Bruno Mineiro
“Não há costureiras? Nós fazemo-las…”
T45 Julho & Agosto

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Desde que se lembra, nunca teve dúvidas - era fatal como o destino que o seu futuro iria passar pela fábrica que o pai criara quando ele tinha apenas seis anos. A partir do final da adolescência, não havia dia nenhum em que estivesse na Covilhã e não fosse à empresa. Tinha apenas 19 anos quando visitou pela primeira vez sozinho um cliente. Mesmo durante os anos passados a estudar no Porto, não deixou de dar uma ajuda aos negócios da família, acompanhando os clientes galegos… “A minha opção de formação académica foi tomada a pensar que tinha de me preparar para um dia ser capaz de dar seguimento ao negócio que o meu pai criara e de que nos falava em casa, com tanto afeto e paixão”, reconhece Bruno.

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odemos ser competitivos sem sacrificar os recursos humanos, afirma Bruno Mineiro, 47 anos, administrador da Twintex, uma empresa que se orgulha de pagar acima das tabelas e da média aos seus 400 trabalhadores.

Em 40 anos de vida, qual foi o pior momento para a Twintex?

Tivemos anos melhores e outros piores. Mas nunca perdemos a confiança. O pior momento terá sido entre 1994 e 1996, em que estivemos à beira de fechar. Tivemos de fazer despedimentos e de vencer enormes dificuldades financeiras.

Porquê?

Tínhamos acabado de fazer grandes investimentos, quando fomos surpreendidos por uma violenta queda da coroa sueca, de 24,5 para 19 escudos, que nos afectou muito pois estávamos muito expostos a esse mercado. Procuramos uma alternativa em Espanha e as coisas ainda pioraram pois um grande cliente entrou em insolvência… Foi muito duro!

Mais duro que a concorrência asiática?

Em 2006, já tínhamos uma empresa disciplinada, sem gorduras, ajustada em recursos humanos, financeiramente enxuta, bem equipada tecnologicamente, ou seja preparada para aguentar o impacto de invasão de produtos asiáticos.

Por essa altura, com toda a gente em pânico e empresas a fecharem, começaram a falar de sustentabilidade e pegada ecológica. Porquê?

Por convicção. Desde 2006, a sustentabilidade e o respeito pelo ambiente são parte importante do plano estratégico da Twintex. Fomos pioneiros porque viajamos muito, estamos sempre a fazer benchmarking e fomos encontrando soluções que inspiraram as primeiras medidas neste capítulo.

Quais foram?

No princípio foram mini-medidas, como separar o lixo, aplicar um windshield nos vidros que induzia poupanças no ar condicionado, investir no uso de gás natural. Percebemos muito lá atrás que temos de proteger o meio ambiente e não podemos continuar a desperdiçar recursos.

Verde e certificada
"Somos a única empresa portuguesa que tem todas as certificações ambientais", afirma

Os resultados dessa aposta demoraram a aparecer?

Não. Em 2012 já tínhamos reduzido em 30% as nossas emissões de CO2. E com os investimentos em paineis fotovoltaicos, já produzimos 55% da energia que consumimos. Utilizamos gás natural para produzir vapor. Na Twintex, a tecnologia vive em harmonia com o ambiente.

É bom negócio?

Os painéis fotovoltaicos atingem o break even em cinco anos. Como os equipamentos duram 20 anos, durante 15 anos, o Sol é responsável por 55% da nossa fatura energética :-).  Mas nunca paramos de tentar aproveitar tudo. Como gastámos 12 mil litros de água/dia, temos depósitos que aproveitam a água da chuva. Estamos sempre a inventar coisas. Somos uma incubadora de ideias novas.

Como por exemplo

A máquina de termo-colagem trabalha com água quente a 130 graus. Inventamos um sistema em que a água é aquecida até aos 60 graus pelos painéis solares, e depois por gás natural até 120 graus. O custo da energia é muito importante no nosso negócio e temo-lo sob controlo. Aproveitamos tudo o que podemos o que nos tem permitido conseguir segurar o custo/minuto.         

