Marco Costa
“Queremos aumentar as exportações até aos 50% da faturação”
T58 - Novembro 2020

António Freitas de Sousa

Apesar da pandemia, o negócio da Blackspider, detentora da marca Cristina Barros, não só não parou como continuou a expandir-se, mesmo que com algumas restrições. A necessidade de novas instalações, já sentida antes da pandemia, vai por isso avançar para estarem prontas já no próximo ano.

E
E

stão a preparar um investimento estruturante. Que pode avançar sobre ele?

Pretendemos aumentar a nossa capacidade para dar resposta à procura que temos sentido e para aceitar novos desafios. E esses desafios impõem outro tipo de condições. Para isso, precisamos de novas instalações – que acima de tudo vão responder à procura que temos.

Construídas de raiz?

Vão ser 4.200 m2 – o que quer dizer que vamos duplicar a capacidade que temos neste momento. O edifício vai servir de armazém, mas também de escritório, e vamos instalar ali a sede da empresa. O investimento previsto está situado entre 1,5 e dois milhões de euros. As obras já arrancaram – começaram este ano – estando previsto que em meados do próximo ano já estejamos a trabalhar nas novas instalações. É claro que a situação de pandemia atrasou alguma burocracias, mas é o que prevemos.

Não haverá muitas empresas que vão fazer um investimento dessa dimensão numa fase de pandemia. Quer dizer que a Covid-19 não afetou a empresa?

Não afetou de forma profunda. Claro que sentimos os seus efeitos – principalmente no que tem a ver com o cancelamento de muitas feiras internacionais, que nos serviam para abrir novos mercados e dar a conhecer a marca. Essa dimensão foi afetada. Mas, se falarmos nos nossos clientes habituais, podemos dizer que praticamente não fomos afetados: continuamos a ter os mesmos clientes, que continuam a comprar.

Não havia razão, portanto, para adiar investimentos.

Quando começámos o projeto das novas instalações, foi sempre alavancado numa base e numa solidez que já vem de trás. Não se deu, por isso, o caso de cancelarmos o projeto.

As receitas de 2020 também não foram afetadas?

As receitas de 2020 vão incorporar talvez uma pequena redução, mas estão em linha com as de 2019.

O ano de 2021 vai o do reaquecimento da economia?

Acredito que será uma espécie de ano zero. Vai ser o início de um novo ciclo, provavelmente a partir de meados do ano.

O segredo está lá fora
"Quando decidimos internacionalizar, colocámos o foco nos 50-50. Queremos aumentar as exportações até aos 50% da faturação"

Como correu a pior fase de confinamento em termos internacionais?

Apenas sentimos uma alteração no mercado espanhol. De resto, os restantes mercados em que trabalhamos estiveram sempre no mesmo plano. Não sofremos qualquer alteração com o confinamento. Não sofremos alterações tanto em termos de faturação como de encomendas. Como trabalhamos por coleção, estamos a terminar as vendas da coleção primavera-verão 2021 e posso dizer que não sofremos grandes alterações.

Têm uma empresa em Espanha, que abastece diretamente aquele mercado. Fora a Espanha, os restantes mercados estiveram em bom plano. Qual é a percentagem das exportações no volume de negócios?

Cerca de 40%.

É uma percentagem que vos é confortável?

Nunca é confortável. Quando decidimos apostar na internacionalização, colocámos o foco nos 50-50. Queremos aumentar as exportações até aos 50% da faturação.

"Não sofremos qualquer alteração com o confinamento. Não sofremos alterações tanto em termos de faturação como de encomendas. Como trabalhamos por coleção, estamos a terminar as vendas da coleção primavera-verão 2021 e posso dizer que não sofremos grandes alterações"

Começaram a internacionalização em 2012. Há um antes e um depois dessa data?

Exatamente.

Como era a empresa antes de 2012?

A empresa surgiu em 2001 e até 2012 tinha o foco no mercado nacional.

Private label ou marca própria?

Principalmente marcas próprias. Depois iniciámos um projeto com o apoio do QREN e decidimos apostar na internacionalização. A partir daí, foi um dos focos principais da empresa.

O primeiro passo foi a criação da empresa em Espanha?

Não, já a tínhamos lançado antes, desde há uns três a quatro anos.

Como foi a gestão das marcas?

Começámos com a Blackspider e só mais tarde lançámos a marca Cristina Barros.

Como foi a experiência da internacionalização?

Em 2012 Portugal ainda estava a sofrer os efeitos da recessão profunda de 2008 e a empresa sentiu que a resposta era alargar os horizontes. Sabíamos que teríamos procura se trabalhassemos bem.

Quais foram os primeiros mercados de expansão?

França, Reino Unido e Polónia.

E neste momento quais são os principais mercados?

Continua a ser a França. A que acrescentámos a Irlanda – que estamos a trabalhar muito bem – a Alemanha e os Estados Unidos, onde estamos há três coleções atrás [cerca de um ano e meio].

