Orlando Miranda
"Somos uma empresa vocacionada para os têxteis técnicos"
T61 - Fevereiro 2021

António Freitas de Sousa

Tudo indicava que o exercício de 2020 iria ser extremamente positivo. Por razões sobejamente conhecidas, não foi. Mas a empresa, com capitais suficientemente sólidos para fazer face aos piores cenários, não só resistiu, como acabou por sentir apenas uma quebra que chegou a prever bem maior.

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omo correu o ano de 2020?
Atendendo à conjuntura em que estamos, não posso dizer que tenha sido mau. Mas não foi aquilo de que estaríamos à espera, que perspetivávamos, no início do ano de 2020. Houve uma quebra na ordem dos 13% a 14% do volume de negócios, para valores próximos dos 10 milhões de euros. Nos melhores anos chegamos aos 13 milhões.

Uma quebra menor que a que o setor antecipa por estes dias?
Sim. Talvez atendendo à variedade de produtos e ao leque de clientes que temos, fomos aguentando – até porque temos uma boa saúde financeira. Mas notou-se da parte dos clientes um querer reduzir, um passar para mais tarde as entregas, a solicitação de prazos de pagamento mais dilatados, o que no nosso caso felizmente não foi um problema, mas acredito que noutras empresas possa ser um problema muito grande. É preciso capital.

Tiveram que fazer ajustamentos para responder ao estranho mercado de 2020?
Nós subcontratamos cerca de 90% da nossa produção. Obviamente, tivemos que nos reajustar. Aqueles que são mais fiéis e que estão sempre disponíveis, que são praticamente nossos subcontratados a 100%, sentimos a obrigação de os manter no ativo. Os que são mais esporádicos foram desativados, porque eram situações pontuais que tiveram de ser reduzidas.

A produção continuou quase toda virada para as exportações?
Sim. Neste momento poderei dizer que exportamos 98% da produção. Em Portugal são situações muito pontuais.

Uma parte do setor divergiu para a produção de equipamentos de proteção individual e de máscaras. Tiveram de fazer o mesmo?
Sentimo-nos como que deslocados da realidade: em março, abril, houve um boom em que todas as empresas passaram a fazer máscaras e EPI. Nós nunca fizemos EPI, fizemos máscaras – temos aí máscaras em stock porque, quando arrancámos o mercado estava praticamente cheio. Tivemos atrasos muito grandes na certificação das máscaras, de nível 3 e nível 2. Fizemo-las em parceria com a A. Sampaio – um dos nossos principais fornecedores – mas entretanto isso parou. Curiosamente, estamos a fazer uma máscara para os Estados Unidos, uma máscara patenteada, que não tem nada a ver com a máscara standard normal. É uma máscara extremamente cara – está a ser divulgada nos Estados Unidos, onde já fixeram o marketing necessário.

A força da presença
"Vivemos das relações humanas e estar em frente do cliente é sempre o mais importante"

Já ofereceram uma ao presidente Joe Biden?
Não sei, talvez. Sei que alguém campeão na área do golfe estará a utilizá-la.

Os norte-americanos já eram vossos clientes?
Sim. Cliente e amigo que nos colocou o desafio para produzirmos uma máscara patenteada nos USA, completamente inovadora pela sua conceção.

Em que geografias estão os vossos principais clientes?
Para nós o mercado norte-americano é residual: temos dois clientes, um na Califórnia e outro em Vermont. Tínhamos outro cliente em Los Angeles mas está em stand by porque é um cliente ligado ao setor da moda – que é o sub-setor do têxtil que está a passar a maior crise. É um segmento médio-alto, quase de luxo, tem várias lojas por todos os Estados Unidos e em Londres – mas as coisas pararam, estiveram fechados cerca de três meses. Temos algum capital do outro lado e precisamos de o reaver para relançar a parceria.

"Os italianos conseguem vender até o que não têm e nós, às vezes, nem conseguimos vender aquilo que temos"

É um mercado promissor?
Acho que sim. Os Estados Unidos são um mercado com um potencial de compra enorme – e na moda e nos têxteis técnicos está muito desenvolvido – temos um cliente sueco que vende para os Estados Unidos e, para aquele mercado, aumentou este ano as vendas em 45%.

Quais são os principais mercados da Olmac?
O nosso principal mercado é o europeu – e dentro do mercado europeu, o escandinavo que, com a Áustria e Suíça, são os nossos focos. A Alemanha já teve muito peso, mas agora o mercado escandinavo – concretamente o sueco – é o principal.

São tão poderosos como os Estados Unidos?
É mais fácil vender caro para a América do Norte que para a Europa – mas obviamente são clientes com crédito.

