Jorge Fiel
José Alexandre Oliveira, 60 anos, presidente da Riopele, tem uma fé inabalável na indústria: “Sempre fui um homem do chão de fábrica. Escolhi ser industrial. Acredito na têxtil, nasci e cresci nesta área de fábrica. Sempre senti esta indústria nas veias”.
conversa com José Alexandre Oliveira decorreu na Casa dos Einsteins, um espaço amplo, onde se convivem harmoniosamente modernidade e ícones representativos de uma empresa com 88 anos de história, e que partilha com a RSF (a sua mais recente menina dos olhos) o edifício de uma antiga fiação. A grande função do líder é não deixar que as pessoas adormeçam. “Não acredito no futuro sem inovação”, explica este homem que não se cansa de fazer declarações de amor à industria têxtil.
Nós somos bons no B2B, mas menos competentes nas redes de retalho, onde quem brilha são os espanhóis. Como se resolve isso?
Ainda bem que não fomos todos para o mesmo lado. Eles apostaram no comércio. Nós na indústria. Olhamos para Espanha e vemos o formidável sucesso da Inditex, Mango e El Corte Ingles. Mas também vemos que praticamente deixou de haver manufatura – as fábricas estão cair umas atrás das outras. Nós temos um setor industrial do melhor que há no mundo, com um know-how fabuloso. Não somos dos melhores do mundo no retalho, mas somos excelentes no fabrico. E é melhor ter o controlo da produção.
Com a compra da Chocolate e da Vicri, a Riopele foi para o retalho. Foi uma aposta estratégica?
Na viragem do século, pensou-se que o crescimento da Riopele se realizaria noutras vertentes, que não apenas a industrial, e faria sentido termos uma cadeia de lojas internacional.
O que lhe pareceu na altura essa estratégia?
A principio, não me opus. Dei-lhe o benefício da dúvida. Por que não tentar?
As coisas não correram bem…
Não, a Chocolate não correu como pensávamos. Mal assumi a liderança da empresa, a primeira coisa que fiz foi estancar mais perdas. Optei por focarmo-nos naquilo que sabemos fazer e por dar mais coração e moral à Riopele, pondo um fim a algumas situações muito desagradáveis.
A Vicri é para manter?
Abandonamos a ideia de ter uma presença poderosa no retalho. Mantemos a Vicri, que é um marca importante em Portugal, mas estamos a trazê-la de volta ao ponto de partida – é um bebé com três lojas, duas no Porto e uma em Lisboa – e estamos a refletir sobre o seu futuro.
Custou-lhe deixar cair a aposta no retalho?
Sempre fui um homem da indústria, da têxtil, do chão de fábrica. A Chocolate foi um equívoco, uma distração que em quatro anos nos custou milhões de euros.
Qual é o novo caminho?
Queremos ser um grupo vertical, desde o fio à confeção, controlando diretamente toda a cadeia de valor na produção. Estamos focados no produto, com uma vertente nova, o private label, a peça confecionada. Temos um novo serviço que consiste entregar a peça acabada.
A Riopele Fashion Solutions é a chave da nova estratégia?
A RFS é um fábrica de modelagem, uma micro-confeção, onde desenvolvemos a peça, que depois mandamos produzir fora, na maioria dos casos a confeções portuguesas.
Há três anos, quando comprou as posições dos outros quatro ramos da família, estávamos em plena crise mundial e a Riopele não estava no seu melhor momento. Não foi uma operação muito arriscada?
À época, muita gente disse que eu estava louco por, aos 57 anos, estar a assumir um barco como a Riopele numa conjuntura tão adversa. Quem dizia isso não sabia do desafio que me foi feito e do apoio que me foi dado pelas instituições financeiras que viabilizaram a operação. E negligenciava o facto de se tratar da decisão de um homem apaixonado pela indústria e animado pelo sonho de transformar a Riopele numa das maiores empresas têxteis da Europa.
Não teve medo?
Nunca gostei de atirar a toalha ao chão. Aconselhei-me com amigos. Tive capacidade para apostar e ir em frente. Não é bom negócio estar a trabalhar e ser infeliz. Ora eu gosto de trabalhar e de ser feliz – e eu não estava a ser feliz …
Sentiu a Riopele a afundar-se?
A empresa estava à deriva. Senti que lhe devia dar um rumo, em homenagem ao meu avô que a fundou, e ao meu pai e ex-trabalhadores que ajudaram a construí-la e fazer dela uma grande empresa.
Clarificações são inevitáveis quando uma empresa familiar chega à 3ª geração e começam a abundar os primos, tios e cunhados?
É normal que numa família grande nem todos queiram ser a mesma coisa. Nem todos nascem para ser empresários. Há quem goste de ser médico. Há quem prefira ser advogado. Eu escolhi ser industrial. Acredito na têxtil, nasci e cresci na área desta fábrica, sempre senti esta indústria nas veias.
