Jorge Fiel e Isabel Cristina Costa
Ana Sousa, 58 anos, criadora da marca que ela o seu nome, está cheia de planos para o futuro: “Vamos abrir lojas em Paris, Milão e Nova Iorque, junto à 5ª Avenida. Vou fazer um perfume, uma linha de lingerie, e depois a Ana Sousa vai para os têxteis lar”
na Sousa só veste Ana Sousa. 100%. Roupa, mas também acessórios. Ela podia comprar a carteira mais cara do mundo. Mas não. Prefere usar a que desenhou. Sente-se como uma embaixadora da sua própria marca. E é uma mulher satisfeita: “Jamais pensei alcançar esta dimensão. Sonhava apenas ter uma casa, um carro e viajar”, confessa. Um entrevista em direto, a partir de Pereira, Barcelos. Para todo o mundo.
Como foi a decisão de criar a marca Ana Sousa?
No início dos anos 90, com as idas à Portex e a aposta na exportação, estávamos a vender bem e ganhámos muitos clientes diretos estrangeiros, em especial na Escandinávia, que nos pediram uma outra marca além da Flor da Moda. Foi assim que nasceu a marca Ana Sousa.
As coisas estão a correr melhor do que esperavam quando em 1998 se aventuraram a fazer uma cadeia de lojas próprias?
No início, pensávamos que ia ser mais fácil No retalho, sentimos que os mercados estão muito confusos, anda muita mudança e incerteza no ar. Na produção, as coisas correm sobre rodas. Este ano, vamos vender mais 16% que em 2014.
Porque é que que abriram duas lojas na Galiza (Lugo e Vigo), em 1999, antes de inaugurarem a primeira em Portugal, no Arrábida Shopping?
Em Portugal já tínhamos muitos clientes multimarca. Testamos o conceito aa Galiza, a ver se ele funcionava, para que quando o trouxéssemos para Portugal já estivesse afinado e sem falhas. Foi um boa decisão.
Na hora de criar uma marca, a maioria das nossas empresas adotam nomes italianos ou ingleses. Porque é que usaram um nome português?
Tenho muito orgulho e honra em ser portuguesa. No princípio, quando ia a feiras em Paris, nos hotéis e restaurantes, perguntavam-me se era italiana ou espanhola. Não acreditavam que eu fosse portuguesa, pois estavam convencidos que éramos todas feias, tínhamos bigode e usávamos rabo de cavalo. Eu ficava satisfeita por estarem a dizer-me que eu era bonita, mas também muito triste pela imagem má que tinham da mulher portuguesa. Nunca me arrependi de não termos disfarçado a nossa origem portuguesa e de assim darmos o nosso contributo para corrigir essa imagem errada.
Olhando fora para trás, tem a sensação de que a aposta na criação de uma marca própria foi um salto no escuro?
Foi arriscado. Mas permitiu-nos evoluir muito. Quando começamos, era eu sozinha, a desenhar, cortar e fazer os moldes. Hoje tenho seis designers e sete modelistas. Tivemos de evoluir porque hoje em dia o mercado está encharcado de produtos. Para sermos bem sucedidos, temos de ser cada vez mais rápidos. É certo e sabido que ficamos para trás se não formos capazes de trabalhar com prazos cada vez mas curtos. Agora, no mundo da moda, uma semana perdida significa que os produtos vão ficar na prateleira.
Como é que foi possível a partir de Pereira, uma aldeia de Barcelos, construir e obter o reconhecimento nacional e internacional para uma marca?
Não nos acanhando. Temos valor e imaginação, sabemos produzir e conjugar os tecidos. E percebemos que a Internet tornou o mundo muito mais pequeno e acelerou a moda. Cheguei ontem à noite de Barcelona, onde às tantas dei por mim irritada porque no recinto da feira o wi-fi não funcionava bem, o que me atrapalhou e atrasou o trabalho.
Por que é que os espanhóis são excelentes no retalho e nós somos melhores na produção?
Enquanto nós estávamos a construir auto-estradas, os espanhóis lançavam as bases para grandes redes de retalho internacionais. Perceberam mais rápido que nós a importância de estarem junto ao consumidor. E à partida tinham a vantagem do mercado interno deles ser muito maior que o nosso. Como o meu marido João costuma dizer, no comércio eles ganham-nos por 9-1, mas na produção perdem por 7-3.
Qual é o peso da marca na faturação da Flor da Moda?
Há três anos, 85% da produção da Flor da Moda era para Ana Sousa. Hoje é só de 65%. O que não quer dizer que tenha diminuído o número de peças fabricadas para a nossa marca, mas sim que o crescimento foi muito maior na produção para marcas de top mundial, em regime de private label. Os compradores vêm cá, vêem a coleção Ana Sousa e pedem-nos para lhes fazer esta peça e aquela, mas com a marca deles. Se for para mercados onde estamos com a Ana Sousa, faço umas alterações no desenho para as peças não se confundirem, mas as bases de trabalho são as mesmas o que é ótimo pois permite-nos rentabilizar o processo criativo. Nos outros casos, temos de fazer tudo de raiz.
