António Amorim
“A nossa têxtil é a mais bem preparada dentro da Europa”
T54 - Junho 2020

António Freitas de Sousa

O CITEVE é não apenas o centro tecnológico dedidado em exclusivo ao setor têxtil, mas também serve de barómetro ao próprio setor. António Amorim, presidente do organismo desde 1996, está ciente de que os têxteis nacionais têm tudo o que precisam para sair rapidamente do ‘buraco’ da covid-19

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a sequência da pandemia, o país percebeu que tem um organismo de excelência que é o CITEVE?

Sim. A covid-19 foi para o CITEVE uma grande prova de fogo: de repente, a indústria viu-se a braços com a pandemia, e a forma de tentar assegurar a produção foi virar-se para a produção de máscaras e de equipamentos de proteção individual (EPI).

Que papel teve o CITEVE na evolução para essa produção?

Tudo começou por um diálogo entre o Infarmed e o CITEVE. O Infarmed entendeu que o CITEVE, como centro tecnológico da indústria têxtil e do vestuário, seria a entidade certificadora com quem deveriam colaborar. Infelizmente, foram feitas importações que não reuniam condições e algumas delas eram mesmo de origem muito duvidosa.

Surge aí o CITEVE

Tinha que haver uma garantia de que a certificação era de facto boa e que os consumidores podiam estar certos disso. Já colaborávamos com o Infarmed, uma estrutura muito hierarquizada, mas não era um diálogo muito fluido. A partir do momento em que surge a pandemia, houve necessidade de se criar uma ligação muito fluida e um contacto permanente.

Só por si, é um fator muito positivo.

Muito. Até porque o problema dos EPI não termina aqui. O CITEVE já os certificava anteriormente, já havia empresas do sector a fabricá-los e portanto este contacto, que passou a ser muito estreito, com o Infarmed, é um fator altamente positivo, e que se vai manter. É uma oportunidade para muitas empresas que entraram neste domínio.

Terão havido dificuldades de início.

Houve dificuldades porque de repente tivemos aqui toda a indústria têxtil. E o CITEVE teve que tomar uma opção, que pode ser discutível: defeniu o critério por chegada, isto é, podiamos ter dado prioridade aos clientes, ou aos associados, mas decidimos que as certificações seriam feitas por ordem de chegada. Entendemos que estávamos perante uma emergência e o CITEVE, embora seja uma entidade privada sem fins lucrativos, tem também uma missão pública.

A crise não lhes toca
“Vamos chegar ao final do ano com o mesmo nível de faturação de 2019”

Os associados perceberam o critério?

Tivemos algumas críticas, houve empresas que me contactaram dizendo que não fazia sentido face aos investimentos de milhões e às centenas de trabalhadores e aos contratos já assinados, mas entendemos que as oportunidades tinham de ser iguais para todos. As empresas pequenas também precisavam da sua oportunidade. E o que é facto é que a maior parte das empresas pequenas se adaptaram muito mais rapidamente que as grandes à produção industrial de máscaras sob as normas do Infarmed, do CITEVE e da Direção-Geral de Saúde. Acredito que algumas dessas empresas vão crescer, alavancadas por esta oportunidade. Foi importante, até porque a maior parte dos clientes do CITEVE são pequenas e médias empresas – até porque não têm as estruturas que as grandes empresas podem ter. Posso dizer que apareceram no CITEVE 943 empresas que nunca nos tinham procurado. Não sei se vão continuar.

Que peso tem esse número quando comparado com a estrutura do CITEVE?

O centro tem cerca de 600 associados – mas não são todos ativos. Ativos serão com certeza mais de 400 associados. Mas há muitas empresas que recorrem ao CITEVE que não são associadas. Os associados não pagam qualquer quota, apenas têm de comprar unidades de partidipação, somos portanto uma instituição de capital aberto a que podem aceder todas as empresas do setor têxtil e do vestuário – com a exceção de algumas entidades financeiras que também entraram no capital.

“Decidimos que as certificações seriam feitas por ordem de chegada e tivemos algumas críticas”

Como compreende a grandeza desse número: 943 empresas rumaram ao CITEVE? O setor anda distraído em relação ao ‘seu’ centro tecnológico?

As empresas nunca tinham sentido a necessidade de virem até ao CITEVE. Muitas das que vieram são empresas sub-contratadas, que não têm contacto com este tipo de instituições. Perante a pandemia, a subcontratação desdapareceu e as empresas tiveram de encontrar um caminho alternativo. Esse caminho foi a produção de máscaras e EPI’s, o que as levou até ao CITEVE.

Ficarão com certeza com uma experiência para repetir, sendo certo que as máscaras não serão a salvação do setor.

Claro que não. As máscaras vão ser mais um produto. Em termos de serviços, o CITEVE já voltou praticamente à normalidade, depois deste período de emergência em que quase todas as suas unidades internas tiveram que virar-se para a cerificação das máscaras. Acredito, por outro lado, que algumas empresas que começaram com as máscaras vão evoluir para a produção de EPI’s e será aí que podem ter valor acrescentado.