Qual a grande lição que tira desta sua experiência recente?
O fundamental é ter a mentalidade aberta. É dramático quando uma empresa está em crise e a sua liderança não consegue identificar a necessidade de mudança. Felizmente percebi isso, soube acolher novas ideias e ter a visão de que o centro de gravidade da Riopele tem de estar na produção.
A eleição da Riopele como a Melhor Empresa exportadora do ano de bens transacionáveis é a prova dos nove do acerto da sua estratégia?
Três anos após uma mudança de página, receber aquele prémio foi muito gratificante. Tenho imenso orgulho nele. Nunca pensei que seria capaz de conseguir tanto em tão pouco tempo. Mas atenção que isto não é só obra minha. É o resultado do trabalho de uma equipa de que eu sou apenas o porta bandeira. O troféu andou a circular na fábrica, pelas mãos de todos os que contribuíram para que o conquistássemos.
O que mudou mais?
Temos investido muito em juventude. As empresas precisam de transfusões de sangue novo, que ajudem a mudar as mentalidades. Tal como nas equipas de futebol, precisam do equilíbrio entre jovens, ambiciosos e com sangue na guelra, e veteranos, pesos pesados experientes e portadores do ADN do grupo. Eu próprio mudei muito. Dantes era mais fábrica. Agora sou mais líder criativo e passo mais tempo aqui, na Casa dos Einsteins, do que no meu gabinete.
Como vê a empresa na próxima geração?
Ontem, como hoje e amanhã, há três coisas essenciais: qualidade, produto e metodologia. Além disso, é indispensável ter a cabeça aberta e que todos percebam que hoje não podemos continuar a fazer as coisas como fazíamos há três anos – e que dentro de três anos não podemos continuar a fazer as coisas como as fazemos hoje.
É um veterano do movimento associativo, há mais de 30 anos no ativo. Porque é tão difícil o setor unir-se?
Tinha 27 anos quando fui pela primeira vez eleito dirigente da ANITAF e comecei a reunir em Gonçalo Cristóvão com os industriais da velha guarda. Na altura, o setor estava compartimentado em fiações, tinturaria, lavandaria, passamanarias, tecelagem, confeções, acabamentos, importadores, etc. Há um peso da história, Mas cedo percebi que a união era o caminho certo para termos mais força e a nossa voz ser ouvida. Por isso, impulsionei uma tentativa de unificação da representação do MTV, que seria presidido pelo Joaquim Cardoso. Falhou. Mas devagarinho o tempo vai-me dando razão.
O que impede a ITV de falar a uma só voz?
A culpa é dos empresários, que deviam participar mais na vida associativa e chamar a si a liderança do movimento. Não vejo razão para o setor não ter uma representação unida. As associações têm de ser lideradas pelos empresários. Gostava de ver sangue novo no movimento associativo. Olho para o eixo Guimarães-Barcelos-Famalicão-Santo Tirso e vejo aqui, no raio de 20 km, o coração de uma ITV forte e poderosa. Temos tudo para sermos a fábrica da Europa.
O que é preciso para consolidar esta fase de recuperação?
A receita é o produto. Se tem um produto bom e reconhecido, se não o aldrabar, não há dúvida que vai prosperar. Se não tiver o produto o melhor é esquecer. Não é a baixar o preço que vai sobreviver. A nossa fórmula é produto, inovação, criatividade, design e serviço. E o serviço é cada vez mais a pedra de toque que nos distingue dos outros. Se nos comprometemos a entregar dentro de três semanas, temos de respeitar esse prazo – e não fazer a entrega uma semana depois do prazo.
O que pensa quando ouve falar de reindustrialização?
Ser industrial não é uma coisa que se aprenda na escola. Pode e deve dar-se formação, estimular o empreendedorismo. Mas não se faz um industrial de um dia para o outro. É difícil pegar numa pessoa e dizer-lhe vais criar postos de trabalho, e deixar de dormir descansado, preocupado em como vais cobrar o que te devem e arranjar o dinheiro para pagar os salários ao fim do mês. O empreendedor é uma pessoa com punch que cria riqueza para si mas também para os outros e que se preocupa socialmente. Eu sempre que vou para cama, levo na cabeça a preocupação com o futuro de 1 200 famílias.
As feiras são fundamentais para aumentar as exportações?
São importantes e um ponto de encontro. Não vou a uma feira para vender mas para semear.
Já por mais uma vez fizeram o enterro à ITV, mas ela recusa-se a morrer. Tem futuro?
