Jorge Fiel
António Falcão, 61 anos, CEO do maior produtor ibérico de collants, aponta o dedo ao setor financeiro: “Temos a estratégia certa, produtos inovadores e uma clientela de topo, mas a banca não confia em nós”
ntónio Falcão, 61 anos, está preocupado com a eventualidade do sistema financeiro deitar por terra o gigantesco esforço de ajustamento do setor. “A banca tem de perceber que se não assumir riscos e apoiar as empresas, no final do dia todos vamos perder – ela não cobrará os créditos, empresas viáveis vão morrer, o desemprego vai subir e as exportações vão descer” alerta o maior produtor ibérico de meias e collants de senhora e maior fabricante nacional de fios de poliamida e de poliéster.
As duas crises que este século atingiram a nossa ITV, foram as mais duras de sempre?
Ao longo dos 60 anos de vida do nosso grupo atravessamos várias crises – políticas, laborais, financeiras – a que fomos conseguindo sobreviver. Estas duas crises mais recentes, a provocada pela concorrência desleal asiática e a iniciada com o subprime, têm a ver com a globalização, foram as mais duras de sempre e atingiram as empresas no coração, deixando-os descapitalizadas e em sérias dificuldades para enfrentar a realidade.
Como reagiram?
Apesar da constante descapitalização de que fomos vítimas, soubemos reagir com novos produtos e uma nova estratégia.
Que estratégia?
A de estabelecer parcerias com os clientes. Selecionamos um leque de clientes bons e apostamos no estreitamento de relações de mútua dependência. Passamos da fase do namoro à do casamento. Eles dizem-nos o que querem e nós fornecemos-lhes os fios de que eles precisam. E começamos a ser pro-ativos, na busca de produtos mais inovadores e de maior valor acrescentado, antecipando as necessidades dos clientes. Andar à frente foi a receita para aguentar as crises.
Ser administrador do CITEVE é um sinal da importância que dá à inovação?
Estou há 12 anos no CITEVE em representação da ATP. Dou grande valor a instituições como a UMinho, o CeNTI e o CITEVE, com quem temos ligações. Investimos cada vez mais na formação dos nossos colaboradores e no upgrade tecnológico, para podermos estar sempre a oferecer aos clientes fios novos e inovadores.
Foi fácil mudar de atitude para vencer a crise?
O lado bom das crises é o de nos espicaçarem e serem uma boa oportunidade para mudar. Mas é muito mais fácil mudar quando se está numa empresa nova e sem vícios. As dificuldades são muito maiores em empresas tradicionais como as nossas.
O mau tempo já passou?
Ainda subsistem estrangulamentos graves, como a descapitalização das empresas. Lamentavelmente o sistema financeiro – o privado mas também o público – não tem confiança nas empresas. Os números demonstram que a ITV está a prosperar, vende e exporta cada vez mais produtos excelentes para boas clientelas. Apesar disso, a banca exige-nos taxas de juro elevadíssimas, muito superiores às praticadas nos países dos nossos concorrentes.
O preço do dinheiro é o maior problema?
Mas não só. A desconfiança da banca reflete-se também na retração dos plafonds e nos demorados prazos de decisão.
O abandono do Banco de Fomento não ajuda …
Tinha grandes expectativas nesse projeto, que se esperava entrasse em funcionamento no final do ano passado. Estava muito bem delineado para o apoio às PME, mas parece que infelizmente morreu (há quem diga que não). O Governo diz que estão a ser estudadas outra formas de financiar as empresas descapitalizadas. Espero que sejam rápidos e que o IFD (Banco de Fomento) depois de tudo o que passou sobreviva e entre em funcionamento.
Nunca lhe passou pela cabeça desistir?
Passar passou, mas nunca encarei isso como uma possibilidade real. Aguentámos prejuízos avultados. Sabíamos que não íamos a lado nenhum se continuássemos a fabricar commodities, quer nos fios, quer nas meias e collants de senhora. Mas falou sempre mais alto a responsabilidade social para com as cerca de 240 famílias que dependem direta e indiretamente de nós, bem como a responsabilidade histórica com o meu pai que fundou as empresas e os colaboradores que a ajudaram a crescer.
Agora, o pior já passou …
Não sinto isso. O momento mais duro é o que vivemos agora. Temos a estratégia certa, produtos inovadores e uma clientela de topo. Ajustamos a empresa para a produção de séries pequenas. Somos talvez o maior produtor ibérico de meias e collants de senhora e um grande produtor (talvez o maior) de fios de poliamida e de poliéster. Fizemos o mais difícil que foi adaptar-nos à mudança, mas ainda não conseguimos ultrapassar de forma tranquila e saudável o problema da capitalização.
É uma situação dramática?