A China não o atrai enquanto mercado?
Não. Os chineses fazem tudo tão bem ou melhor que nós – já tive oportunidade de visitar algumas empresas na China e são excelentes, mas não é um mercado que me atraia. É a China e o mercado espanhol.

O mercado espanhol não o atrai?
Neste momento estamos a iniciar relações com um cliente espanhol na área dos sportwear, dos têxteis técnicos, mas nada de moda.

A moda não é uma prioridade para a Olmac?
Somos uma empresa vocacionada para os têxteis técnicos – enveredamos por esse segmento de há dez anos para cá, temo-nos mantido e estamos sempre na busca de novas fibras, com os nossos fornecedores, quer portugueses quer europeus, mas o nosso foco é esse. A nível da moda temos um cliente, de moda de mulher, com uma rede de lojas em toda a França. Estamos também na área do golfe, no running, na neve – em termos globais, o outdoor é o nosso core business.

Talvez isso explique o facto de o negócio não ser descido muito em 2020?
Sim, é um segmento que não é tão afetado como a moda – em que está tudo fechado. As marcas, quando não vendem, não compram.

Sempre em private label?
Sempre em private label.

Nunca marca própria?
Há uns anos tivemos uma marca, a Miukki, para teenagers, fizemos duas feiras em Espanha, em Madrid, mas as vendas eram poucas e a logística de pequeno retalho, o que nos fez recuar. Não tínhamos estrutura. Há dois ou três anos, começámos a participar na ISPO – a maior feira que existe na área do outdoor – mais com o objetivo de nos podermos mostrar a possíveis novos clientes a nível europeu. Foi aí que nós apostámos: desenvolver produtos para mostrar como se fosse um catálogo.

Por falar em feiras, está disponível para regressar quando a pandemia o permitir?
Sim, quando voltarem ao formato tradicional, face-to-face, obviamente…

Tem-lhe feito falta esse formato?
Acho que faz falta a toda a gente. Todos os dias temos reuniões via Teams ou Skype, mas o estar a falar com um cliente e podermos expor tudo o que tem a ver com um produto é muito difícil. Todos vivemos das relações humanas e estar em frente do cliente é sempre o mais importante. Além das feiras fazíamos visitas aos clientes onde mostrávamos produtos, alternativas àquilo que nos era solicitado e essa relação de proximidade fez com que nós crescêssemos, concretamente no mercado sueco. As coisas abrandaram, toda a gente parou, mas, no caso sueco, o feedback que eu tenho é que está a reavivar – tenho um cliente que aumentou cerca de 40%. Foi uma surpresa.

Como viu a forma como o sector respondeu à pandemia? A Olmac usou o lay-off?
Não. Somos 117, houve quem tivesse de ir para casa por causa dos filhos, mas lay-off por decisão nossa, não. Em termos gerais, e atendendo a toda a conjuntura, o setor portou-se bem: passou, mas ainda estamos a fazer a prova escrita – agora, noutra fase de confinamento, vamos ver como é que tudo isto vai terminar. Toda a gente estava com uma expetativa muito grande para 2021, mas eu sempre estive de pé-atrás: prefiro ser mais pessimista que ser muito optimista.

2021 não será por isso o do rearranque da economia?
Talvez a partir de setembro ou outubro se as coisas melhorarem em termos gerais, pelo menos a nível europeu, porque aí vai haver um boom de procura.

Os fundos de recuperação – a famosa bazuca – serão suficientes?
A bazuca vai ser a tábua de salvação para muita gente, tanto em Portugal como no resto da Europa. Essa injeção de capital vai ajudar muito as empresas. E eu acho que o Governo tem de olhar muito para as empresas porque são as empresas que dinamizam o país, são as empresas que criam riqueza. Às vezes liga-se muito ao que é o setor público e aos serviços, mas é a indústria, seja ela qual for, que cria riqueza para o país. E é preciso dar suporte a essas empresas. Esperemos que os fundos sejam bem distribuídos – porque às vezes as coisas não são bem aquilo que pintam.

Acredita na promessa europeia da reindustrialização, ou no final vamos todos andar à procura do melhor preço?
Acho que no final vai toda a gente andar à procura do mesmo. Fala-se de muitas coisas – de sustentabilidade, de emprego, mas no final o cliente vai buscar o preço. Temos algumas situações em relação às quais confrontamos os clientes, em termos de sustentabilidade, por exemplo. Comprar produto na Ásia: só o combustível que é gasto… falamos muito de sustentabilidade, mas no final estamos a poluir cada vez mais, tudo por causa de alguns cêntimos. Tento sempre levar os clientes para produto europeu – se possível para português, tão bom ou melhor que o italiano, por exemplo. A nível das malhas, concretamente. Temos muito bons parceiros em Portugal, que estão ao nível dos melhores europeus quer em inovação e desenvolvimento quer na tecnicidade dos produtos.