Sou do tempo em que se dizia à boca cheia que a têxtil vivia em regime de escravatura e era para acabar. Como dirigente do Eurotex e presidente do Eurocoton, ouvi comissários europeus defenderem que a têxtil e o calçado eram para deslocalizar. Respondia-lhes que assim iam acabar com a Europa. Estiveram quase… Lutei ferozmente para que a indústria não saísse da Europa. Atravessamos fases terríveis e situações dramáticas. Mas soubemos ultrapassar os obstáculos e hoje já quase toda a gente percebeu em Portugal que a têxtil é uma indústria de futuro. Pode haver um défice de comunicação e não basta savoir faire – é preciso também faire savoir. Mas tanto na têxtil como no calçado temos um know-how fabuloso e as melhores manufaturas do mundo.
Está satisfeito com o atual sistema de incentivos às empresas?
Não. Sinto que estou a assistir a um filme ao contrário. Primeiro deve haver a obra feita. Só depois deve ser dado o incentivo, o prémio a quem apresentou resultados.
Se fosse ministro da Economia, qual seria a sua primeira medida?
Primeiro reunia um grupo de bons conselheiros, pessoas do terreno que tenham sujado a roupa. Só depois de analisar bem os assuntos, começava a tomar decisões, fundamentadas e com método, evitando assim trapalhadas como a do Banco do Fomento que anda há três anos para trás e para a frente e ainda não saiu da fase do tinteiro.
José Alexandre Oliveira, 60 anos, presidente da Riopele. Nasceu e cresceu em Pousada de Saramago. Começou o Secundário no Colégio das Caldinhas (Santo Tirso), e acabou-o no Colégio dos Carvalhos. Licenciado em Gestão (Lausanne). Benfiquista encartado, faz parte do Conselho Consultivo do FC Porto. Tem duas filhas, Francisca, 16 anos, e Alexandra, 14, que é portista ferrenha e acompanha a equipa para todo o lado.
Neto do fundador da Riopele, José Dias Oliveira (que não chegou a conhecer, pois morreu em 54 e ele nasceu em 55), filho do sucessor, José Costa Oliveira, Zé Alexandre é o terceiro de uma dinastia industrial de Josés.
A indústria é a paixão da vida deste empresário, que chegou a estar matriculado na Faculdade de Direito de Lisboa, onde teria como colegas Durão Barroso, Santana Lopes, Marcelo e Garcia Pereira. Mas o 25 de Abril e as elevadas temperaturas políticas e sociais do Verão que lhe seguiu, levaram o pai a mudar-lhe a rota e mandá-lo para a Suíça, onde acamaradou com Manuel Violas. “Vendi-lhe o primeiro carro, um VW Golf GTI”. Mal regressou, foi trabalhar para a fábrica. Neste momento, dos 1 200 trabalhadores da Riopele é o quinto mais antigo.
Que expectativas tem para a evolução do negócio e exportações no próximo ano?
Na Riopele, sabemos que mais vale arriscar, tomar uma decisão do que ficar indeciso e tolhido pelo medo. Por isso estamos sempre a olhar para a frente e a preparar o ano seguinte. Não esperamos pelo Portugal 2020. Antecipamo-nos e nos últimos três anos investimos 14 milhões de euros na renovação de equipamentos. Quanto ao setor, desejo que o pior já tenha passado. Estou moderadamente otimista porque sei que nos últimos anos a maioria das empresas fez muito para se adaptar às circunstâncias e criou meios que lhes permitem encarar o futuro com entusiasmo.
Quais as principais medidas para melhorar o ambiente de negócios e aumentar a competitividade das empresas?
A principal é diminuir os custos da energia. Mas há outras medidas importantes, como o aprofundamento e irreversibilidade da flexibilização da legislação laboral. Se queremos ter dinâmica económica temos de aumentar as exportações e ser mais competitivos. O que obriga a uma disponibilidade total de todos nós – empresários, trabalhadores e sindicatos. Felizmente aqui na Riopele tenho uma excelente equipa de trabalho a todo os níveis.
A Riopele é uma empresa histórica que soube sobreviver a uma crise económica, financeira e familiar e chegar a uma fase de mudança. Qual é o segredo do sucesso da Riopele?
O segredo foi a nossa capacidade em reconhecer alguns equívocos na política da empresa, não ter medo de mudar e apostar com paixão no crescimento e nas exportações. Não podemos ficar na nossa casa à espera que os clientes nos batam à porta. Temos que saltar, de ir lá para fora ao encontro deles – e passar esta mensagem a todos os membros da nossa equipa. O segredo é também perceber que temos de acabar com a relação fornecedor cliente e passar a uma relação de parceria.
O que é que o governo saído das próximas eleições deverá fazer em prol do setor têxtil?
Há uma coisa muito positiva. Sinto que começa a haver algum respeito pelo trabalho dos empresários do setor têxtil. Mas não quero que seja o governo a dizer o que as empresas devem fazer. Os governantes não são deuses. Nós é que temos de lhes dizer o que é eles precisam de fazer para reindustrializar o país e ajudar-nos a criar mais postos de trabalho e mais riqueza. Quem percebe da têxtil e da indústria somos nós, não eles, porque eles estão sempre a mudar e nós continuamos sempre.