"Na qualidade e no preço, os nossos tecidos estão à frente dos italianos"

Poupam recursos e o ambiente, um dois em um

Grande parte do que fazemos é uma questão de bom senso. São situações win win. Somos a única empresa portuguesa que tem todas as certificações ambientais.

Quais? 

Além da ISO 9001, temos a ISO 14 001 que certifica o sistema de gestão ambiental,  a ISO 8 000 de Social Compliance, bem como a SMETA que é renovada todos os anos e atesta. E ninguém nos pede para ter isto. Certificamos a exaustivamente a Twintex, porque sabemos que no final de cada auditoria ficamos uma empresa melhor, mais forte, mais produtiva e mais eficiente.

2006 foi o ano do despertar para as questões de sustentabilidade?

Foi mais que isso. 2006 marca o início de um novo e segundo fôlego na vida da empresa, que passou a ter uma estratégia assente em três grandes conceitos estruturantes: Twintex Eco Life, Twintex Academy e Twintex Evolution.

Temos falado do conceito Eco Life  … 

Que também abrange a responsabilidade social. Queremos que as pessoas tenham orgulho em trabalhar connosco. Por isso, todos os nossos trabalhadores e familiares directos, um universo de 1 500 pessoas, têm o cartão Twintex Card, que dá descontos no supermercado, dentista, talho, frutaria, ginásio, farmácia, combustíveis…

É muito usado?

Estudámos o impacto. Cada cartão representa uma poupança de 42 euros por mês. O talho, a mercearia e a frutaria são os mais usados. Mas continuamos a aumentar a lista de locais com descontos, e a nossa preocupação com a responsabilidade social não se esgota no Cartão Twintex Life.

O que fazem mais?

Estamos atentos à saúde dos nossos 400 trabalhadores. O médico vem à fábrica todas as semanas e fazemos check up’s regulares. Num universo em que 90% são mulheres, controlamos mais de perto o cancro da mama. O ano passado tivemos dois casos que acompanhamos de perto, encaminhando-os para o sistema público, e que felizmente se resolveram por terem sido detetados precocemente.

Queixam-se da falta de mão de obra especializada?

O conceito Twintex Academy é a nossa resposta a esse problema. Precisávamos de modelistas e havia falta deles. Em vez de irmos recrutar noutras empresas resolvermos formá-los internamente. Formamos para nós e para os outros.

Parece fácil

Ninguém tem costureiras a bater à porta. Não há costureiras? Nós fazemo-las. Com base em protocolos com o Modatex, o IEFP e a UBI, temos uma escola dentro a fábrica que está sempre a formar e requalificar.

E não faltam candidatos? 

As pessoas da região têm gosto em trabalhar na Twintex. É preciso saber tornar atrativo o facto de trabalhar na têxtil. Claro que isso leva tempo.

Caso resolvido?

Temos 12 homens a cozer à máquina de nacionalidades diversas – India, Paquistão, Bangladesh…. até o náufrago de um navio sírio. Numa reunião com o presidente da câmara soubemos que para colheita das cerejas vêm ao Fundão uns dois mil emigrantes. Começamos logo a ver como cativar alguns a ficarem por cá. Trabalhar numa fábrica é melhor do que estar no campo, de sol a sol…

E no que diz respeito a quadros?

Somos um grande cliente da UBI. Empregamos gente lá formada, em diversos cursos, Engenharia Industrial, Design de Moda, Gestão, Economia, Marketing, Relações Públicas… Temos cerca de 40 licenciados na UBI e não só na Twintex. E aproveitamos a ferramenta maravilhosa proporcionada pelo Estado português que são os estágios profissionais. Cerca de 90% das pessoas que fazem cá estágio, no final ficam – e com contrato definitivo.

É verdade que pagam acima da média?

Pagámos acima das tabelas e da média. Acreditamos que se pode ser competitivo sem sacrificar os recursos humanos. Mas não podemos perder de vista o equilíbrio e aumentar os custos salariais para além do que conseguimos com ganhos de eficiência – e podemos refletir no preço ao cliente.

