Joaquim Almeida
"As nossas fábricas estão super-modernas"
T30 Março 2018

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Fundada em 1979 por Joaquim Ferreira Almeida, a JF Almeida começou por fabricar telas para lençóis antes de se especializar nos felpos. Actualmente produz toda a linha de produtos de banho e mesa. Grupo vertical, emprega 580 trabalhadores e em 2017 faturou 42 milhões de euros, dos quais 92% correspondem a exportações diretas. Controla ainda 33% da Mi Casa Es Tu Casa, empresa com uma marca própria de têxteis lar que vendeu sete milhões de euros no ano passado.

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rocar o fabrico de telas para lençóis pelos felpos foi o momento decisivo da sua vida empresarial?

Foi um dos momentos de viragem. Os outros foram as decisões de investir a jusante, na tinturaria, e a montante, na fiação.

Tornar-se vertical foi estratégico?

Sempre sonhei ter um grupo vertical, que neste momento vai da preparação das fibras à expedição, passando pela fiação, tecelagem, tinturaria, acabamentos e confeção. Não foi um passo indispensável, pois quando o dei vendia todos os felpos que produzia e com boas margens.

Começou pela tinturaria …

As empresas são como as pessoas. Nascem, crescem e morrem. A determinada altura, a fábrica da Baganheira faliu e nós agarramos logo essa boa oportunidade – como já tinha licença, tornou-se tudo mais fácil.

Foi um passo importante?

Sim, porque nos permitiu reduzir custos e aumentar os níveis de serviço e qualidade.

A fiação veio mais tarde, já neste século, em 2004 … 

Foi o aproveitar de outra oportunidade – uma fiação que tinha fechado. Na altura, as fiações estavam a cair como tordos, umas atrás das outras, e toda a gente me dizia que estava doido por me meter nesse negócio. Eu próprio, às vezes à noite, quando ia para a cama, interrogava-me se não estaria mesmo doido :-).

Qual foi o racional de investir a contra-ciclo na fiação? 

Na altura já fazia umas 250 a 300 toneladas de felpos/mês e precisava de garantir a qualidade do fio. Sublinho que a questão era a qualidade, não o preço, pois podia importar fio mais barato do que o que produzia cá. Foi uma grande aposta que compensou.

o há nenhuma decisão que lamente nestes quase 40 anos que leva como empresário?

Que me lembre, não me arrependo de nada. Sinto-me um homem realizado.

Joaquim Almeida
"Nenhum cliente pesa mais que 10% das vendas"

Quando arrancou, com 19 anos, imaginava que chegaria onde chegou?

Comecei a trabalhar muito cedo, por necessidade. Quando me estabeleci por conta própria, muito jovem, com apenas 19 anos, era já uma pessoa muito ambiciosa, que só tinha um objetivo: ir mais longe, ir mais longe, ir mais longe!

E chegou longe. Começou com seis teares. Hoje tem 93, emprega 580 trabalhadores e vende 42 milhões de euros. Uma bela caminhada…

Feita com muitos sacrifícios. Antes de, em 1985, mudarmos para aqui, como tínhamos a produção espalhada por três núcleos – Moreira de Cónegos, Penha e Fafe –  não dava para termos um técnico em cada uma delas. O técnico era eu. Afinava os teares, conduzia os camiões, levava as telas aos clientes. O meu pequeno-almoço e almoço era o jantar, comido tarde e a más horas.

A aposta na exportação coincidiu com a mudança do negócio dos lençóis para os felpos?

Não. Conduzi muitos camiões com lençóis de flanela para a clientes em Espanha, com despacho em Vilar Formoso, ou seja antes de entrarmos para a CEE. Mas na altura a exportação não tinha o peso nas vendas que tem agora, em que anda nos 92%.

"Os custos com a energia são uma loucura: pesam 10% nas vendas."

Está satisfeito com a geografia das suas exportações?

Espanha, França, Alemanha, Itália, e Reino Unido são os nossos principais destinos. Mas como se trata de mercados maduros, estamos a fazer um esforço de diversificação, No Canadá, onde já temos um pé, queremos aumentar muito a nossa presença, tirando partido do CETA.

Diversificar é a palavra de ordem? 

Não só de geografía nas também de clientes. Crescer sim, mas de forma equilibrada e sustentável, ou seja sem que nenhum cliente pese mais do que 10% na nossa faturação – não só por causa do risco de crédito mas também para não ficarmos nas mãos deles.

Como está correr a experiência na Argélia?

Muito bem. A produção na nossa fábrica em Oran está agora a arrancar. O felpo vai de cá em rolo e é confeccionado lá. Numa primeira fase, a Almeida Production vai trabalhar apenas para o mercado argelino. A indústria têxtil local só cobre 6% das necessidades do mercado interno.

