas dos concorrentes, apanhar as tendências, conhecer agentes, sentir o ar que se respira, apercebermo-nos das sensibilidades e tentar antecipar o que se vai passar.   

As exportações têm crescido, rebocadas pela locomotiva de Espanha, que vale 1/3 do total. É preciso diversificar esta geografia?

A Espanha continuará a ser o principal mercado e o grande motor do nosso crescimento. Não só pela proximidade, mas também porque tem grandes marcas e cadeias de distribuição, a quem a ITV portuguesa muito deve. A Espanha é um grande país comercial e Portugal é um grande país industrial, que soube apanhar a boleia dos seus vizinhos.

Essa relação é uma rua de dois sentidos?  

Nos últimos 20 anos aprendemos muito com a Inditex. Mas nós também somos importantes para eles. A Zara não teria conseguido dar o salto que deu nos anos 80 sem o apoio da nossa indústria. E alguns dos seus fatores de sucesso devem-se muito à nossa capacidade de dar respostas rápidas e estar sempre a apresentar soluções novas aos clientes. Diria que as nossas ligações com Espanha são uma auto-estrada com várias faixas, com dois sentidos e sem portagens.

As negociações da parceria transatlântica com os EUA estão encalhadas. Isso deixa-o apreensivo?

Será mau para nós se o acordo falhar. Essa parceria garantia-nos muitos anos de crescimento e estabilidade.

O que espera do cluster do setor que acaba de ser constituído?

Foi um passo bem dado. Tem um caminho próprio a fazer, sob a liderança do CITEVE. Pode ser um excelente pólo de convergência com uma organização própria. 

Que avaliação faz do trabalho do CITEVE?

Quando foi criado, dizia-se à boca pequena que ia ser um elefante branco. Não foi. Revelou-se um investimento bem feito. Tem sido muito bem gerido, com uma dinâmica própria e uma estratégia clara, e foi capaz de reunir um corpo docente e técnico muito profissional, que tem ajudado as empresas no âmbito da inovação e i&d.

E da Modatex?

Fez todo o sentido a reestruturação que o criou. Tem todas as capacidades para alimentar as empresas com a mão-de-obra especializada de que elas tanto precisam. Sinto que está atento às necessidades atuais e futuras da indústria. A proximidade com as empresas é fundamental.

Sente a escassez de engenheiros têxteis e mão-de-obra especializada? 

Hoje em dia é difícil encontrar um engenheiro têxtil disponível. Temos de rapidamente inverter esta tendência. Quanto à mão-de-obra especializada, dou-vos só um exemplo;  demora um ano e meio a formar um bom tecelão, capaz de fazer produtos elaborados – e isto é um investimento suportado pelas empresas.

Como se ataca esse problema?

Precisamos de mais cursos técnicos que formem os trabalhadores especializados. Não serve de nada investir em máquinas se não tivermos quem as saiba operar…

A unificação numa associação de toda a fileira é uma prioridade para o mandato?

Vamos continuar a ter uma atitude ativa. A ATP é uma casa aberta a todos os que partilhem a nossa forma de ser e estar. A convergência de todas as associações é uma prioridade, mas tem de assentar em bases sólidas, para prevenir problemas futuros.

Ao cabo de quatro anos de negociações, a ATP denunciou a contratação coletiva. O que vai fazer nesta frente?

As reuniões sucediam-se e não se avançava um milímetro, pelo que achamos melhor fazermos uma pausa. Mas mantivemos sempre a porta aberta ao diálogo, que vai ser retomado este mês. Vamos voltar a sentar-nos à mesa, com uma mente aberta. Queremos ter um CCT o mais o rapidamente possível, mas acautelando a sustentabilidade da fileira – ou seja os interesses futuros de todos que nela trabalham.

O têxtil está a invadir outros setores, como o automóvel, saúde ou agricultura. Trata-se de uma tendência que veio para ficar?

Não só veio para ficar, como é fundamental aprofundá-la. É preciso alargar a mancha a novos negócios mais estáveis.

Moda e marca, private label e têxteis técnicos. O futuro passa pela manutenção deste mix?

Acho que sim, é uma boa combinação, mas com diferentes graus de importância entre eles.

Temos condições para sermos competitivos a fazer private label?

Há, se for de artigos com incorporação de valor, moda, ou seja produto diferenciado. Esse sim, veio para ficar. Já não acredito que sejamos competitivos em artigos básicos, em que o importante é o custo minuto de confeção…

O que é preciso para ser industrial?

Uma enorme dose de coragem e um grande saúde física e mental.

Qual foi o segredo do turn around do setor?

Saber reconverter-se. O motor do desenvolvimento da ITV já não são as grandes  empresas, pesadas e duras de rins, mas sim uma pequena multidão de PME bem dimensionadas, flexíveis, com excelente serviço, alta qualidade, um nível técnico excelente e que aprendem rápido.

