Jorge Fiel e Isabel Cristina Costa
Joana Ribeiro da Silva, 43 anos, administradora da Sonae SR, está otimista: “Com o aumento das compras inseason, a exigência de séries mais curtas e um time to market cada vez menor, aumentou a relevância da proximidade entre produtores e retalhistas e a ITV portuguesa voltou a ter um nível de competitividade único”
esponsável pela maior cadeia portuguesa de vestuário (MO) e pela mais internacional das nossas marcas de roupa infantil (Zippy), Joana Ribeiro da Silva, administradora da Sonae SR, não tem dúvidas: a ITV tem feitos grandes progressos e os ventos que sopram são-lhe favoráveis, mas é preciso investir em modernização e inovação, obter ganhos de escala e de produtividade, para reforçar a competitividade otimizando a relação qualidade/preço.
Com base na vossa colaboração com o CITEVE, numa escala da zero a vinte, quantos valores daria à nossa i&d no setor?
15 valores. No último ano, a Sonae investiu 96 milhões de euros em inovação, investigação e desenvolvimento. Defendemos uma política de inovação aberta, estabelecendo relações de cooperação e partilha de conhecimento com instituições académicas e científicas. Daí trabalharmos com instituições como o CITEVE.
A produção portuguesa vale que percentagem da vossa oferta?
O peso varia de coleção para coleção, situando-se habitualmente entre os 20 e 30%.
Está a aumentar ou diminuir? Porquê?
Com o aumento das compras inseason, compras dentro da própria coleção como resposta a oportunidades e necessidades dos clientes, há uma tendência de aumento das compras nos mercados de proximidade.
Quais são os vossos critérios na seleção de fornecedores?
Procuramos trabalhar com fornecedores que nos garantam a qualidade mas que também sejam capazes de contribuir para o processo de inovação e de criação de vantagens competitivas, seja ao nível das características do produto seja ao nível do preço.
Como avalia a nossa ITV?
Teve um período de alguma estagnação há uns anos atrás, mas a evolução recente tem sido clara, embora ainda com espaço para progressão. O surgimento de organizações como o CITEVE gera valor e abre portas para o desenvolvimento futuro. Mas para as empresas garantirem a sua sustentabilidade, é preciso que continuem a acompanhar as tendências e melhorem a competitividade.
Quais são os seus pontos fortes?
A qualidade é uma vantagem inquestionável. Os fabricantes nacionais tendem a produzir com altos padrões de qualidade e, muitos, com elevado grau de inovação. Além disso, beneficiam de uma localização ímpar para servir o mercado europeu. Com o crescimento das coleções inseason e a exigência de produção de séries mais curtas e com um time to market menor, a proximidade entre produtores e retalhistas tem aumentado a relevância da nossa ITV e faz com que ela volte a ter um nível de competitividade único.
E os fracos?
O setor necessita de investir para conseguir ganhos de escala e reforçar a sua competitividade. Adicionalmente, precisa de reforçar a relação qualidade/preço, de forma a distinguir-se de mercados mais emergentes que também estão a efetuar progressos em termos de qualidade entregue.
O que acha a ITV portuguesa deveria fazer para aumentar a competitividade?
Primeiro, é essencial modernizar, introduzindo equipamentos novos para conseguir aumentos de produtividade, ganhos de escala na produção e alcançar patamares de preço mais competitivos. Segundo, é preciso que a ITV seja capaz inovar e disponibilizar soluções de valor acrescentado aos clientes. Por fim, é necessário que os vários players do setor cooperem para melhorarem o posicionamento e promover o setor. A indústria do calçado tem sido, nessa matéria, um exemplo.
A Temasa-Têxtil do Marco, do grupo Sonae, é apenas mais um fornecedor ou vale mais do que isso?
A Temasa é um importante parceiro tecnológico e de inovação, pois tem um forte conhecimento ao nível do desenvolvimento do produto e da produção. Ajuda-nos a solidificar a consistência da oferta e a corresponder a um mercado que exige atualizações constantes, às vezes com um ritmo semanal.
Qual é o peso da Temasa na vossa oferta global?
O peso não é significativo no volume total de compras da Zippy e da MO, dada a dimensão destes negócios de retalho. A Zippy tem mais de 100 lojas e 179 pontos de vendas wholesale, em mais de 40 países. A MO conta com 113 lojas em Portugal e mais dez no estrangeiro.
O que mudou na puericultura e roupa para criança desde que a Joana foi bebé e criança?
Muita coisa. Hoje há uma oferta muito mais alargada, uma maior aposta em estilo e moda, uma qualidade e conforto superiores nos produtos oferecidos, uma maior preocupação com a segurança e preços muito mais competitivos.
Os consumidores estão muito recetivos a produtos inovadores?