Não é de pânico, mas se estivéssemos mais confortados do ponto de vista de capitalização, aproveitaríamos melhor esta onda muito positiva do mercado. Sei que a banca está a atravessar uma crise tão má ou pior do que nós vivemos, mas tem de perceber que se não assumir riscos e apoiar as empresas, no final do dia todos vamos perder – a banca não cobrará os créditos, empresas viáveis vão morrer, o desemprego vai subir e as exportações vão descer.
A conjuntura política é desfavorável?
A ITV ultrapassou enormes dificuldade e ganhou credibilidade ao dar o salto investindo em know-how e tecnologia. Mas precisa de ser acarinhada e sentir que tem a confiança da envolvente política. Os empresários podem ter opções político-partidárias. As empresas não. As empresas precisam que o Governo não lhes crie dificuldades suplementares inferindo negativamente na sua atividade.
Refere-se a quê?
Estou a referir-me, por exemplo, aos quatro feriados, cuja eliminação foi pacífica e agora vão voltar, no que é uma medida desajustada e altamente penalizadora da produtividade. Estou a referir-me ao custo de energia. Estou a referir-me também ao aumento do salário mínimo, que nos foi imposto com a promessa de uma contrapartida, a redução da TSU, que espero que seja cumprida. Não sou contra os salários altos, mas se queremos continuar crescer e exportar não podemos prejudicar a competitividade das empresas.
Está preocupado?
Muito apreensivo. Começo a sentir muito desânimo à minha volta, pois tardam a chegar os apoios à capitalização das empresas e não vejo ninguém no Governo preocupado em resolver estrangulamentos graves à competitividade, como é o caso da energia. Em empresas de capital intensivo como as nossas, os custos de energia têm um peso idêntico aos salariais e são 30% superiores aos dos concorrentes asiáticos.
Como está a imagem internacional da nossa ITV?
Melhorou imenso. Ao princípio, os clientes nem queriam acreditar que nós fossemos capazes de lhes apresentar produtos tão inovadores. Esta mudança de imagem é da responsabilidade exclusiva das empresas e dos seus empresários, que foram capazes de subir na cadeia de valor e de ser persistentes, não desistindo nunca de ir para as feiras lá fora mostrar o que somos capazes de fabricar.
Que tipo de produtos pedem os clientes?
Dou-lhe um exemplo. Um cliente alemão sentiu a necessidade um fio em copopolyester, capaz de costurar as tampas em fibra de vidro dos tabliers e dos tampos das portas dos automóveis. Nós estamos a desenvolvê-lo. Mas não estamos sentados à espera que nos peçam para novos produtos. Também, desenvolvemos, por nossa iniciativa, fios altamente sofisticados que propomos aos clientes.
Como por exemplo?
Fios ocos que repelem a água e aquecem o corpo, usados nos coletes de salvação da Marinha. Fios antibacterianos, fios medicinais para filtros de hemodiálise, fios fosforescentes – que durante o dia captam os raios ultravioletas do sol e emitem luz à noite, fios com três cores, fios com flame retardment, etc, etc… Quando se está a fabricar fios que vão estar em contacto com o sangue o essencial não é o fator preço mas o serviço, qualidade e inovação. Estamos a falar de produções altamente especializadas, um campeonato em que os asiáticos não entram.
Qual é o maior desafio que têm entre mãos?
Um dos maiores é o desenvolvimento, para fins militares, de um fio que não seja detetável à noite pelos óculos infravermelhos. Há já quem consiga dar aos tecidos um acabamento com resinas que os tornam invisíveis, mas isso de pouco serve se na confeção forem usados fios sem essa propriedade.
Qual é o peso dos fios técnicos na faturação?
Valem entre 20 a 25% dos 12 milhões de euros do nosso volume de negócios. Mas num prazo de dois a três anos vai ter mais peso que os tradicionais. A maior fatia, de 40%, é das meias e collants de senhora.
Estão confortáveis nesta área?
Diariamente 100 mil pares de meias e collants de senhora, dos quais 70% são exportados. Temos duas marcas próprias, Maggiolly, para o segmento mais alto, e Nana, para o retalho normal. Somos fortíssimos nas marcas brancas das maiores cadeias de hipermercados da Europa. E com base numa relação de parceria e confiança, gerimos o stock de alguns dos nossos clientes, repondo o produto num prazo de 72 horas.
Quais são as novidades nos collants?
Inovamos com os collants 5 em 1, com cinco propriedades: push up nas nádegas, adelgaçantes na barriga, leg care (relaxam as pernas), antibacterianos e anticelulíticos. Este Verão vamos lançar os collants Segunda Pele, totalmente transparentes e que dão à perna um aspeto bronzeado e fresco. De dois em dois meses, apresentamos um produto novo.
Foi tranquila a passagem da primeira para segunda geração?