Em que é que temos de melhorar?

Portugal ainda vende mal os seus produtos. Fomos sempre excelentes produtores, mas medíocres vendedores. Temos de saber promover muito bem os nosso produtos, não ter receio de dizer que é dos melhores que o mundo produz. Com a globalização, os diretores comerciais têm de ser pessoas do mundo. Temos de vender aquilo que os clientes querem e não aquilo que nós decidimos produzir. Tem de ser do fim para o princípio.

Como é que se consegue fazer isso?

É preciso ter uma disponibilidade. Temos de estar sempre atentos no mercado, a recolher informações preciosas para antecipar as necessidades dos clientes e colocar à sua disposição o que eles precisam. O sucesso de uma coleção depende do acompanhamento que se faz a cada um dos clientes  A democratização da moda obriga-nos a trabalharmos com as equipas de designers dos nossos clientes, para lhes fornecermos exclusivos. 

Perfil

Paulo Melo tem 52 anos, nasceu e cresceu em Brito, Guimarães, neto de António Teixeira Melo, o fundador da Somelos. Licenciado em Economia (Portucalense), durante o curso ia e vinha do Porto todos os dias de camioneta. Casado com Gabriela (neta de Manuel Gonçalves, o fundador da TMG), têm dois filhos, João Paulo, 25 anos (licenciado em Gestão, está a fazer uma pós-graduação na Porto Business School), e Manuel Pedro, 23 anos, que estuda Gestão na Católica do Porto.

Sempre gostou da indústria, “a grande criadora de riqueza”. Mas antes de se alistar na Somelos, teve de cumprir o Serviço Militar Obrigatório. A tropa apanhou-o no final do curso, obrigando-o a passar oito meses na Unidade de Transportes da Figueira da Foz. Valeu-lhe o Alfa Romeu 33, prenda de licenciatura, que lhe deu muito jeito para ir passar os fins de semana a casa. Passado à peluda, em 1989, começou a trabalhar na fábrica fundada pelo avô, com um salário de 30 contos (“não era muito”, reconhece). Debutou, como caloiro, na secção de custos, a pós-graduação em Indústria Têxtil que o levou a passar por vários departamentos: fiação, tecelagem, acabamentos…  É administrador da holding Somelos SGPS e responsável pelas fiações e Somelos Mix. Sócio do Vitória, gosta de caça e golfe, mas pratica pouco, por falta de tempo. Faz corrida e ginásio para se manter em forma.      

As perguntas de
António Falcão
CEO grupo Falcão e presidente Conselho Fiscal ATP

O associativismo do setor ainda não fala a uma só voz e isso fragiliza-nos. O que pensas fazer para reforçar essa voz única que tanto precisamos?

A ITV é um alguidar onde convivem sub-setores muito diferentes que é preciso aglutinar.  Umas das missões da ATP é fazer tudo que está ao seu alcance para que o setor fale a uma só voz. Nascemos com esse ADN por isso sabemos o caminho a seguir, mas ainda há arestas a limar. O caminho da consolidação tem de ser feito com passos seguros, o tempo necessário, as pessoas certas, opiniões e estratégias semelhantes.

A ITV está a atravessar um bom momento em termos de encomendas. O que devemos fazer para consolidar e reforçar este momento num futuro estável?

Crescemos devido ao comportamento notável – até surpreendente – das empresas e dos empresários, que arriscaram, inovaram, diversificaram, souberam tornar-se flexíveis e não tiveram medo de ir às feiras lá fora e abrir novos mercados. A nossa ITV tem um excelente know how, uma enorme capacidade produtiva e está concentrada num raio de 20 km, com epicentro em Famalicão. Isso deixa-me otimista quanto ao futuro. 

João Costa
Vice-presidente da ATP

As exportações da ITV estão a crescer desde 2010 e devem atingir este ano um montante semelhante ao máximo de 2001. É uma trajetória sustentável?

Temos todos de aproveitar o momento e não deixar escapar as oportunidades que diariamente aparecem. O negócio têxtil de moda tem uma pressão diária muito forte, com planificações muito curtas, de três a seis semanas, entre a encomenda e a entrega. Para continuarmos a crescer, temos de ser flexíveis e inovadores, estar cada vez mais próximos dos clientes – e o país precisa de ter políticas estáveis.

Que políticas deve o Governo adotar para a economia portuguesa ser mais competitiva e a ITV ser uma atividade de vanguarda à escala mundial?

Os governos têm de transmitir confiança aos empresários.  A instabilidade no mercado e na economia tem de ser compensada por estabilidade na envolvente política, legal e fiscal. Os governos ficam satisfeitos com o crescimento das exportações, mas têm de se esforçar mais para compreender as complexidades do nosso negócio e o seu enquadramento internacional.

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