Conceição Dias
“É durante as crises que se deve investir”
T9 Maio 2016

Jorge Fiel

Conceição Dias, 55 anos, presidente do grupo DiasTêxtil/Sonix, está preocupada com a escassez de mão-de-obra e quadros especializados: “Por este andar ainda vamos ter encomendas e não ter quem as produza”

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onceição Dias é uma self made woman, que começou a trabalhar como aprendiz de costureira (“Foi uma boa escola para mim”, garante) e agora, 42 anos volvidos, lidera o grupo DiasTêxtil/Sonix, com o centro de gravidade entre Barcelos e Viana do Castelo, que controla toda o ciclo de produção de malhas, dá trabalho a 1500 pessoas  (direta e indiretamente) e fatura mais de 60 milhões de euros, dos quais 97% no mercado externo.

 

O que a levou a tornar-se empresária com 23 anos?

O gosto pela têxtil, que foi o meu primeiro trabalho, e a ambição de ser empresária. Quando soube que havia cinco máquinas à venda, fui logo vê-las e comprei-as na hora. Às vezes, pensar de mais só atrapalha :-).

Em 1984, quando arrancou como empresária, sonhava que podia chegar onde chegou?

Nem por sombras. Os primeiros tempos foram muito duros. Não havia trabalho e as raparigas passavam muitos dias a lerem revistas e no tricot, pois não tinham mais nada para fazer. Passei muitas noites sem dormir, a pensar como havia de arranjar dinheiro para pagar às funcionárias e aos fornecedores. Privei-me de muita coisa, mas nunca faltei aos meus compromissos.

Qual foi o momento mais gratificante da sua vida profissional?

Quando, em 1992, comprei por 15 mil contos a Rineiva, a fábrica onde tinha começado a trabalhar como costureira, com 13 anos. A minha ex-patroa veio ter comigo a oferecer-me a empresa e eu não pensei duas vezes…

As razões afetivas pesaram?

Foi um decisão racional. Comprei porque senti que era um bom negócio – e não me enganei. Entre as 40 pessoas que trabalhavam na Rineiva havia especialistas em ponto corrido. Nessa altura já fornecida a Next, que sempre foi um cliente muito exigente, e vi logo que com esta aquisição podia fazer artigos mais complicados e iria ter mais abertura no futuro.

Conceição Dias
"Sou capaz de trabalhar com qualquer máquina e fazer uma peça do princípio ao fim."

Quando teve a certeza que tinha feito bem em arriscar toda a sua poupança numa pequena fábrica?

Ao fim de cinco anos, quando comecei a exportar e recebi uma grande encomenda do catálogo Trois Suisses.

Ainda é capaz de ir trabalhar para uma máquina?

Claro. É como conduzir. Não se esquece. Sou capaz de trabalhar com qualquer máquina e fazer uma peça do princípio ao fim.

Isso é uma vantagem?

É bastante útil quando se trata de fixar objetivos de produção. Ajuda a compreender as dificuldades dos colaboradores e a explicar aos clientes porque é que fazemos a peça de uma determinada maneira e não de outra. É uma vantagem perceber se é possível fazer mais e melhor, se os trabalhadores ainda têm mais para dar, ou se já estamos a laborar no limite máximo. Para exigir, uma pessoa tem de saber como é que se faz. Todos os industriais deviam ter sido operários, para melhor sentirem as dificuldades e saberem definir o trajeto da sua empresa.

“A nossa fábrica na Tunísia permite-nos servir clientes que não seria possível manter só com produção em Portugal”

Enfrentar a concorrência asiática, após a abertura da OMC, foi o momento mais difícil da sua vida de empresária?

O pior período foi em 2005/06, quando as empresas começaram a fechar umas atrás das outras, por terem perdido os seus clientes, que fugiram para o Oriente em busca de preço. Foram tempos duros. Quando no final de Julho fechávamos para férias, começávamos logo a ouvir dizer que já não iríamos abrir em Setembro. Esses comentários magoavam-me muito, mas também me dava mais força para continuar.

Ficou preocupada?

Muito preocupada. Como percebi que a produzir tudo cá não tinha preço em alguns modelos, fiz uma prospeção no Norte de África, andei entre Marrocos e a Tunísia, onde, em 2005, acabei por investir na Startex, em Monastir, numa antiga fábrica da Benetton.

Isso foi decisivo para conseguir atravessar a crise mantendo sempre a cabeça fora de água?

Foi a única maneira de não ser obrigada a reduzir pessoal em Portugal, manter o volume de trabalho e continuar competitiva. Os modelos são criados e desenvolvidos cá e vão já cortados para serem confecionados na Tunísia. Foi assim que conseguimos manter quase intacta a nossa carteira de clientes. Só perdemos um cliente, que no entretanto já voltou.

No seu essencial, o crescimento do grupo DiasTêxtil tem sido feito através de aquisições. O que é que cada uma delas acrescentou?