Há muito potencial…

Nesta fase, a fábrica pode faturar entre sete a oito milhões de euros. Mas a ideia é continuar a crescer – e muito. Vai ser uma verdadeira lança em África. Numa segunda fase, esperamos exportar a partir de lá para todo o Magreb.

Tudo azul, sem problemas?

O único problema é a formação do pessoal e a mudança da sua mentalidade. Temos um casal deslocado para lá. Ela trata da formação e ele da maquinaria. E estamos a tentar trazer para cá alguns quadros argelinos, para se aperceberam in loco da nossa dinâmica. Mas está a ser muito difícil arranjar-lhes vistos.

A crise dos finais da primeira década deste século apanhou-o a meio de fortes investimentos. Temeu não aguentar o balanço?

Nunca tive muito receio. As crises não são assim tão más. Obrigam-nos a trabalhar mais e melhor. A sermos mais eficientes, exigentes e aplicados. Ou seja, no fim do dia ficamos mais fortes e competitivos. As crises podem ser boas para as empresas.

Por que é que que logo no final da crise, investiu tanto no aumento de capacidade?

Não tinha outra hipótese. Ou crescia ou ficava pelo caminho. Quando se tem clientes como a Zara, o Carrefour e o Leclerc não podemos correr o risco de não ter capacidade de resposta para fazer face às suas encomendas.

A concorrência dos asiáticos ainda é um problema?

Não damos muito por eles. A Turquia sim, é um concorrente importante, principalmente no mercado alemão. Mas se a diferença de preço não for grande, andar apenas pelos 5%, os alemães preferem comprar cá, não só pelo serviço mas também pela mentalidade.

O fator preço ainda é decisivo?

Ainda tem muita importância. A competitividade assenta num tripé – qualidade, preço e serviço – e nós temos de estar permanentemente a melhorar em cada um desses fatores.

O que têm feito nesse sentido?

Investimos fortemente na automatização da nossa produção – de modo a produzirmos mais com menos gente e menos custos em energia – e em capacidade de armazenagem. No nosso polo logístico temos em stock cerca de 6,5 milhões de euros em mercadoria, o equivalente a 160 camiões TIR.

É uma imobilização enorme!  

Pois é. E exige muita capacidade financeira.

Planeiam investir em mais armazém?

É uma hipótese que está em cima da mesa, Uma das nossas vantagens competitivas é a capacidade de, num prazo de 24 a 48 horas, atendermos os pedidos em qualquer ponto da Europa, colocando a mercadoria nas lojas dos clientes.

É um grande trunfo?

Num momento em que as margens estão cada vez mais reduzidas, esta capacidade de resposta rápida é fundamental, até porque nessas alturas não se discute muito o preço, mas o serviço.

Quais são as desvantagens competitivas de estar em Portugal?

O grande mal é o custo da energia, que é uma loucura, que todos os anos aumenta. Pesa 10% nas vendas, o que é uma enormidade. Estamos a tentar reduzi-lo para o patamar dos 7%. A meta inicial era os 5% mas já ficaremos satisfeitos com os 7%.

Como vão conseguir chegar aos 7%?

Há dois anos, investimos 800 mil euros num aproveitamento fotovoltaico na fiação, que trabalha em contínuo, 24 horas por dia em sete dias. Está a correr muito bem, estimamos que tenha um pay back de seis anos, sete anos no máximo.

Isso é suficiente?

Não. Em Outubro, entra em funcionamento na tinturaria um motor de auto-consumo, que vai libertar água e vapor, num investimento de um milhão de euros que terá um pay back muito reduzido. E estamos a estudar um novo investimento de 800 mil euros num novo aproveitamento fotovoltaico, agora na tecelagem.

O preço e acesso ao dinheiro não vos preocupa?

Felizmente não temos qualquer preocupação a esse nível. Não nos podemos queixar da banca. No que toca a apoios financeiros, não temos tido problemas. Antes pelo contrário – até temos apoios a mais :-).

E no capitulo da mão de obra? Têm sofrido com a escassez da oferta?

Há uma grande dificuldade em contratar gente para trabalhar ao lado das máquinas. Chegamos a ter uns 50 a 60 ucranianos. E agora temos recorrido a mão de obra importada do Bangladesh, estando já em cima da mesa também a contratação de engenheiros têxteis. Nós damos prioridade aos portugueses mas não podemos ficar de braços cruzados.

Olhando para trás, não tem dúvidas de que compensou ter diversificado para a fiação e tinturaria?