Estão mais atentos e informados, e dão cada vez mais valor a produtos com valor acrescentado, o que estimulou a Zippy a reforçar a oferta, com linhas inovadoras como a antibacteriana para bebés, a repelente de insetos ou a de proteção UV, bem como com as t-shirts que mudam de cor com o calor. A inovação é uma aposta da Zippy e estamos em continuidade a analisar e testar outras soluções para acrescentarmos cada vez mais valor aos nossos produtos.
O rebranding da Modalfa em MO foi o cortar do cordão umbilical com as origens nas prateleiras dos Continente?
O rebranding corresponde a uma mudança na proposta de valor global que se traduz numa nova marca, mais viva, alegre, segura e próxima dos clientes, que oferece produtos com mais estilo e a bom preço. Representa ainda um novo conceito de loja, onde o produto é o centro e onde a boa experiência do cliente é o aspeto mais importante.
A MO é a Zara portuguesa?
Sendo a Zara um caso de sucesso internacional e uma referência incontornável, sentimo-nos honrados com a comparação. A MO é a maior cadeia de lojas portuguesas de vestuário, com um modelo de negócio que apresenta algumas semelhanças com o da Zara. Ambas oferecem moda a preços acessíveis com novidades constantes, pertencem a grandes grupos nos seus países e estão no mercado de forma sólida e sustentada há vários anos.
Quando é que a MO vai viajar para fora?
Apesar de termos lojas em Espanha, Bulgária, Moçambique e Arábia Saudita, a rede MO é essencialmente portuguesa. A estratégia de crescimento assenta em dois pilares: reforço da posição competitiva em Portugal e internacionalização. Até agora temos estado focados no reposicionamento da marca, e já temos o novo conceito implementado em 36 lojas. A internacionalização ainda não é prioritária.
Que peças MO tem no seu guarda-roupa?
Várias, mais formais ou informais, que uso muitas vezes, fruto da sua intemporalidade e qualidade. No Inverno, gosto especialmente dos tricotados e casacos de pelo. No Verão, das túnicas e dos vestidos leves.
Nós somos bons na indústria, mas fracos no retalho, ao contrário dos espanhóis, que têm marcas e cadeias líderes a nível mundial. Por que é que começaram por Espanha a internacionalização da Zippy?
Na Sonae MC e SR somos essencialmente especialistas em retalho e a Zippy tem essa herança. Dada a proximidade física e cultural, Espanha é o espaço natural de crescimento das nossas empresas. Adicionalmente, é um mercado muito forte na área da moda, captando a atenção de todos os que têm interesse no setor. Estarmos lá permite-nos não só explorar o potencial do mercado espanhol mas também ajuda-nos a abrir as portas da expansão para fora da Península Ibérica.
Em Espanha planeiam crescer com lojas próprias ou optarão também por corners no El Corte Inglés?
A estratégia da Zippy em Espanha passa por um aprofundamento da relação com o El Corte Inglês, onde já estamos presente atualmente em 13 lojas, e pela otimização do parque de lojas, implementando o novo conceito que tem proporcionado resultados muito positivos.
A geografia de expansão internacional da Zippy privilegia os mercados periféricos e emergentes em detrimento dos mercados maduros?
Os produtos Zippy estão em mercados exigentes e maduros como Alemanha, Finlândia, Itália, Irlanda ou Bélgica, mas também em países como a China, o Azerbaijão ou a República Dominicana. A estratégia de crescimento internacional passa precisamente por essa combinação da presença em mercados maduros com a entrada de economias em desenvolvimento.
A compra do grossista espanhol Losan correspondeu ao aproveitamento de uma oportunidade de negócio ou à concretização de um objetivo estratégico que já perseguiam?
Ambos. No entanto, é importante realçar que a Zippy e a Losan continuarão a ser negócios independentes e com gestão autónoma, seguindo estratégias próprias.
Essa aquisição significa que a América Latina é uma prioridade?
É um mercado onde estamos e ambicionamos aumentar a nossa presença. Em 2015 celebrámos um acordo para termos produtos Zippy em mais de uma dezena de pontos de venda em quatro países da região: Venezuela, Republica Dominicana, St. Maarten e Equador.
Qual é loja Zippy que mais vende em Portugal? E no estrangeiro?
As que mais vendem em Portugal são as do Norteshopping e do Colombo. A nível internacional, são as lojas da Arábia Saudita no Mall of Daharam e Mall of Arábia, em Jeddah.
É possível construir uma rede de retalho sem estar nos shoppings?
Os centros comerciais fazem parte dos hábitos sociais e de consumo dos portugueses, pelo que a presença nestes espaços é crítica para o crescimento com dimensão de uma marca de retalho de vestuário. Há países em que essa realidade não é tão vincada e as lojas de rua assumem maior protagonismo que em Portugal. Mesmo assim, os centros comerciais têm vindo a ganhar expressão globalmente e as grandes marcas estão lá.
A tendência para o declínio do comércio de rua está a inverter-se em Portugal?