Com a Rineiva ganhamos dimensão em termos produtivos. Ao mudarmos de instalação para a Mincalça (agora DiasTêxtil), em Barroselas, criamos melhores condições de trabalho. Mais tarde, com a compra de 80% da Modelmalhas, em 2004, expandimos a área de negócio de tricotagem de malhas.

E a Sonix?

Foi um caso curioso. Há dois anos que corria persistentemente no mercado o rumor de que íamos comprar a Sonix, que eu sabia ser falso pois nunca tínhamos pensado nisso. Qual não foi o meu espanto quando os antigos donos da Sonix me vieram oferecer a compra da empresa. Visitei-a duas vezes e acabamos por fazer negócio. Já tínhamos confeção, mas era uma compra estratégica porque nos acrescentava a tinturaria e acabamentos, o que dotava o grupo de uma estrutura praticamente vertical, abarcando tricotagem, confeção em malha, tinturaria e acabamentos. O objetivo era dominar todo o ciclo da produção.

Ser um grupo vertical é uma vantagem competitiva?

Sim, porque nos permite controlar melhor e ao pormenor a qualidade de uma peça em todas as fases do processo produtivo.

Apostar na produção de grandes quantidades e no crescimento rápido, por via de aquisições, foi a receita certa para aguentar nos anos de chumbo?

Com as margens a encolherem e o preço a ser fixado pelos clientes, a estratégia certa para termos rentabilidade é apostar no aumento da capacidade produtiva.

Num momento de crise, com empresas a fechar e as outras a fazer downsizing, não foi muito arriscado fazer aquisições?

É nos tempos de crise que se deve investir.

O pior para o setor já passou?

Penso que sim. A China estar a aumentar os preços ajuda, assim como a distância, o volume das encomendas e as condições de pagamento. Quem encomenda aos chineses tem de investir logo, de pagar à frente. Em Portugal nós facilitamos o pagamento e estamos mais próximos, o que é uma vantagem pois os clientes compram cada vez mais em cima da hora e em em menores quantidades, o que é uma desvantagem para os fabricantes asiáticos. Agora há mais modelos e menos quantidades de cada um. Mais trabalho nos desenvolvimentos para uma mesma quantidade de produção.

No essencial, o vosso negócio é produzir para as marcas dos clientes. Na maioria eles procuram-vos para trabalho a feitio ou buscam algo mais?

Temos um gabinete de design na DiasTêxtil que trabalha para o grupo todo. Pensamos e fazemos o desenvolvimento técnico dos produtos que sugerimos aos nossos clientes, a quem apresentamos todos os anos uma coleção própria, onde eles escolhem os modelos que sugerimos, na maior parte das vezes apenas com alterações de pormenor.

A Sonix chega como marca ou planeia criar ou adquirir mais alguma?

A nossa marca tem alguma tradição no underwear clássico. Mas não vamos ficar por aqui. Vamos estendê-la a roupa exterior com design e marca própria, o que já começamos a testar na Holanda.

Que percentagem do volume de negócios gostaria que representassem as vendas com marca própria? E quanto gostaria que pesassem?

Para já ainda não tem expressão. E é prematuro quantificar objetivos. Gostava que representasse o máximo possível.

As feiras são importantes para o aumento das exportações?

São. Até agora vamos às feiras como visitantes. Com a aposta numa coleção com marca própria, passaremos a ir como expositores.

Por que é que a Espanha, que absorve 1/3 das exportações da ITV, não é um dos maiores mercados do seu grupo?

Já trabalhamos com a Inditex, mas verificamos que isso nos obrigava a modificar os processos internos. Os nossos principais mercados são a Inglaterra, Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Holanda e Dinamarca.

Fabricar produtos cada vez mais técnicos e funcionais está no horizonte?

Não só está no horizonte como já é uma realidade. Foi por isso que há seis anos fundamos a Sucess Gadget, uma empresa da área de tecnologia que produz nanopartículas biofuncionais e nos permite integrar na nossa oferta malhas com propriedades antibacterianas e anti-mosquitos.

A concorrência asiática ainda é a sua principal preocupação?

Neste momento o que mais me preocupa é a Turquia, o país que nos faz concorrência mais feroz em preço e qualidade –  e que está a encurtar os prazos de entrega.

Como vão resolver esse problema?

Vamos dar a volta por cima, apresentando melhor serviço, produtos novos, diferentes e mais técnicos. Temos de aproveitar o enorme know-how que a nossa indústria acumulou. E não podemos parar de inovar.

O que pedem agora os clientes é muito diferente do que pediam quando começou?

Não tem comparação possível. Estão muito mais exigentes e impõem-nos prazos de entrega cada vez mais curtos.

Quais são os pontos fortes do seu grupo?

Uma qualidade acima da média e um serviço completo one stop. Mas também fiabilidade, flexibilidade, uma longa tradição na indústria e proximidade dos mercados. E uma excelente relação qualidade/preço.

Tem dificuldade em recrutar mão-de-obra especializada?