O CITEVE não teria sido o lugar certo para o Governo ter mandado testar as golas de proteção contra incêndios da Proteção Civil, que tanta polémica causaram há um ano?

Acho que houve uma distração por parte das entidades governamentais. Acho que hoje, e depois do que sucedeu durante a pandemia, essas entidades compreenderam muito bem que o CITEVE é uma mais-valia. E há neste momento um contacto muito apertado entre o centro e o Ministério da Economia – desde logo através do secretário de Estado da Economia, João Neves – mas também com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Recebemos aqui também o ministro do Ambiente que também se apercebeu da mais-valia do CITEVE. E vamos, juntamente com aquele Ministério, desenvolver projetos na área da sustentabilidade. Portanto, há hoje uma sensibilização muito grande para as valências do CITEVE e para a interajuda que pode dar em todos esses casos.

Uma sensibilização importante

É muito importante esta articulação. A crise pandémica alertou para essa necessidade entre as entidades governamentais e o CITEVE – uma estrutura que está ao dispor, que já demonstrou que tem capacidade reconhecida inclusivamente a nível internacional.

Fora de portas aperceberam-se disso?

Nesta crise, quando demorávamos três semanas a certificar os produtos, os nossos concorrentes europeus demoravam mais do dobro. Há o caso de uma grande empresa espanhola, cujo proprietário me telefonou dizendo que estava desesperado por uma certificação que demoraria um mês e meio e que sabia que o CITEVE a faria em três semanas. Isso dá-nos uma credibilização muito grande.

Que pode avançar sobre os projetos com o Ministério da Economia?

O Ministério tem sido um parceiro muito interessante. Primeiro porque teve a capacidade de dialigar connosco, de ver as necessiades do CITEVE em termos de articulação do apoio à indústria. Temos um grande projeto em curso, o Projeto Mobilizador, que abrange vários parceiros e que o Ministério está a apoiar, o que é fundamental – envolve cerca de 20 milhões de euros, porque abrange vários setores da economia, entre elas a Saúde. Digamos que é um pacote que agrega vários projetos e várias empresas em várias áreas de atividade.

Todo esse trabalho permite também ao CITEVE o financiamento da sua atividade. Como se passam as coisas a este nível?

O CITEVE recorre aos apoios a que recorre qualquer empresa. Concorre a projetos – muitas vezes é o promotor, outras vezes é apenas parceiro – e é pago pelos serviços que executa. O CITEVE encerrou 2019 com um resultado positivo da ordem dos 601 mil euros  e receitas de seis milhões, dos quais 30% a 35% a nível externo – coisa inédita para uma estrutura destas. Não é um resultado que apareceu por acaso: há vários anos que o CITEVE tem tido resultados sustentáveis, o que comprova que é uma estrutura em relação à qual os clientes mostram-se satisfeitos. Não temos subsídios a nível do Orçamento do Estado. Concorremos a tudo o que sejam projetos, nomeadamente projetos europeus.

Como será 2020?
Admito que vamos chegar ao final do ano com o mesmo nível de faturação de 2019. De quaquer maneira, somos o barómetro da indústria: se o setor funcionar bem, nós funcinamos bem.

Qual é a dimensão das operações do CITEVE no estrangeiro?

É uma guerra, entre aspas, que eu tive há uns anos. Num conselho geral, havia uma proposta de desenvoler trabalhos em Marrocos. Fiquei entusiasmado, era um primeiro passo para a internacionalização. Mas o conselho mostrou-se renitente – felizmente que contrapus e essa resistência acabou por ceder. Há cerca de 20 anos, o CITEVE iniciou o processo de internacionalização. Está em Marrocos – temos até uma proposta do governo para replicarmos o centro tecnológico em Marrocos.

Vão fazê-lo?

Estamos a estudar, sendo certo que o CITEVE irá sempre ter a maioria para poder controlar a situação. Estamos na Tunísia, no Brasil, no Paquistão, no México e no Chile – com delegações ou representantes. Há dois anos desenvolvemos um projeto de grande dimensão na Nicarágua. Hoje em dia, a credibilidade e a imagem internacional do CITEVE são inegáveis. Inclusivamente podemos levar empresas a encontrar oportunidades nos mercados onde o centro tecnológico se encontra a trabalhar.

Como vê a retoma da economia?
Acho que Portugal vai ter uma retoma forte – desde que as empresas aproveitem as oportunidades.

Faz uma ligação direta entre a recuperação do CITEVE e a das empresas?