O comércio de rua tem vindo a revitalizar-se. Portugal, pelo seu clima, tem um potencial enorme para este tipo de comércio e acredito que a tendência será de crescimento. Para isso, será necessário continuar a investir na recuperação dos espaços urbanos mais propícios ao lazer e ao comércio.
Como estão a evoluir as lojas online?
O online tem crescido de forma incrível nos últimos anos. A Zippy e a MO lançaram os seus sites online há cerca de um ano e as vendas têm superado as nossas melhores expectativas.
Tem uma ideia de como serão as lojas no futuro, em 2025, por exemplo?
Mais do que espaços comerciais, serão espaços de experiências, com serviços cada vez mais personalizados e a incorporação de tecnologia para facilitar o processo de compra. Exemplo disso é o novo conceito da loja da Zippy – que ganhou o prémio Popai Award U&K and Irland 2015, na categoria de inovação -, assente na felicidade da experiência de compra para pais e filhos. As novas lojas Zippy convidam à brincadeira ao proporcionarem paredes com sons de animais, túneis nos equipamentos, jogos multimédia, máquinas onde as crianças podem encher balões, etc…
Joana Ribeiro da Silva, 43 anos, nasceu no Porto, mas em miúda, por via das raízes e trabalhos dos pais, andou entre Barcelos e Viana. Na adolescência gostava de pintar e ainda chegou a pensar em Arquitetura antes de se matricular na FEUP e tornar-se engenheira química, tal como a mãe (Isolete Matos, uma especialista na fileira florestal, de renome mundial) e o fundador do grupo Sonae.
Talvez tenha sido em Valência, durante o Erasmus, que percebeu que não queria ir trabalhar para uma fábrica. O que explica o primeiro emprego na Andersen Consulting, que implicou mudar para o Lisboa o seu centro de gravidade.
Demorou-se dois anos como consultora, trabalhando com bancos e cadeias alimentares, até que resolveu mandar o curriculum aos Recursos Humanos da Sonae, por achar que esse seria o melhor atalho para regressar ao Porto e dar um novo e decisivo fôlego à sua carreira profissional.
Foi há 20 anos e tudo leva a crer que estava carregadinha de razão. Debutou no Banco Universo, passou pelo Marketing da Otimus e (entre outras coisas) esteve ligada aos projetos Kangoroo e dos portais verticais Exit, até aterrar no retalho de vestuário, como responsável pelas marcas Modalfa (que ela rebatizou MO) e Zippy – o que até não é estranho, pois o avô materno era comerciante têxtil, em Barcelos. Tem o MBA pela EGP e dos filhos, Gonçalo, 13 anos, e Mafalda, dez.
Sendo a Sonae um grande grupo económico, está nos vossos planos uma expansão maior da Zippy e MO no mercado europeu, ou até mundial, como o fizeram a Inditex ou H&M?
A internacionalização é um eixo prioritário na estratégia da Sonae, que procura capitalizar as suas competências e marcas. A Zippy é já hoje a marca portuguesa de vestuário para crianças mais internacional, gerando cerca de metade das receitas no exterior e tendo uma presença global, ao disponibilizar os seus produtos em mais de 40 países. A MO está a iniciar o processo de abertura a novos mercados, estando hoje em cinco países. Na internacionalização temos privilegiado formatos capital light, em especial o franchising, mas também o wholesale.
Qual é a importância do made in Portugal para as vossas marcas?
A prioridade da Zippy e da MO é servir bem os seus clientes, oferecendo produtos que conjugam qualidade e design, com bons preços. Acreditamos que a marca “Portugal” tem valor no setor têxtil, pelo que temos relações de proximidade com produtores nacionais, onde temos cerca de 20 a 30% da produção total. Além disso, as nossas equipas de design estão em Portugal, maximizando o valor para a nossa economia.
Em 2014, a Sonae, em parceria com a ESAD, organizou o concurso MO Fashion Challenge. A aluna vencedora estagiou seis meses convosco. Não faria sentido repetir anualmente essa iniciativa?
Todos os anos acolhemos jovens talentos para estágios profissionais, permitindo-lhes conhecer por dentro a realidade empresarial, aplicar conhecimentos e desenvolver novas competências. No fim dos estágios, vários desses jovens são convidados a integrar as equipas. É algo que nos satisfaz e que continuaremos a fazer. O formato é todos os anos ajustado às necessidades das marcas, mas uma parceria como a do MO Fashion Challenge faz certamente sentido repetir.
Como responsável de duas marcas de moda nacional, tem presença assídua nas apresentações de jovens designers no espaço Bloom do Portugal Fashion e no Sangue Novo da Moda Lisboa?
Desenvolvemos produtos para clientes de vários países, com uma coleção base comum e coleções mais pequenas adaptadas a cada mercado. O que nos obriga a visitas permanentes a feiras internacionais, a viajar para conhecer bem os mercados e o que de melhor se faz a nível mundial, a seguir os melhores sites de tendências, acompanhar bloggers, etc… Portugal e o que de bem se faz no nosso país é também alvo de muita atenção.