O preço ainda é um fator decisivo?

É sempre uma questão sensível. É uma ilusão pensar que a elasticidade do preço é maior no segmento médio/alto. Os nossos clientes são muito exigentes, não só na qualidade mas também no que toca às suas margens.

O peso do preço prejudica a nossa ITV?

O mercado nunca pára de evoluir. Numa reunião em Itália um cliente chinês – que apenas compra na Europa – surpreendeu-nos ao dizer que tinha um preço superior ao nosso de uma empresa da China do nosso patamar…

Os custos salariais da China aumentaram muito

E não só na China. Também no Leste europeu. As previsões apontam para que este ano o custo/minuto na Roménia vai aumentar 14,5% enquanto o nosso apenas crescerá 1,4%, devido a um rigoroso controlo dos custos. Sabemos de uma fábrica na Bulgária que empregava 1 100 trabalhadores e agora só tem 600. Não consegue arranjar mais. Tem encomendas e máquinas mas falta-lhe mão de obra.

Se tivesse de eleger apenas uma das vantagens competitivas da Twintex, qual escolheria?

O poder de comunicação em tudo que fazemos. Visitamos regularmente todos os clientes. Reunimos com eles pelo menos uma vez por mês – mesmo com os das Américas. Não há outra maneira de construir uma relação de conforto e confiança. Mas também é essencial sermos um pólo de inovação permanente e nunca hesitarmos em investir quando surge uma nova tecnologia ou solução.

Por que é que há cinco anos passaram a recorrer à subcontratação?

A velocidade do crescimento das encomendas começou por nos levar a adquirir uma fábrica de casacos em Vales do Rio. Mas após reflexão, concluímos que a subcontratação era a melhor estratégia para colmatar o diferencial entre a nossa capacidade de desenvolvimento de produto e a capacidade de produtiva.

Foi acertado?

Temos um conjunto de 19 empresas satélites – seis aqui na região e 13 no Norte – que nos têm ajudado a servir os nossos clientes de uma forma sustentada. Todas estão alinhadas com os nossos valores e procedimentos. Por isso, assinam um protocolo em que garantem partilhar as nossas crenças sociais e ambientais. E são regularmente visitadas por equipas nossas, que garantem os patamares de qualidade.

Onde se abastecem de tecidos?

O principal fornecedor é a Itália. Imediatamente a seguir vem Portugal. Depois a Espanha e Alemanha.

Os tecidos italianos são melhores que os nossos?

Apenas em imagem. Na qualidade e no preço, estamos à frente deles.

Estão satisfeitos com os níveis de automatização da produção?

Temos conseguido inovar nos métodos e no número de automatismos sem prejudicar o cunho pessoal que caracteriza os nossos produtos, sem que as peças percam o mais importante que é a alfaiataria, a atenção ao detalhe, o cuidado com o pormenor…

Alfaiataria e Indústria 4.0 são compatíveis?

Temos máquinas que são únicas no mundo, com adaptações feitas pelos fabricantes a nosso pedido. Somos a favor de todos os automatismos, desde momento em que eles não se notem no produto final.

O que é que isso quer dizer?

O cliente quer que a etiqueta com a sua marca seja cosida à mão. Não há mal se ela for feita por uma máquina desde que ela imite com perfeição a etiqueta cosida à mão. Acreditamos profundamente de que é possível recriar a alfaiataria tradicional e fabricar peças com aspeto artesanal recorrendo a automatismos.

Qual a vantagem?

Temos máquinas que sozinhas, controladas por um operador, substituem três costureiras, libertando-as para fazerem aquilo que é importante que façam, que é acabarem as peças à mão.

Como é que está a correr 2019?

Vai ser um ano positivo. Não faz sentido compará-lo com 2018, que foi um ano tão excepcionalmente bom, que nos inibimos de revelar quanto crescemos. Mas se compararmos com a média dos últimos cinco anos, estou convencido que vamos crescer 8% e fecharemos 2019 com um volume de negócios não muito longe dos 30 milhões de euros do ano anterior.

A conjuntura é favorável?

