T
Fundada em 1979 por Joaquim Ferreira Almeida, a JF Almeida começou por fabricar telas para lençóis antes de se especializar nos felpos. Actualmente produz toda a linha de produtos de banho e mesa. Grupo vertical, emprega 580 trabalhadores e em 2017 faturou 42 milhões de euros, dos quais 92% correspondem a exportações diretas. Controla ainda 33% da Mi Casa Es Tu Casa, empresa com uma marca própria de têxteis lar que vendeu sete milhões de euros no ano passado.
rocar o fabrico de telas para lençóis pelos felpos foi o momento decisivo da sua vida empresarial?
Foi um dos momentos de viragem. Os outros foram as decisões de investir a jusante, na tinturaria, e a montante, na fiação.
Tornar-se vertical foi estratégico?
Sempre sonhei ter um grupo vertical, que neste momento vai da preparação das fibras à expedição, passando pela fiação, tecelagem, tinturaria, acabamentos e confeção. Não foi um passo indispensável, pois quando o dei vendia todos os felpos que produzia e com boas margens.
Começou pela tinturaria …
As empresas são como as pessoas. Nascem, crescem e morrem. A determinada altura, a fábrica da Baganheira faliu e nós agarramos logo essa boa oportunidade – como já tinha licença, tornou-se tudo mais fácil.
Foi um passo importante?
Sim, porque nos permitiu reduzir custos e aumentar os níveis de serviço e qualidade.
A fiação veio mais tarde, já neste século, em 2004 …
Foi o aproveitar de outra oportunidade – uma fiação que tinha fechado. Na altura, as fiações estavam a cair como tordos, umas atrás das outras, e toda a gente me dizia que estava doido por me meter nesse negócio. Eu próprio, às vezes à noite, quando ia para a cama, interrogava-me se não estaria mesmo doido :-).
Qual foi o racional de investir a contra-ciclo na fiação?
Na altura já fazia umas 250 a 300 toneladas de felpos/mês e precisava de garantir a qualidade do fio. Sublinho que a questão era a qualidade, não o preço, pois podia importar fio mais barato do que o que produzia cá. Foi uma grande aposta que compensou.
Não há nenhuma decisão que lamente nestes quase 40 anos que leva como empresário?
Que me lembre, não me arrependo de nada. Sinto-me um homem realizado.
Quando arrancou, com 19 anos, imaginava que chegaria onde chegou?
Comecei a trabalhar muito cedo, por necessidade. Quando me estabeleci por conta própria, muito jovem, com apenas 19 anos, era já uma pessoa muito ambiciosa, que só tinha um objetivo: ir mais longe, ir mais longe, ir mais longe!
E chegou longe. Começou com seis teares. Hoje tem 93, emprega 580 trabalhadores e vende 42 milhões de euros. Uma bela caminhada…
Feita com muitos sacrifícios. Antes de, em 1985, mudarmos para aqui, como tínhamos a produção espalhada por três núcleos – Moreira de Cónegos, Penha e Fafe – não dava para termos um técnico em cada uma delas. O técnico era eu. Afinava os teares, conduzia os camiões, levava as telas aos clientes. O meu pequeno-almoço e almoço era o jantar, comido tarde e a más horas.
A aposta na exportação coincidiu com a mudança do negócio dos lençóis para os felpos?
Não. Conduzi muitos camiões com lençóis de flanela para a clientes em Espanha, com despacho em Vilar Formoso, ou seja antes de entrarmos para a CEE. Mas na altura a exportação não tinha o peso nas vendas que tem agora, em que anda nos 92%.
Está satisfeito com a geografia das suas exportações?
Espanha, França, Alemanha, Itália, e Reino Unido são os nossos principais destinos. Mas como se trata de mercados maduros, estamos a fazer um esforço de diversificação, No Canadá, onde já temos um pé, queremos aumentar muito a nossa presença, tirando partido do CETA.
Diversificar é a palavra de ordem?
Não só de geografía nas também de clientes. Crescer sim, mas de forma equilibrada e sustentável, ou seja sem que nenhum cliente pese mais do que 10% na nossa faturação – não só por causa do risco de crédito mas também para não ficarmos nas mãos deles.
Como está correr a experiência na Argélia?
Muito bem. A produção na nossa fábrica em Oran está agora a arrancar. O felpo vai de cá em rolo e é confeccionado lá. Numa primeira fase, a Almeida Production vai trabalhar apenas para o mercado argelino. A indústria têxtil local só cobre 6% das necessidades do mercado interno.