A passagem do testemunho foi gradual. O meu pai foi transferindo responsabilidades até que há 20 anos decidiu que já não estava aqui a fazer nada, e passou a dedicar-se só aos negócios imobiliários, enquanto eu e o meu cunhado Francisco Castro – que deixou a carreira hospitalar para se dedicar à gestão – assumimos o leme das têxteis.
Do alto dos 35 anos que leva de dirigente associativo, o que acha que está a impedir a ITV de ter uma só representação?
De forma discreta, contribui para as fusões que deram origem à ATP. Tenho muita pena que o processo não se tenha alargado a outras associações. Creio a culpa se reparte por todos. Não houve o bom senso de ceder nas pequenas diferenças em favor do bem comum, de nos focarmos no mais importante – que os interesses do setor sejam defendidos por uma voz forte e única.
O que deve ser feito para ultrapassar este impasse?
O primeiro passo é as pessoas confiarem umas nas outras, porem uma pedra no passado e olharem em frente. Espero que isso seja viável o mais rapidamente possível, pois sinto que começa a haver uma abertura nesse sentido. Estou moderadamente otimista e farei tudo quanto estiver ao meu alcance para que isso aconteça. Também estou certo de que isso não se resolve com protocolos de entendimento mas sim mas fusões efetivas. Já chega de namoros, vamos avançar para casamentos sérios e sólidos.
António Falcão, 61 anos, nasceu em Barcelos, de onde saiu para acabar o liceu no Sá de Miranda (Braga), e onde voltou após se ter licenciado em Direito em Coimbra e feito o estágio de advocacia no Porto. É viciado em arte. Tem dois filhos, o António, 22 anos (licenciado em Gestão pela Nova, está a fazer o mestrado em Londres na Cass), e o Alexandre, 17 (vai estudar Economia), ambos craques em karting. Durante o estágio de advocacia, no Porto, António sentiu que o Direito era uma monotonia. Ainda chegou a inscrever-se na Ordem, mas mal começou a acompanhar o pai (“Um grande homem e um grande empresário. Muito sério, trabalhador e senhor de uma enorme visão estratégica. Pena que não haja muitos como ele”, retrata) teve a certeza de que o caminho era aquele. E mergulhou de cabeça na ITV, debutando com 26 anos na vida associativa, como membro da direção da ANITAF, militância que nunca mais largou – é vice-presidente da ATP e administrador do CITEVE. No final dos anos 80, o crescimento das empresas do grupo Falcão levou-o a desencaminhar o cunhado, o médico Francisco Castro (casado com Filomena, a irmã, também ela médica), que sacrificou a carreira hospitalar para o ajudar nos negócios têxteis. “Dividimos a responsabilidade pelas empresas e partilhamos todos os dias as dores da sua gestão”, conta António.
Como vê a evolução do setor, numa perspetiva de concorrência global, para as muitas empresas que baseiam a sua produção no private label (trabalho a feitio)?
Difícil e com preocupação. Os aumentos de custos de mão-de-obra e salários não são, infelizmente, compensados com aumentos de produtividade nem aumento de preços. A energia aumenta. Os custos financeiros também são elevados. Os preços não só não aumentam como até descem, pois as grandes cadeias espremem os negócios e sabe as fragilidades da indústria. Conclusão: Pode haver empresas a fechar e pessoas no desemprego. Por outro lado, a confiança dos empresários começa a cair o que é preocupante.
Como prevê o ritmo da necessidade de investimento, versus o ritmo acelerado da inovação tecnológica?
Seria importante que as empresas fizessem investimentos de modo a compensarem os custos em causa com aumentos de produtividade, qualidade, produtos novos e inovadores e de valor acrescentado. Mas como o poderão fazer neste ambiente de pouca confiança, desânimo, dinheiro caro e escasso? O sistema financeiro não apoia, não assume riscos e é caríssimo, porque não confia nos empresários e empresas.
O que espera de 2016?
Um ano em que haja estabilidade para podermos trabalhar tranquilamente. Que os clientes e fornecedores continuem a confiar em nós. Que o Estado se limite ao seu papel político deixando empresas e empresários seguirem o seu caminho. Que os apoios do Estado às empresas cheguem sem burocracias ou demoras de forma a permitirem em desenvolvimento sustentado na economia e a criação de mais postos de trabalho. Que o sistema financeiro e entidades de apoio do Estado (IAPMEI, AICEP, Garantia Mútua, etc.) acreditem e confiem nas empresas e empresários.
Qual a estratégia da empresa para preparar o futuro?
Muito trabalho e confiança. A estratégia passa pela alteração da política de produto, em que se cortou em definitivo com artigos correntes e commodities para se apostar na inovação e incorporação de valor acrescentado. Temos vindo a encontrar parceiros nesta nova área de negócio, onde estas necessidades impunham satisfação, mas que, simultaneamente, representassem estabilidade para futuro, de modo que o investimento na estratégica de mudança fosse consequente e produzisse resultados.