Onde estão as geografias de crescimento da empresa?

Estamos a trabalhar o Canadá. Vamos começar com um showroom, o segundo. Achamos que tem potencial: o mercado é semelhante ao dos Estados Unidos e como tivemos sucesso lá parece-nos que é uma boa hipótese. Já temos clientes do Canadá, que estão a solicitar repetições. Quando fechámos o primeiro showroom os clientes contactaram-nos, querem comprar.

Os Estados Unidos estão a funcionar bem?

Muito bem. Houve uma queda nesta fase da pandemia, mas esperamos que o próximo ano já seja melhor.

Sentiu algum confinamento da economia norte-americana nestes quatro anos de Donald Trump na presidência?

Não sentimos. Não sei se tem a ver com o tipo de produto que oferecemos. Nos Estados Unidos dão muito valor à moda europeia – e acredito que seja também por aí. Há uma grande procura do ‘made in Europe’ e da qualidade e design que lhe estão associados. Cada vez mais o ‘made in Portugal’ é um ponto muito forte para as empresas. O ‘made in Portugal’ já é sinónimo de qualidade…

Quando sentiu essa espécie de salto em frente?

Talvez a partir de 2016. A partir daí, o ‘made in Portugal’ passou a ser um valor acrescentado. Estamos a trabalhar muito bem esse facto.

Suponho que isso fica a dever-se à globalidade do setor e aos seus diversos agentes.

Não só do setor mas também do país como um todo, da economia portuguesa. Estamos a apostar muito na marca Portugal. E não só no turismo: nos têxteis, no agroalimentar, cada vez mais Portugal é sinónimo de qualidade.

Costuma dizer-se que uma das dificuldades das empresas portuguesas é a criação de macras. A Blackspider está aí para demonstrar com contrário?

Sim…

Qual é o segredo?

Não sei…

Calha bem, porque assim a concorrência não o replica…

Era capaz de que dizer que não tem nada a ver com o nome, terá a ver com a qualidade e com o serviço. Somos muito procurados pelo nosso serviço. Há um factor muito significativo: temos clientes com 20 anos, compraram a primeira vez e nunca mais deixaram de comprar. Isso é sinónimo de muita coisa: não só de qualidade do produto, mas também da qualidade do serviço. Um dos segredos é a nossa equipa, muito unida e muito qualificada.

Quais são as mais valias do serviço?

O atendimento ao cliente, o que é um fator muito importante. Cumprir prazos de produção, prazos de entrega, a capacidade de poder repetir, tudo isso é muito importante. Posso garantir que há poucas empresas que conseguem fazer o que nós fazemos. Parte comercial, armazém, distribuição, departamento de atendimento ao cliente – está tudo alinhado e conseguimos cumprir todos os objetivos.

E o que diferencia o produto?

É 100% feito em Portugal, trabalhamos materiais nobres e primamos pelo design – que posso caraterizar como inovador. O ‘feedback’ que temos dos nossos clientes é que é difícil terem uma peça bonita e ao mesmo tempo confortável. É isso que nós conseguimos: dar conforto e design. E a coleção é transversal em termos etários – sendo um produto para um segmento médio-alto, que se inscreve no ‘casual-chick’.

O segmento menos afetado pela pandemia?

Exatamente, mantiveram poder de compra. As empresas com produtos mais dedicados a eventos sofreram mais.

Ainda mantêm o private label?

Temos algumas solicitações de private label, mas maioritariamente fazemos as nossas marcas. O peso do private label é residual.

Uma das formas de aumentar o negócio são as feiras. Qual foi o impacto da sua suspensão um pouco por todo o mundo?

Ainda estamos a absorver esse golpe da suspensão das feiras – e nós fazemos muitas feiras, foi sempre importante para a marca. Desde que fazemos feiras que a percentagem das exportações aumentou bastante e foram essenciais para fazermos a filtragem dos mercados. Para para sabermos quais foram os que aceitaram melhor a marca. Mas a pandemia não nos fez parar: ainda há pouco fizemos uma digressão por França – visitando clientes, fazendo novos contactos – e por Espanha. Não podemos parar, mesmo não havendo feiras. Há mercados mais complicados, claro – numa fase em que estávamos em expansão nos Estados Unidos, foi complicado gerir o confinamento – mas não paramos: já estamos a preparar o envio de um showroom com as novas coleções, uma vez que temos lá recursos humanos na área comercial.

O MODTISSIMO, em final de setembro, foi uma das primeiras feiras ‘desconfinadas’. Correu bem?

Muito bem. A parte do digital e a comunicação terá sido melhorada, o que permitiu o sucesso. A qualidade dos visitantes foi muito elevada – foi uma das melhores, se não mesmo a melhor edição do MODTISSIMO onde estivemos, em termos de negócios. Houve menos contactos, mas a percentagem de contactos de que resultaram negócios foi muito elevada.

As vendas online são atrativas para a empresa?

Vamos ter uma área reservada para os nossos clientes, mas a política da empresa é não ter vendas diretas no online.