Há muito potencial…
Nesta fase, a fábrica pode faturar entre sete a oito milhões de euros. Mas a ideia é continuar a crescer – e muito. Vai ser uma verdadeira lança em África. Numa segunda fase, esperamos exportar a partir de lá para todo o Magreb.
Tudo azul, sem problemas?
O único problema é a formação do pessoal e a mudança da sua mentalidade. Temos um casal deslocado para lá. Ela trata da formação e ele da maquinaria. E estamos a tentar trazer para cá alguns quadros argelinos, para se aperceberam in loco da nossa dinâmica. Mas está a ser muito difícil arranjar-lhes vistos.
A crise dos finais da primeira década deste século apanhou-o a meio de fortes investimentos. Temeu não aguentar o balanço?
Nunca tive muito receio. As crises não são assim tão más. Obrigam-nos a trabalhar mais e melhor. A sermos mais eficientes, exigentes e aplicados. Ou seja, no fim do dia ficamos mais fortes e competitivos. As crises podem ser boas para as empresas.
Por que é que que logo no final da crise, investiu tanto no aumento de capacidade?
Não tinha outra hipótese. Ou crescia ou ficava pelo caminho. Quando se tem clientes como a Zara, o Carrefour e o Leclerc não podemos correr o risco de não ter capacidade de resposta para fazer face às suas encomendas.
A concorrência dos asiáticos ainda é um problema?
Não damos muito por eles. A Turquia sim, é um concorrente importante, principalmente no mercado alemão. Mas se a diferença de preço não for grande, andar apenas pelos 5%, os alemães preferem comprar cá, não só pelo serviço mas também pela mentalidade.
O fator preço ainda é decisivo?
Ainda tem muita importância. A competitividade assenta num tripé – qualidade, preço e serviço – e nós temos de estar permanentemente a melhorar em cada um desses fatores.
O que têm feito nesse sentido?
Investimos fortemente na automatização da nossa produção – de modo a produzirmos mais com menos gente e menos custos em energia – e em capacidade de armazenagem. No nosso polo logístico temos em stock cerca de 6,5 milhões de euros em mercadoria, o equivalente a 160 camiões TIR.
É uma imobilização enorme!
Pois é. E exige muita capacidade financeira.
Planeiam investir em mais armazém?
É uma hipótese que está em cima da mesa, Uma das nossas vantagens competitivas é a capacidade de, num prazo de 24 a 48 horas, atendermos os pedidos em qualquer ponto da Europa, colocando a mercadoria nas lojas dos clientes.
É um grande trunfo?
Num momento em que as margens estão cada vez mais reduzidas, esta capacidade de resposta rápida é fundamental, até porque nessas alturas não se discute muito o preço, mas o serviço.
Quais são as desvantagens competitivas de estar em Portugal?
O grande mal é o custo da energia, que é uma loucura, que todos os anos aumenta. Pesa 10% nas vendas, o que é uma enormidade. Estamos a tentar reduzi-lo para o patamar dos 7%. A meta inicial era os 5% mas já ficaremos satisfeitos com os 7%.
Como vão conseguir chegar aos 7%?
Há dois anos, investimos 800 mil euros num aproveitamento fotovoltaico na fiação, que trabalha em contínuo, 24 horas por dia em sete dias. Está a correr muito bem, estimamos que tenha um pay back de seis anos, sete anos no máximo.
Isso é suficiente?
Não. Em Outubro, entra em funcionamento na tinturaria um motor de auto-consumo, que vai libertar água e vapor, num investimento de um milhão de euros que terá um pay back muito reduzido. E estamos a estudar um novo investimento de 800 mil euros num novo aproveitamento fotovoltaico, agora na tecelagem.
O preço e acesso ao dinheiro não vos preocupa?
Felizmente não temos qualquer preocupação a esse nível. Não nos podemos queixar da banca. No que toca a apoios financeiros, não temos tido problemas. Antes pelo contrário – até temos apoios a mais :-).
E no capitulo da mão de obra? Têm sofrido com a escassez da oferta?
Há uma grande dificuldade em contratar gente para trabalhar ao lado das máquinas. Chegamos a ter uns 50 a 60 ucranianos. E agora temos recorrido a mão de obra importada do Bangladesh, estando já em cima da mesa também a contratação de engenheiros têxteis. Nós damos prioridade aos portugueses mas não podemos ficar de braços cruzados.
Olhando para trás, não tem dúvidas de que compensou ter diversificado para a fiação e tinturaria?