Adquiriram aqui em Barcelos uma empresa de malhas (a Sousa, Vieira e Veloso) para fornecer a Ana Sousa. Já abandonaram a ideia de deslocalizar parte da produção para o Marrocos ou Brasil?
Recebemos várias ofertas. O meu marido visitou fábricas em diversos países e quando voltou foi peremptório. Não gostou do que viu. Não se reviu nos padrões de qualidade deles. Vamos continuar a fazer toda a produção aqui em Portugal, que é o país mais lindo do mundo e com elevadas competências na área têxtil.
A inovação é decisiva para fazer face à concorrência?
É fundamental para o crescimento da marca. As consumidoras estão cada vez mais exigentes. Para fazermos a diferença temos de continuar a desenvolver novos produtos como o Adeus Celulite – que ao incorporar as microcápsulas no fio consegue que o efeito resista a um número infinito de lavagens – ou os jeans hidratantes, da linha Corpo Perfeito, que, além de hidratarem, vestem-se como uma segunda pele, levantam os glúteos e aguentam entre 60 a 70 lavagens. São o nosso produto mais vendido em França, onde estamos a comercializá-lo em 120 lojas, há quatro estações.
É possível construir uma marca sem ter uma rede de lojas próprias?
Era possível, mas seria muito mais difícil. Ter uma cadeia de lojas próprias permite-nos avaliar muito mais rapidamente a reação aos produtos, detectar tendências e variações de gosto. Tudo isto é um conhecimento precioso que demoraria ao dobro do tempo a chegar-nos se não tivéssemos lojas.
Com a abertura de Leiria, em Março, a rede passou a ter 49 lojas em Portugal e 13 no estrangeiro (cinco em Espanha, uma na Suíça, três no Luxemburgo, duas na África do Sul e três na Rússia). Qual é geografia da vossa expansão?
No curto prazo, a nossa grande aposta vai ser em França e nos Estados Unidos. No próximo ano, vamos ter mais seis pontos de venda em França e planeamos abrir uma loja no centro de Paris, numa boa localização, o que encaramos como um investimento em marketing, na imagem da marca.
Abrindo uma loja Ana Sousa em Paris, só ficam a faltar Nova Iorque e Milão para concretizar o seu sonho?
A seguir será Milão, mas terá de ser em uma de três ruas que já tenho perfeitamente identificadas. E lá chegará o tempo de Nova Iorque. Para começar, poderá não ser na 5ª Avenida, mas será seguramente numa transversal.
Quais são os planos para os Estados Unidos?
Estamos entusiasmados com a perspetiva da assinatura do acordo de livre comércio. Para começar, queremos abrir um escritório de vendas, em parceria com outros exportadores portugueses, para atenuar o investimento. Um escritório nos EUA, entre rendas e salários, custa no mínimo 300 mil euros/ano. Porque é que não havemos de repartir esta despesa com uma empresa de calçado e outra de um segmento da ITV? Temos de fazer casamentos, de aprender a voar em formação. A nossa guerra não está em Portugal, mas lá fora. A nossa concorrência está nos mercados externos, não dentro de portas. Temos de colaborar e exterminar a pequenez da mentalidade de cada um se pôr a defender o seu quintalzinho.
É capaz de traçar o retrato robot da mulher que veste Ana Sousa?
A mulher que veste Ana Sousa não tem idade. Temos duas linhas. A Be Woman, mais dirigida á mulher dinâmica e multifacetada, que tem uma profissão mas também é esposa, mãe e dona de casa. E a outra, a Be Young, mais divertida, mais livre, que tenho um enorme prazer em criar a pensar nas jovens mulheres ainda sem encargos na vida. Mas no dia a dia as coisas baralham-se. Às vezes dou por mim a usar uma peça Be Young. E noutro dia a minha sobrinha que tem 19 anos, chama-se Ana Sousa como eu e está a estudar Artes no Porto, apareceu-me vestida Be Woman dos pés à cabeça.
Vão continuar a estender a marca Ana Sousa para novos segmentos?
Já tínhamos óculos de sol. Agora estamos a chegar às ópticas a nossa linha para óculos de correção. Vamos lançar um perfume. E logo a seguir ter uma linha de lingerie.
E para os têxteis lar? Têm projetos?
Temos recebido vários pedidos de licenciamento da marca. Estamos a analisá-los. É certo que desenharemos a coleção e que concessionaremos a produção e comercialização.
Quais são as expetativas para as vendas neste Natal?
Estou bastante otimista e confiante. Tenho a certeza que vão ser melhores do que no ano passado.
Em Portugal, as lojas de shopping continuam a ser melhores que as de rua?
Sinto que a tendência se está a inverter e as pessoas estão a regressar ao comércio tradicional. O fenómeno dos shoppings foi muito português. Lá fora, a rua tem muito mais importância. Creio que, com o tempo, os centros comerciais continuarão a ter grande importância, mas o comércio de lojas de rua subirá exponencialmente.
O peso do online nas vendas tem vindo a crescer?