Quer dizer que lojas físicas também não estão no vosso horizonte?

Não, as vendas diretas são para os nossos clientes. A nossa política é não lhes fazer concorrência e eles valorizam muito isso. Estamos, ao contrário, a pensar fazer uma experiência nos marketplaces.

Acha que a resposta do Governo à pandemia foi a adequada?

Penso que sim. Qualquer que fosse o Governo, teria feito mais ou menos o que foi feito. Houve atrasos nas medidas, mas é difícil julgar porque ninguém estava preparado para a situação. Mas acho que, nesta fase, o Governo devia ser mais pragmático. As empresas precisam de acção, tudo tem de acontecer rapidamente. Para uma empresa, uma diferença de uma semana pode ser o limite entre a subrevivência e a falência. O Governo devia chegar mais rapidamente à economia.

Nesse particular, é também importante o grau de entrosamento entre o Governo e as associações empresariais. Considera que o setor têxtil está, do ponto de vista associativo, bem representado?

O setor têxtil está muito bem representado. Por experiência própria, podemos dizer que a ação no terreno das associações com as empresas tornou possível o crescimento da marca nacional, desde logo no exterior. Por exemplo, quando iniciámos a internacionalização foi fulcral o apoio da Associação Selectiva Moda. E o trabalho em torno da pandemia e dos apoios está a ser bem feito. Temos plena confiança na nossa representação.

Como vê o futuro do sector?

Normalmente é no fim das crises que se conseguem dar passos importantes. Há uma oportunidade para as empresas portuguesas – que sempre tiveram capacidade. A competição pelo preço, que teve sempre um peso muito grande, neste momento parece estar a ser substiuído por outros fatores que podem ser um benefício para os têxteis nacionais.

Perfil

Prestes a cumprir 20 anos de existência, a Blackspider está em plena fase de crescimento e espera ultrapassar a pandemia assumindo uma posição reforçada para enfrentar aquilo a que chama o ‘ano zero’. O segredo do sucesso está em dois planos diferenciados. Por um lado, a qualidade do serviço – que é o mesmo que dizer a qualidade do acompanhamento daquilo que são as necessidades dos clientes. A flexibilidade de procedimentos e o alinhamento de toda a equipa são o segredo por trás dessa capacidade. Por outro lado, a empresa dá a máxima importância ao produto. Segmentadas no ‘casual chick’, num design apurado e no difícil casamento entre qualidade e conforto, as propostas da Blackspider, ou mais propriamente da sua marca Cristina Barros, não sentiram as dores da produção massificada nem da produção de luxo. Com os extremos do segmento do vestuário a passar grandes dificuldades, o posicionamento da marca revelou-se impermiável às piores consequências da pandemia global. Devidamente focada na modernidade, a empresa assume preocupações na área da sustentabilidade e recorre aos melhores materiais para cumprir regras que se impôs. O mercado, que cada vez mais incorpora este tipo de preocupações, agradece. A empresa assume ainda como ‘bandeira’ o facto de toda a sua produção ser 100% nacional. Com a estratégia de negócio devidamente alinhada, chegou ao momento de crescer para continuar a responder pela qualidade a que habituou os clientes.

As perguntas de
Cândido Correia
CEO da Givec

De que forma o cancelamento de feiras tem afetado os negócios da Cristina Barros? 

Para nós as feiras são extremamente importantes para a promoção da marca e principalmente abertura de novos clientes e o cancelamento das feiras veio quebrar o ritmo de crescimento em alguns mercados e influenciou negativamente a confiança dos compradores. Conseguimos minimizar as quebras através dos nossos showrooms, mas aguardamos que as feiras voltem rapidamente.

A aposta orientada para a mulher ativa é para manter ou estão a pensar diversificar para outros segmentos de mercado?  

As nossas coleções são sempre focadas na mulher, independentemente das várias fases da sua vida, sendo que a mulher ativa valoriza mais as nossas peças intemporais que são capazes de manter uma contemporaneidade, Daí que não temos pretensões de diversificar para outros segmentos de mercado.

António Dinis
CEO da Dilina Têxteis

Com a experiência da pandemia, como perspetivam o futuro das feiras nos próximos tempos?

Sentimos que as feiras estão a ficar mais fortes e que estão a reinventar-se. Vão sair mais fortes da crise da Covid-19, até porque é nos tempos de crise que as pessoas conseguem inovar e encontrar formas de superar as dificuldades. Como acredito que acontecerá com as empresas, as feiras vão sair mais fortes do embate com a pandemia.

Porque trocaram o nome Blackspider para Cristina Barros?

Tínhamos coleções de homem e senhora e decidimos focarmo-nos mais no segmento feminino. Pareceu-nos que Blackspider não era um nome tão atrativo para esse segmento. E descobrimos que afinal, no estrangeiro, um nome português é que vende. Se calhar mais que um nome em inglês, que nos mercados de língua estrangeira não é estrangeiro.

Partilhar