Faço. Acho que o CITEVE é um barómetro e acho que já há uma recupeção forte a nível dos outros ensaios – vamos colocar as máscaras de lado. Em termos dos clientes do CITEVE, notamos que já há uma retoma forte. E essa retoma é de certa forma fácil de entender: com este problema, havia muitas empresas que iam comprar à China, à Índia ou ao Bangladesh que neste momento, com o risco das deslocações, é natural que recorram a Portugal. Dentro do espaço europeu, Portugal é sem dúvida o país têxtil melhor preparado: tem qualidade, tem serviço, tem credibilidade. Portanto há uma boa oportunidade para os têxteis portugueses. Não vejo nisto tudo uma grande catástrofe. Acho que a retoma vai ser em ‘V’.

A curto prazo?

A muito curto prazo, o setor vai ter dificuldades, em outubro, dezembro. Mas a partir daí vai haver uma retoma.

O Governo reagiu bem?

Na generalidade, o Governo reagiu bem. Os timings é que nem sempre podem ser geridos com a vontade que o Governo quer e que seriam os ideais para as empresas.

Falta o banco de fomento?

Se houvesse o banco de fomento, a situação poderia ser agilizada.

Perfil

Aos 68 anos, é presidente do CITEVE desde 1996: “sou tipo o Pinto da Costa do centro”. Aquilo que encontrou na altura era diametralmente diferente do que é hoje possível encontrar naquele enorme espaço verde em Famalicão, onde gere uma estrutura (CITEVE e CeNTI) com cerca de 240 colaboradores. Economista de formação (Faculdade de Economia do Porto), viveu dois anos em Londres e, findo o curso, foi estagiar para a Têxtil Manuel Gonçalves, com cuja família é aparentado. Mais tarde passou pela Fábrica de Fiação dos Casais, em Riba d’Ave como diretor financeiro, antes de ser administrador da Arco Têxteis durante 30 anos. Saiu em 2010, tendo desde aí mantido atividade profissional apenas no CITEVE

As perguntas de
Manuel Gonçalves
Administrador do grupo TMG

A pandemia do novo coronavírus foi um acelerador da transformação digital das empresas. De que forma vê os seus efeitos na Digitalização e Desmaterialização de Protótipos de Tecidos e de Vestuário?

Foi sem dúvida um acelerador da Economia digital a nível global pela força do confinamento. Acredito que em várias fases do processo da desmaterialização de protótipos de tecidos e de vestuário poderá funcionar, quando já existe uma relação com o cliente que conhece o produto e tem confiança no fornecedor. No entanto, num primeiro contacto acho difícil que não haja  da parte do comprador a necessidade  de tocar o tecido para sentir o tipo de acabamento.

Também expôs fragilidades dos países nas cadeias de abastecimentos. Estes acontecimentos tenderão a acelerar o “reshoring” da produção?

Sem dúvida que as fragilidades dos países nas cadeias de abastecimento se tornaram evidentes e a tendência será certamente para o acelerar do reshoring da produção, daí a importância dos Clusters que permitem a colaboração entre empresas para uma oferta mais alargada e adaptada à procura.

João Correia Neves
Secretário de Estado Adjunto e da Economia

A pandemia do Covid-19 veio enfatizar a importância de construirmos uma Europa estrategicamente mais autónoma, Neste contexto, que papel podem as infraestruturas tecnológicas como o Citeve desempenhar na reindustrialização da Europa e, em particular, de Portugal?

A reindustrialização terá de assentar essencialmente na inovação e na sustentabilidade. O CITEVE tem uma grande responsabilidade porque tem de ser o dinamizador e catalisador das empresas, levando-as a desenvolverem projectos que as possam diferenciar e assim valorizar os seus produtos. O nosso tecido industrial é composto por PME que não dispõem de meios para fazer investigação, ao CITEVE cabe o papel de o fazer e disponibilizar.Tem também um papel importante no sentido de influenciar as políticas públicas que permitirão apoiar o sector

Em 2019, o Governo, através do Ministério da Economia, celebrou um Pacto Setorial para a Competitividade e Internacionalização com o Cluster Têxtil: Tecnologia e Moda, gerido pelo CITEVE. Que balanço faz desta iniciativa e como pode o papel dos clusters ser reforçado na atual conjuntura?

A ITV Portuguesa , conforme já referi, é composta por PMEs e  mesmo as ditas grandes são pequenas a nível global . O presente e o futuro exige cada vez mais empresas criativas, inovadoras, sustentáveis, mas também exige especialização, as empresas têm de ser boas, muito boas, no que oferecem e não podem oferecer de tudo, como é óbvio.

O Cluster Têxtil permite que haja entre as empresas independentemente da dimensão uma colaboração e integração da especialização com complementaridade em termos de oferta com dimensão para um mercado global.

Hoje o têxtil está presente em vários setores; automóvel, aeronáutica, espacial, saúde, construção ,etc.etc. Estes sectores estão organizados em Clusters e não faria sentido que o nosso sector, pela dimensão e importância que tem, não tivesse um Cluster. Até porque, embora não organizado, já existe de forma natural há vários anos.

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