Qual é o peso dos fornecedores portugueses na Olmac?
Mais de 50%.

Diria que a têxtil nacional ganha na comparação com os seus concorrentes?
Sim, claramente ganha na comparação com os seus concorrentes. Comparamo-nos muito com os italianos. Costumo dizer que os italianos conseguem vender até aquilo que não têm e nós às vezes nem conseguimos vender aquilo que temos.

Têxteis técnicos têm muita inovação. Ela tem chegado mais pela empresa e eventual envolvimento com o CITEVE ou pelos clientes?
Chega mais por via dos clientes e dos fornecedores. Concretamente de um: a A. Sampaio. Está constantemente envolvida na pesquisa de novas fibras, novas técnicas, novos acabamentos.

O cliente acaba seduzido pela inovação, ou é o próprio cliente que a solicita?
Acontecem as duas situações. Há coisas que já não voltam atrás. Por exemplo, todo o algodão que se usa é orgânico. Os poliésteres são todos reciclados.

Tem previstos novos investimentos a curto prazo?
Sempre. Nos dias de hoje qualquer empresa tem que almejar por mais e melhor. Na Olmac, pensamos na comunidade, ambiente, sustentabilidade. Não só para agora, mas também num futuro a cinco anos, temos ideias que queremos concretizar.

Perfil

Orlando Miranda, 62 anos, é um dos responsáveis da Olmac e responde pela segunda geração, depois de o pai, Olímpio Miranda, ter sido o fundador. O capital está dividido entre os pais, que continuam maioritários, e Orlando e os seus dois irmãos – que assumem posições paritárias. Com a quase totalidade dos produtos a rumarem para o estrangeiro, a Olmac tem na Escandinávia – mais concretamente na Suécia –, Suíça e Áustria os seus principais mercados. A pandemia não afetou a empresa como sucedeu com outras do setor, mas Orlando Miranda assume que não está optimista em relação à retoma. Quando muito, diz, deverá suceder em setembro ou outubro e nunca antes. É que não chega desconfinar: será preciso que todos os negócios entrem em atividade, a começar pelo consumo – e só depois disso chegará a vez da indústria

As perguntas de
Amélia Antunes
Sales Director da Olmac

Sendo a moda um dos setores que mais sofre com a pandemia, como vê no futuro próximo a presença de clientes desta área na Olmac?
É o setor com o decréscimo mais acentuado no contexto global da têxtil. Como tal continuará a ser um handicap no setor, pelo menos na próxima estação de verão 21 bem como no FW21/22. Apesar da pequena percentagem que significa na nossa produção, penso que continuaremos a saudável relação de mútuo suporte com os nossos clientes deste setor, pois só com a parceria tem sido possível esta travessia num oceano tão revolto e incerto.

Apesar de um ano 2020 muito complicado, a Olmac manteve a laboração e cumpriu com todos os compromissos. Quais foram os fatores essenciais?
Em primeiro tenho que agradecer ao nosso grupo de trabalho. Sem eles seria impossível chegar a 2021 mantendo a atividade e cumprindo todas a nossas obrigações. Em segundo destaco toda a cadeia de fornecimento, maioritariamente nacional, passando pela prestação de serviços, que tornaram possível manter linhas de produção em funcionamento. Saliento ainda o sentido de responsabilidade de todo o setor. Empresas saudáveis proporcionam estabilidade social. t

Miguel Mendes
Sales & Inovation Director da A. Sampaio

Como olha para o futuro pós-pandemia na atividade do setor têxtil e vestuário?
O futuro, embora incógnito, traz a todos enormes desafios, vejo-o promissor. Somos resilientes e com a resiliência típica do português, certamente vamos encontrar alternativas para encarar um futuro que todos ansiamos positivo, adaptando-nos as necessidades que o mercado nos vai solicitar, quer seja na nova tipologia de negócio, quer seja com as solicitações de novos produtos, novas fibras e novas tecnologias associadas à conceção do produto.

Sendo cada vez mais decisivo, como olha para a evolução dos modelos de cooperação entre as empresas?
Sempre foi um estandarte da Olmac e temos este modelo implantado com vários parceiros e nos diversos setores que se inserem na conceção do produto, sejam eles fornecedores, prestadores de serviços e subcontratados. Cada vez mais estamos convictos que só com a cooperação saudável entre parceiros do setor têxtil será possível conduzir o setor aos patamares atingidos na pré-pandemia. Assim, vejo os vários modelos de cooperação entre empresas como vitais para a sobrevivência de todos. t

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