Tem sido uma grande surpresa. O investimento inicial não foi barato, mas desde que a abrimos, há dois anos, loja online é a que mais cresce em termos percentuais, tem custos mais reduzidos e permite-nos vender para mercados como a Austrália ou o Canadá , onde não estamos fisicamente. A tendência é para continuar a crescer. As consumidoras já sabem os seus tamanhos e estão cada vez mais habituadas a comprar online.
Quando era adolescente e fazia as suas primeiras roupas, inspirava-se na televisão e na música que ouvia, os Abba, Beatles, Queen, etc. Agora, qual é a fonte?
Nas viagens. Para um criador, viajar é imprescindível. Estamos num café ou a dar uma caminhada de manhã na suas à volta do hotel e às tantas captamos um elemento ou uma ideia para a próxima coleção. Quanto mais cosmopolita for a cidade, mais as ideias nascem na diferença das pessoas, dos hábitos e da cultura
A moda portuguesa evoluiu positivamente nos últimos 20 anos?
Sim, sinto que estamos a ir no bom sentido e há cada vez mais estilistas a perceberem que a moda não é o mundo da lua, que não se vive de uma coleção feita só a pensar na passarela – e que quando desenham podem não ter apenas em conta o seu gosto mas também que têm de faturar e por isso as peças têm de se adequar ao gosto do cliente.
Ana Sousa, 58 anos, criadora da marca que leva o seu nome, nasceu em Pereira, Barcelos, sendo a mais nova de seis irmãos do matrimónio entre um pequeno empresário de construção civil e uma mãe que lhe faltou quando ela tinha apenas 13 anos. Como não queria trabalhar no campo, arranjou maneira de ir viver com uma tia da Póvoa de Varzim, onde aprendeu costura.
Em finais dos anos 60, Ana Faria era uma jovem rebelde, que vestia coisas atrevidas e arreliava o pai fumando, indo ao café e vestindo minissaias ou usando calças. De volta a Pereira, com 16 anos, por alturas do 25 de Abril, montou um atelier em casa da avó paterna, começando desenhar e fazer vestidos por medida e de noiva para uma vizinhança cada vez mais alargada.
A sua fama estendeu-se à cidade de Barcelos, onde logo arranjou freguesia. No entretanto, a costureira conheceu João, dois anos mais velho, que aprendera a arte da alfaiataria com o avô Bernardino. Não tardou a que a costureira se casasse com a alfaiate, a 30 de Novembro de 1975, assumisse o apelido Sousa, numa união que deu origem ao Nuno e ao Sandro, os dois filhos do casal, à fábrica Flor da Moda e à marca e cedia de lojas Ana Sousa, que em conjunto empregam 800 pessoas e facturam 27 milhões de euros.
Os produtos são pensados como uma imagem global da marca que permanece inalterável ou faz ajustes pensados em conformidade as exigências dos diferentes mercados?
Faço adaptações consoante os gostos e os climas de cada mercado. Nas cores, as clientes espanholas da Ana Sousa são mais conservadoras, as francesas são mais ousadas e as russas têm o mesmo gosto que nós. As roupas para a África do Sul são confeccionadas em tecidos mais leves, enquanto que as que vão para a Suíça são mais quentinhas. Ou seja, fazemos ajustes, mas sempre ser perder a alma. O ADN Ana Sousa tem de lá estar.
Como funciona a estratégia de comercialização da marca?
Temos de tudo. A maioria das lojas Ana Sousa são nossas, mas algumas são em franchising. Estamos em muitas lojas multimarca. No Luxemburgo temos um showroom. E vamos muito a feiras. À Who’s Next, em Paris, e à Momad, em Madrid, como expositores. E a muitas outras como compradores. Fazemos toda a produção em Portugal mas metade dos tecidos são comprados fora.
Qual a importância da formação profissional para o crescimento e internacionalização da empresa e marca?
Os melhores ativos que temos são os nossos 800 trabalhadores. Mas é preciso melhorar sempre e muito a formação, não só a específica, mas também geral. Recentemente, o meu marido visitou uma fábrica no Egito e em todos os departamentos, os chefes fizeram as apresentações em inglês. Ora cá na produção temos chefes de departamento fantásticos e competentes, do melhor que há no mundo, mas nenhum deles seria capaz de fazer uma apresentação em inglês. Neste aspecto, como país, temos de melhorar muito.
Como é que o Modatex, enquanto entidade formadora, pode ajudar-vos?
Fazem-nos falta bons vendedores, designers de ilustração, costureiras e modelistas. Durante anos formaram-se demasiadas pessoas para secretariado e funções afins e negligenciou-se as profissões sem as quais a têxtil não trabalha. Vou dar um exemplo, para colmatar a falta de modelistas técnicas, fomos buscar umas miúdas às máquinas , que estão a ser ensinadas por duas modelistas que temos e foram formadas no CITEX. Sentimos que as universidades e as escolas profissionais deviam interagir mais com as empresas, para perceberam as suas necessidades a adequarem a sua oferta de formação.