Sem sombra de dúvidas. É frequente na nossa indústria um determinado subsetor estar pior enquanto outro está bem. Estando em todas as frentes conseguimos equilibrar melhor o barco. Além de que esses investimentos rentabilizam-se: 40% da produção da fiação e 50% da tinturaria são vendidas para fora.
Em 2016, o programa de investimentos era de três milhões e acabou por chegar aos sete milhões? Como é que isso aconteceu?
É como quando se fazem obras em casa… Os 24 novos teares pediram novas instalações, mais produção da fiação, decidimos investir num open end, a tinturaria passou a receber mais produto, e por aí adiante. A aposta em tecnologia moderna e no aumento da capacidade deixa-nos sempre mais fortes. E no ano passado voltamos a investir mais sete milhões.
E qual é o programa para este ano?
As nossas fábricas estão super-modernas, por isso este ano investiremos apenas 3,5 milhões. Entre outras coisas, vamos substituir 12 teares por outros mais modernos, que produzem 10% mais com menos custos de mão de obra e energia.
Os seus quatro filhos já trabalham na JF Almeida. Está a preparar a passagem de testemunho?
Não penso reformar-me tão cedo, Ainda estou ai para as curvas :-). Mas sempre apostei em gente jovem com ambição. Os meus filhos mostram interesse na empresa e entendem-se bem. Estão cada um em seu setor, o que evita choques. O futuro é deles.
Como vê o seu grupo em 2020?
Mais sólido e estabilizado. Agora o nosso objetivo não é crescer muito em volume, mas em rentabilidade. Os fios tintos, a marca própria Mi Casa Es Tu Casa e a hotelaria são os segmentos do nosso negócio onde a margem de crescimento é maior.
58 anos, nasceu em Moreira de Cónegos, sendo o mais velho dos quatro filhos (dois rapazes e duas raparigas) do matrimónio entre Maria da Conceição Ferreira e António de Almeida, que se estabeleceram com uma fabriqueta que produzia colchas e cobertores. Concluído o Ciclo Preparatório, feito em Guimarães, começou a ajudar na fábrica dos pais durante o dia, enquanto à noite prosseguia os estudos na Escola Industrial. Tinha 12 anos quando começou a trabalhar. “Fiz de tudo, desde tecelão a urdidor, passando por motorista. Só não fui confeccionador”, recorda Joaquim, que em 1979, com apenas 19 anos, deu o grito do Ipiranga, fundando a JF Almeida.
Há décadas que visito a Heimtextil e é absolutamente impressionante a evolução a que tenho vindo a assistir nos nossos têxteis lar. A que se deve esse sucesso?
As sucessivas crises que tivemos de enfrentar e ultrapassar deixaram-nos sempre mais fortes. Obrigaram-nos a ser cada vez mais eficientes, a preocuparmo-nos permanentemente não só com a qualidade do produto final e das matérias primas que usamos, mas também com o desenho, os acabamentos e o serviço. O resultado é que nos felpos somos sem dúvida os melhores do mundo e o made in Portugal tornou-se uma referência no mercado mundial. As crises podem ser boas.
A buzzword do momento na Alemanha é a industria 4.0. As empresas estão a acompanhar a evolução tecnológica?
Já não é de agora que temos essa preocupação. Há um par de anos que nós, na JF Almeida, investimos na automatização, para produzirmos cada vez mais com menos custos. A evolução foi tremenda. A semana passada tivemos cá uma equipa de um banco. No final confessaram-nos que tinham ficado alucinados com o que viram.
Participar na Heimtextil contribuiu certamente para que a JF Almeida se tornasse uma empresa reconhecida internacionalmente. Que aprendizagens fizeram com a participação regular nesta feira?
Há mais de 20 anos que vamos à Heimtextil. Foi uma feira fundamental para o reconhecimento internacional da nossa empresa. Trouxemos de lá muitos clientes e aprendemos muita coisa. Sem dúvida, a Heimextil foi muito importante para o nosso desenvolvimento e evolução.
Há cinco anos criaram a marca Mi Casa Es Tu Casa. Foi uma boa aposta?
Foi uma grande aposta, que nasceu a partir de uma ideia de um quadro da JF Almeida. A Mi Casa Es Tu Casa tem uma oferta coordenada de roupa de cama e felpos. Na roupa de cama, faz a criação e o corte e colocamos a produção fora. Tem tido um crescimento espetacular. O ano passado fez um volume de negócio de sete milhões de euros – 100% na exportação. A França é o principal mercado. É uma marca que está com uma dinâmica formidável e cheia de ganas para crescer.