Há sinais contraditórios. Por um lado, temos a desvalorização da lira turca e o acalmar das primaveras árabes. Por outro, temos a nosso favor o facto de Portugal estar na moda e da evolução muito acelerada dos custos da produção na Ásia e no Leste europeu.

Homem ou Senhora? O que pesa mais e o que cresce mais? 

Senhora pesa 60%. Os dois segmentos estão a crescer a par. Nenhum se destaca. Este ano vamos fazer mil modelos novos.

uma procura crescente de produto personalizado e feitos por medida. Como vão corresponder a esta tendência?

No Homem, a procura está já bem servida, gostávamos muito de ter uma experiência no made to measure para Senhora. É uma das muitas ideias que temos em cima da mesa. Trata-se do conceito de que ainda não falamos, o Twintex Evolution.

Em que consiste?

Em desafiar todos os outros e responder à pergunta: O que podemos fazer de novo para melhorar? Quereremos dobrar o que já fizemos quanto a sustentabilidade mas ainda não descobrimos o que podemos fazer mais … Esta insatisfação é a medida da nossa ambição.

Perfil

47 anos, nasceu em Tortosendo, Covilhã, onde vive, sendo o mais velho dos dois filhos de António Mineiro, fundador e presidente da Twintex (onde também trabalha o irmão mais novo, Mico, 39 anos, que fez Engenharia Automóvel em Inglaterra e já foi por três vezes Campeão Nacional de Velocidade de Clássicos no grupo 5). Licenciado em Gestão Internacional pelo IESF-Porto e com um MBA em Marketing pela mesma escola, é o responsável pela Expansão de Negócios e pela direção de Gestão de Clientes. Casado, tem dois filhos, a Frederica, oito anos, que quer ser bailarina, e o Manel, cinco anos, que sonha ser piloto de automóveis, como o tio

As perguntas de
Paulo Augusto Oliveira
Administrador da Paulo de Oliveira

A indústria da moda está a mudar rapidamente. Como perspectiva o futuro da nossa indústria e quais os factores que mais te preocupam?

O desafio mais importante é sermos capazes de nunca pararmos de nos interrogar sobre como é que podemos ser mais ágeis e aperfeiçoar os nossos processos produtivos, de maneira a torná-los cada vez mais eficientes, acabando com as redundâncias. Muitas vezes basta aprender com os outros para conseguir isso. Foi o que aconteceu quando rompemos com a organização clássica da fábrica e criámos pequenas equipas multidisciplinares – com um modelista, um buyer, um client manager e um product devoloper –  especializadas numa marca  (ou conjunto de marcas),  que se tornaram numa espécie de escritório do cliente cá em casa.

A influência do digital é cada vez maior. Como responder a este desafio?

Temos 28 clientes e interagimos diretamente com 28 softwares diferentes. Neste particular, a nossa preocupação é combater o tempo perdido, gasto em burocracia, evitar a duplicação de tarefas, acabar os três dias que demora até um pedido chegar à sala de corte.

João Carvalho
CEO da Fitecom

Sendo Portugal um produtor de tecidos, onde as empresas deste segmento apresentam coleções próprias, como posiciona o futuro do têxtil português relativamente às marcas que preferem operar no private label?

Fabricantes de tecido e confeccionadores portugueses têm beneficiado da boa imagem do pais – e têm-se ajudado mutuamente. Nós estamos sempre a influenciar os nossos clientes a preferirem tecidos feitos em Portugal, e temos tido êxito em alguns casos.

Dada a escassez de mão de obra, é natural que a base salarial possa vir a crescer. Como é que uma empresa que apenas opera na prestação de serviços em regime de private label e de obra intensiva vai sobreviver face aos concorrentes asiáticos?

Cada vez mais as empresas têm de compreender que a distribuição dos resultados tem de passar pela valorização da sua mão de obra. Mas Portugal atravessa uma fase de alguma serenidade no aumento dos custos, em contraste com o que está acontecer no Leste europeu e China. Penso que não será difícil sobreviver e prosperar quando se presta serviços de qualidade – e se sabe valorizar esses serviços.

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