Nelson Souza
“Mais 5 mil milhões de investimento no Portugal 2020”
T31 Abril 2018

José Augusto Moreira

Como o pai morreu novo, teve de começar a ganhar dinheiro quando ainda frequentava o 4º ano do curso de Finanças, concluído em 1975. Em 1977 entrou como técnico para a Ministério da Industria, onde percorreu todos os degraus até chegar a diretor geral. Foi gestor de programas do Pedip, administrador do IAPMEI, gestor do Compete, QREN e Prime, e secretário de Estado das PME do Governo Guterres -, com a excepção de uma passagem pela AI Portuguesa, onde foi diretor geral.

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ouve muita gente a ditar que a indústria têxtil não tinha futuro em Portugal. Foi uma surpresa ter conseguido reinventar-se?

Para quem conheceu o percurso todo, acaba por não ser uma surpresa assim tão grande. Percebia-se que o caminho seria difícil e é preciso ver que nessa altura a indústria têxtil e do vestuário empregava 300 mil pessoas, representava muito da nossa produção industrial e uma fatia muito grande das nossas exportações. Naturalmente que hoje terá menos de metade dos trabalhadores e o seu peso absoluto é completamente diferente, mas também já nesse tempo se percebia que havia uma dinâmica e uma vontade que lhe garantia o futuro.

Não foi um percurso previsível nem fácil, como é que as coisas foram acontecendo?

Houve vários embates, problemas ligados à globalização, um processo tremendo de abertura dos mercados europeus fortemente acelerado com as negociações do GAT. Naturalmente custa competir num mundo desta natureza, mas julgamos que não há alternativa, e tudo isto foi muito bem protagonizado pelo sector têxtil que hoje em dia está de facto a olhar para a frente. Incorporando não apenas tecnologia, mas também criatividade, moda, o imaterial e recursos humanos qualificados. Caminho difícil, pois é, mas é onde estão os melhores, onde a exigência é muito grande, mas também onde se ganha valor acrescentado. É onde se ganha o dinheiro que permite que empresas se tornem mais rentáveis e paguem melhores salários de uma forma sustentável.

É esse o objectivo dos incentivos, tornar as empresas mais competitivas?

Têm que servir para fazer este caminho, senão é deitar dinheiro fora. Os incentivos são para contratualizar estes objectivos, para andar para a frente. Hoje em dia já não discutimos muitas coisas, medimos resultados e se não são alcançados muitos dos incentivos que estão contratados são, no final, ajustados e até diminuídos nalguns casos.

Nelson Souza
“A cultura de avaliação de resultados veio para ficar e não volta atrás”

Não são contratualizados investimentos mas resultados, foi isso que mudou do QREN para o Portugal 2020?

No QREN também já se tinha feito esse caminho. Aliás, já desde o PEDIP2 que havia fundos reembolsáveis, que as empresas não recebiam tudo a fundo perdido. Portanto, isto é um caminho de habituação que a indústria foi fazendo.

Uma das críticas que se tem ouvido por parte dos empresários tem que ver precisamente com a contratualização de resultados. Fazem sentido?

Por um lado entendo essas críticas, mas é preciso ver que são os empresários quem propõe os resultados e que a maioria acaba por obter a tal isenção de reembolso. Quem como nós cultiva essa atitude de permanente observação entende que o mundo é hoje cada vez menos previsível e mais volátil e entendo esse desconforto. Mas é preciso também que as coisas tenham uma avaliação, que as empresas tenham um modelo de previsão de resultados que as tornem fiáveis. A cultura de avaliação de resultados veio para ficar e não volta atrás.

“Os incentivos têm que servir para tornar as empresas mais competitivas, senão é deitar dinheiro fora”

Há críticas também pelo complexo e moroso preenchimento das candidaturas. Diz-se até que no ano passado foi preciso verificar e carimbar manualmente 1,5 milhões de documentos. É verdade?