Sem sombra de dúvidas. É frequente na nossa indústria um determinado subsetor estar pior enquanto outro está bem. Estando em todas as frentes conseguimos equilibrar melhor o barco. Além de que esses investimentos rentabilizam-se: 40% da produção da fiação e 50% da tinturaria são vendidas para fora.

Em 2016, o programa de investimentos era de três milhões e acabou por chegar aos sete milhões? Como é que isso aconteceu?

É como quando se fazem obras em casa… Os 24 novos teares pediram novas instalações, mais produção da fiação, decidimos investir num open end, a tinturaria passou a receber mais produto, e por aí adiante. A aposta em tecnologia moderna e no aumento da capacidade deixa-nos sempre mais fortes. E no ano passado voltamos a investir mais sete milhões.

E qual é o programa para este ano?

As nossas fábricas estão super-modernas, por isso este ano investiremos apenas 3,5 milhões. Entre outras coisas, vamos substituir 12 teares por outros mais modernos, que produzem 10% mais com menos custos de mão de obra e energia.

Os seus quatro filhos já trabalham na JF Almeida. Está a preparar a passagem de testemunho?

Não penso reformar-me tão cedo, Ainda estou ai para as curvas :-). Mas sempre apostei em gente jovem com ambição. Os meus filhos mostram interesse na empresa e entendem-se bem. Estão cada um em seu setor, o que evita choques. O futuro é deles.

Como vê o seu grupo em 2020?

Mais sólido e estabilizado. Agora o nosso objetivo não é crescer muito em volume, mas em rentabilidade. Os fios tintos, a marca própria Mi Casa Es Tu Casa e a hotelaria são os segmentos do nosso negócio onde a margem de crescimento é maior.

Perfil

58 anos, nasceu em Moreira de Cónegos, sendo o mais velho dos quatro filhos (dois rapazes e duas raparigas) do matrimónio entre Maria da Conceição Ferreira e António de Almeida, que se estabeleceram com uma fabriqueta que produzia colchas e cobertores. Concluído o Ciclo Preparatório, feito em Guimarães, começou a ajudar na fábrica dos pais durante o dia, enquanto à noite prosseguia os estudos na Escola Industrial. Tinha 12 anos quando começou a trabalhar. “Fiz de tudo, desde tecelão a urdidor, passando por motorista. Só não fui confeccionador”, recorda Joaquim, que em 1979, com apenas 19 anos, deu o grito do Ipiranga, fundando a JF Almeida.

As perguntas de
Pedro Macedo Leão
Delegado do AICEP em Berlim

Há décadas que visito a Heimtextil e é absolutamente impressionante a evolução a que tenho vindo a assistir nos nossos têxteis lar. A que se deve esse sucesso?

As sucessivas crises que tivemos de enfrentar e ultrapassar deixaram-nos sempre mais fortes. Obrigaram-nos a ser cada vez mais eficientes, a preocuparmo-nos permanentemente não só com a qualidade do produto final e das matérias primas que usamos, mas também com o desenho, os acabamentos e o serviço. O resultado é que nos felpos somos sem dúvida os melhores do mundo e o made in Portugal tornou-se uma referência no mercado mundial. As crises podem ser boas.

A buzzword do momento na Alemanha é a industria 4.0. As empresas estão a acompanhar a evolução tecnológica?

Já não é de agora que temos essa preocupação. Há um par de anos que nós, na  JF Almeida, investimos na automatização, para produzirmos cada vez mais com menos custos. A evolução foi tremenda. A semana passada tivemos cá uma equipa de um banco. No final confessaram-nos que tinham ficado alucinados com o que viram.

Cristina Terra da Motta
Representante em Portugal da Messe Frankfurt

Participar na Heimtextil contribuiu certamente para que a JF Almeida se tornasse uma empresa reconhecida internacionalmente. Que aprendizagens fizeram com a participação regular nesta feira?

Há mais de 20 anos que vamos à Heimtextil. Foi uma feira fundamental para o reconhecimento internacional da nossa empresa. Trouxemos de lá muitos clientes e aprendemos muita coisa. Sem dúvida, a Heimextil foi muito importante para o nosso desenvolvimento e evolução.

Há cinco anos criaram a marca Mi Casa Es Tu Casa. Foi uma boa aposta?

Foi uma grande aposta, que nasceu a partir de uma ideia de um quadro da JF Almeida. A Mi Casa Es Tu Casa tem uma oferta coordenada de roupa de cama e felpos. Na roupa de cama, faz a criação e o corte e colocamos a produção fora. Tem tido um crescimento espetacular. O ano passado fez um volume de negócio de sete milhões de euros – 100% na exportação. A França é o principal mercado. É uma marca que está com uma dinâmica formidável e cheia de ganas para crescer.

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