Muita dificuldade. A todos os níveis. Desde quadros técnicos e comerciais até embaladores, passando pelas costureiras. É muito difícil arranjar pessoas competentes. Sinto na juventude um preconceito relativamente a trabalhar na indústria. Os jovens preferem estar a atender numa loja ou na caixa de um supermercado do que trabalhar numa fábrica, onde podiam ganhar mais e ter melhores hipóteses de progressão.

Como se ultrapassa isso?

Devia haver um maior investimento no ensino profissional. Nós estamos disponíveis para formar as pessoas nas nossas fábricas. Só que é raro aparecerem-nos aprendizes. Por este andar ainda vamos ter encomendas e não ter quem as produza.

Que custo de contexto prejudica mais a vossa competitividade?

O custo da energia. Nós fazemos tudo quanto está ao nosso alcance para o baixar. Investimos em co-geração e painéis fotovoltaicos para baixar em 20% a fatura energética. Mesmo assim os custos da energia preocupam-nos imenso, pois os clientes não iriam compreender se lhes disséssemos que tínhamos de aumentar os preços. E os nossos concorrentes turcos não só têm energia mais barata como ainda recebem apoios do seu governo…

O grupo vai continuar a crescer apostando no aumento da capacidade produtiva e através de aquisições?

Quando comprei a primeira firma, julgava que ia ficar por ali. Se calhar está-me no sangue não parar de arriscar. Gosto do que faço e do desafio de orientar para o sucesso uma equipa sólida, capaz e eficaz.

Perfil

Conceição Dias, 55 anos, nasceu em Tregosa, Barcelos. A mãe era doméstica e o pai emigrante em França. Mal acabou a escolaridade obrigatória, aprendeu costura com uma vizinha. Com 13 anos debutou como costureira na Rineiva. Entre os 21 e os 23 anos trabalhou num negócio de carnes.

Como preferia os trapos ao comércio das carnes, em 1984 arriscou toda a poupança (180 contos) em cinco máquinas de costura industriais e tornou-se empresária. Tem dois filhos (Lídia, 34 anos,  e Samuel, 28) que trabalham com ela. É comendadora da Ordem de Mérito Industrial.

No principio não foi simples. Era ela mais quatro aprendizes (duas, a Celeste Maciel e a Paula Monteiro, ainda estão com ela) e cinco máquinas, num anexo improvisado. Foi um sofrimento para arranjar  encomendas. No Portugal em transição entre o 25 de Abril e a entrada na CEE ainda se olhava de lado para uma mulher à frente de uma firma e ao volante de um velho Ford Fiesta comercial cinzento.

Passou muitas noites a chorar, mas as contrariedades deram-lhe um suplemento de ânimo. No caminho para o sucesso comprou a Rineiva, a fábrica onde teve o seu primeiro emprego, a Mincalça, Modelmalhas e a Sonix –  uma das muitas empresas que não lhe deram trabalho, nos primeiros e penosos cinco anos que demorou até conseguir levantar voo como empresária.

As perguntas de
Fernanda Valente
Administradora da Fernando Valente & Co

Era muito interessante que partilhasse o lado menos bom de uma vida profissional tão bem sucedida. Como encara as dificuldades e as ultrapassa?

Nos primeiros tempos passei muitas noites sem dormir e perdi a conta às lágrimas que chorei. Tinha pouco trabalho e faltava-me pessoal especializado. O que eu mais queria era não ser obrigada a fechar. Apostei na exportação e felizmente houve quem acreditasse em mim. Não foi fácil. E continua a não ser fácil. Não é com um estalar de dedos que se gere uma empresa. Temos de acreditar em nós próprios, na equipa, e no nosso trabalho.

A vida pessoal de um empresário é sempre agitada e com altos e baixos muito acentuados. Concorda que há um preço a pagar por se ter a vida tão exposta e ocupada? Se voltasse ao princípio teria outra opção de vida?

Ser industrial afeta muito a nossa vida pessoal. Mas se formos organizados arranjamos tempo para tudo. Nunca abdiquei de passar os fins-de-semana com os meus filhos. E se voltasse ao principio aventurava-me na mesma. Por certo não cometeria os mesmo erros, mas voltaria a arriscar ser empresária. E continuo a encorajar as pessoas a darem esse passo.

António Cunha
Sales Manager da Orfama

Qual a estratégia de vendas para o futuro como diferencial competitivo num mercado cada vez mais globalizado? 

Ter uma boa organização interna e acertar nos clientes. Além de que não podemos nunca parar de investir em tecnologia, design e inovação, para podermos continuar a apresentar aos nossos clientes produtos diferenciados e cada vez mais técnicos. Vamos continuar a ir à luta todos os dias. Não vamos cruzar os braços e deixar que a concorrência nos ultrapasse.

Os clientes conseguem ver o diferencial do seu produto em relação aso concorrentes?

Claro que conseguem, senão não nos procuravam. Sabem que estão a trabalhar com um grupo de  empresas sólidas, que lhes vão entregar a mercadoria em bom estado, nos prazos, e não falham em nada do que foi acordado. É essa a nossa imagem de marca.

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