Mas com isso já acabamos! É que nós só publicamos os números quando acabamos com o procedimento (risos…). Isso era um procedimento que visava garantir que um documento de despesa não era validado em mais que um sistema, e como os sistemas não falavam entre si a solução era o carimbo, que acabou agora no início de Janeiro. Mas só conseguimos garantir o cruzamento de documentos que temos no Portugal 2020, se forem por exemplo da Segurança Social já há questões de confidencialidade que nos impedem.

Mas ainda há ou não muita burocracia?

A questão é que somos compelidos a solicitar uma multiplicidade de dados porque é isso que Bruxelas nos impõe. Quer que asseguremos pistas para que as auditorias possam ir até ao cêntimo. Tudo o que é divergência superior a 2% já é sacrilégio, tudo tem que ser validado a 100%.

Quantas pessoas trabalham nesta estrutura dos projectos para incentivos?

Em termos de rede mais directa, mas permanente de autoridades de gestão serão umas 600 pessoas.

Mas há também pessoas de organismos como IAPMEI ou AICEP, que são consultados e nalguns casos são permanentes. Ao todo o número poderá dobrar. Há ainda a necessidade de contratar peritos, o que nem sempre é fácil como acontece por exemplo na área de I&D, o que leva a muitos atrasos.

Por dificuldades na autorização para contratar ou por dificuldade em os descobrir?

As duas coisas. E como nós somos um país pequenino, não é fácil encontrar peritos que não estejam envolvidos em projectos.

E considera que, tal como está a funcionar, esta estrutura é suficiente?

Há que ver que esta máquina dos fundos é muito prestigiada na Europa, junto da Comissão Europeia. E estou completamente à vontade para o dizer que a maior parte das pessoas que está neste momento foi nomeada pelo anterior Governo. É uma máquina muito profissional. Nós somos neste momento, em termos de percentagem, o país com maior execução. Isto no conjunto daqueles que têm maiores pacotes de fundos, acima de cinco biliões, e nós temos um pouco mais de 25 biliões. A Polónia é o país que tem mais execução em termos absolutos, mas tem quatro vezes mais fundos que nós. Somos, em percentagem, o país com maior execução, o que tem melhor taxa de execução.

Mesmo assim, subsistem queixas de que há um grande diferencial entre o valor aprovado e aquele que foi entregue às empresas. Está é uma crítica injusta?

Isso há. Mas é muito melhor que noutros países, se bem que como se costuma dizer com o mal dos outros podemos nós bem. Países como Espanha, França ou Alemanha têm atrasos de execução bem maiores que os nossos, e é bom que se saiba que a Alemanha tem, em termos absolutos, um pacote financeiro maior que o nosso. Naturalmente que queríamos uma taxa de execução maior em relação ao aprovado, mas para quem já anda aqui há muito tempo diria que isto é típico do mid turn, desta fase intermédia de execução dos projectos. Temos nalgumas áreas taxas de aprovação elevadíssimas, como é o caso do apoio às empresas com quase 100% e taxas de execução em 25 – 23%, e nas empresas é altíssimo, e depois outras em que as taxas de aprovação são também altas, 55,56/57%, mas a execução é para aí de 10%!

A informação é de que 2017 foi o melhor ano de sempre do programa…

Na parte das empresas. Pagamos 1.3 mil milhões.

E para este ano é o mesmo objectivo?

Atenção que isto são metas acumuladas desde o início, desde que tomamos posse. Nós tínhamos zero quando cá chegamos, mais propriamente 15 milhões. Depois chegamos no primeiro ano, em 2016, aos 500 milhões, no ano passado dissemos que faríamos 1.3 mil milhões, portanto pagamos 800 milhões, um valor recorde, e agora este ano vamos atingir os 2 mil milhões pagando 700. Ou seja, mantendo mais ou menos o mesmo ritmo.

Estamos a falar do programa de competitividade e internacionalização…

Nem só. É competitividade mais os programas regionais. Portanto quando falamos desses números é dessa área, depois havemos de ter pelo menos outro tanto, senão mais, porque ao todo no ano passado pagamos 2.8 mil milhões.

Portanto, até aqui o foco foi aprovar e agora é executar e reprogramar. Sobre a reprogramação o que é que está pensado?

Quando tomamos posse o objectivo era, em primeiro lugar, acelerar a execução do Portugal 2020 e conseguimos. Demos prioridade ao investimento empresarial, da competitividade, mesmo que possa parecer um bocado estranho ter dado prioridade ao investimento privado, dado o suporte político deste governo. E percebe-se agora porque é que fez sentido. Queríamos promover aceleração e onde tínhamos melhores condições de uma forma imediata era através do investimento privado. E fizemo-lo até com um empenho muito grande do primeiro-ministro. Mas com o não há bela sem senão, a consequência foi o esgotamento das verbas disponíveis.

Os números apontam para 5% disponível, é isso?

E o que isso significa é que ainda nos resta algum tempo para finalizarmos o actual Portugal 2020 e se quisermos continuar este ritmo temos que reprogramar, ou seja arranjar dinheiro para alocar a esta continuidade. E fixamos como meta criar condições para apoiar mais 5 mil milhões de euros de investimento daqui até ao fim do Portugal 2020.

Vem ai o Portugal 2030, o que é que está pensado e o que se aprendeu com o Portugal 2020?

Desde Junho do ano passado que andamos a falar com toda a gente. Associações, universidades, economia social, terceiro sector, entidades da administração pública… Já temos documentos simples produzidos, um position paper face à Europa que andamos a discutir com todos os partidos, incluindo o PSD. Acho que será relativamente fácil um consenso alargado na sociedade portuguesa quanto aquilo que há para fazer, o problema é entendermo-nos logo a seguir sobre a estratégia para o conseguir, mas mesmo nesse aspecto estou optimista.

E qual é o desígnio, o grande objectivo. A reindustrialização, aumentar a capacidade instalada da indústria e a aposta na exportação de bens transaccionáveis é ou não um meio estratégico?

Eu diria que passa por aí, mas nesta altura o debate ainda não está a esse nível. Acho que quando falamos de valor acrescentado, de qualificações, de actividades de futuro, a indústria é incontornável. Não será a indústria do séc. XIX nem sequer a do séc. XX, mas falar dos desafios da indústria 4.0, da transformação digital, é falar do futuro. Isso é incontornável e nem precisa ser dito por um velho industrialista como eu.

No Fórum Têxtil, Daniel Bessa disse ter dicado espantado com o desvio de fundos comunitários para a administração pública. Acha que é uma apreciação injusta?

Acho que é uma visão redutora do papel de uma administração pública eficiente pode ter no domínio da competitividade. Todos sabemos que reduzindo custos de contexto e estando ao serviço de estratégias de desenvolvimento empresarial desempenha um papel único, como aliás todas as organizações internacionais têm continuamente referido.

 

 

 

 

PERGUNTADORES

 

João Costa

Presidente Selectiva Moda e vice-presidente ATP

 

Grandes empresas têxteis, que em muitos casos seriam PME em França ou na Alemanha, estão excluídas dos incentivos à participação em feiras. Há espaço para reverter a situação no Portugal 2020? Ou no próximo quadro ?

Na regulamentação comunitária dos fundos estruturais, os apoios às grandes empresas  – definição da legislação europeia aplicável tanto em Portugal, França ou Alemanha –  está limitada a projetos de I&D ou de inovação produtiva. Ainda é prematuro prever o que virá a acontecer no futuro quadro, mas provavelmente a tendência no apoio às empresas não PME caminhará no sentido da restrição e não de alargamento.

 

Os incentivos têm sido distribuídos a projectos individuais e também conjuntos para acções colectivas. Este binómio é para continuar?

Será para continuar a apoiar as duas dimensões, mas com um privilégio crescente para os projetos que se sustentem no reforço da inteligência coletiva que possam reproduzir efeitos num conjunto mais vasto de empresas.

 

Freire de Sousa

Presidente CCDRN

 

Dos vários cargos que desempenhou, qual o que mais o realizou?

O cargo de que recordação mais viva é a de gestor do programa Missões de Produtividade do PEDIP I. Desenhado há 30 anos por uma pequena equipa que coordenei, preconizava que a sustentabilidade do crescimento dependia da produtividade e esta de fatores de competitividade imateriais como capacidades de I&D e gestão, cadeias de distribuição e modelos de organização do trabalho. Os gaps de produtividade que ainda hoje em dia reduzem a nossa capacidade de crescer reavivam a pertinência das medidas então preconizadas.

Como vê a relação entre políticas públicas de natureza setorial e temática e as de natureza regional e territorial?

Qualquer estratégia, medida ou projeto prossegue um objetivo ou uma política e é executado num território, sendo por ele influenciado, ou, no caso de iniciativas estruturantes, influencia o espaço em que é concretizado. Perceber bem esta interdependência, ajuda-nos a definir políticas setoriais que beneficiem políticas territoriais articuladas e, no sentido inverso, concertar políticas territoriais com as agendas temáticas mais horizontais.

Perfil

63 anos, nasceu em Goa, no então Estado Português da Índia. Tinha sete anos quando veio para Portugal, acompanhando a família – o pai era jornalista e em Lisboa foi trabalhar para o Gabinete de Imprensa da TAP. Cresceu na Ajuda, o que explica o facto de ser adepto do Belenenses. É licenciado em Finanças pelo ISCEF, onde foi colega de Ferro Rodrigues (que presidia à Associação de Estudantes), Augusto Mateus e Vieira da Silva. Profundo conhecedor do tecido empresarial e dos programas de apoio à economia, é secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão (do Ministério do Planeamento e Infraestruturas de que é titular Pedro Marques) desde 22 novembro de 2015

As perguntas de
Freire de Sousa
Presidente CCDRN

Dos vários cargos que desempenhou, qual o que mais o realizou?

O cargo de que recordação mais viva é a de gestor do programa Missões de Produtividade do PEDIP I. Desenhado há 30 anos por uma pequena equipa que coordenei, preconizava que a sustentabilidade do crescimento dependia da produtividade e esta de fatores de competitividade imateriais como capacidades de I&D e gestão, cadeias de distribuição e modelos de organização do trabalho. Os gaps de produtividade que ainda hoje em dia reduzem a nossa capacidade de crescer reavivam a pertinência das medidas então preconizadas.

Como vê a relação entre políticas públicas de natureza setorial e temática e as de natureza regional e territorial?

Qualquer estratégia, medida ou projeto prossegue um objetivo ou uma política e é executado num território, sendo por ele influenciado, ou, no caso de iniciativas estruturantes, influencia o espaço em que é concretizado. Perceber bem esta interdependência, ajuda-nos a definir políticas setoriais que beneficiem políticas

João Costa
Presidente Selectiva Moda e vice-presidente ATP

Grandes empresas têxteis, que em muitos casos seriam PME em França ou na Alemanha, estão excluídas dos incentivos à participação em feiras. Há espaço para reverter a situação no Portugal 2020? Ou no próximo quadro ?

Na regulamentação comunitária dos fundos estruturais, os apoios às grandes empresas  – definição da legislação europeia aplicável tanto em Portugal, França ou Alemanha –  está limitada a projetos de I&D ou de inovação produtiva. Ainda é prematuro prever o que virá a acontecer no futuro quadro, mas provavelmente a tendência no apoio às empresas não PME caminhará no sentido da restrição e não de alargamento.

Os incentivos têm sido distribuídos a projectos individuais e também conjuntos para acções colectivas. Este binómio é para continuar?

Será para continuar a apoiar as duas dimensões, mas com um privilégio crescente para os projetos que se sustentem no reforço da inteligência coletiva que possam reproduzir efeitos num conjunto mais vasto de empresas.

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