Ana Paula Rafael
“No futuro só erramos se formos tolos”
T1 Setembro 2015

Jorge Fiel

Ana Paula Rafael, 54 anos, CEO da Dielmar, que teima em manter o centro de gravidade em Alcains, Castelo Branco, lamenta que Portugal seja um país desequilibrado: “A única vantagem do Interior é a qualidade do ar. Nunca respirei um ar tão bom como aqui. Tudo o resto é penalizante”.

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na Paula Rafael é uma mulher apaixonada pelo trabalho e pela vida, uma militante da criação e distribuição de riqueza, que pensa sempre e muito, pela própria cabeça: “Não me canso de dizer às pessoas que quem deve trabalhar é a cabeça. As mãos e os pés só executam.  Quem pensa é a cabeça.  No dia  em que, nas empresas, metade das pessoas começarem a pensar, Portugal vai ser imparável”.

 

Sentiram muito a crise?

A última crise foi mais profunda e longa que as anteriores e sentimo-la muito porque atingiu de forma particularmente aguda os nossos dois mercados naturais, Portugal e Espanha. Foram tempos muito duros. Metemos a 5ª velocidade e, prego a fundo, mobilizamos a equipa toda e fomos lá para fora compensar as perdas na Península Ibérica. O país afundou, mas a crise teve o seu lado positivo. Foram tempos duros mas de aprendizagem. As empresas perceberam que havia novos caminhos a trilhar, que tinham de se reinventar e exportar mais.

 

O mau tempo já passou?

Não, o mau tempo ainda está aí. O que passou foi a tempestade. Durante a crise andamos a navegar à vista.  Agora a atmosfera já está mais clara e permite-nos desenhar estratégias  e navegar com um rumo. Vamos ver o que que as próximas eleições nos trazem. Mas estou otimista.  Estou certa que a o poder político amadureceu com a crise. No futuro só erramos se formos tolos. É como diz o povo, à primeira toda a gente erra, à segunda erra quem quer, mas à terceira só os tolos é que erram.

 

Que erro é que a Dielmar não vai cometer no futuro?

Ter os ovos todos num ou dois cestos. Estamos a diluir os riscos. A diversificar os mercados e dentro de cada mercado a diluir o risco diversificando o segmento dos clientes.  Estamos a por os nossos ovos em cada vez mais cestinhas. É um esforço maior mas tenho a certeza será recompensado no futuro.

 

Ana Paula Rafael
"As empresas não podem ter só produto. Têm de ter marca para fidelizar os clientes"

Os custos energéticos são o maior estrangulamento à competitividade?

São um estrangulamento, mas não o maior fator crítico. A competitividade depende de um cabaz de fatores, em que entram os custos da energia, mas também os custos do dinheiro, os apoios à exportação, a legislação laboral.… Este cabaz tem de ser construído e haver uma estratégia clara. A energia é um pacote feio, mas que podia ser aguentado se os restantes fatores contribuíssem para criar um ambiente favorável à criação de riqueza e emprego, o que infelizmente não acontece.

 

A flexibilização da legislação laboral não foi suficiente?

Foram dados alguns passos, mas ainda insuficientes. Eu defendo o direito de toda a gente ao trabalho e a uma vida segura, estável e digna. Também sei que quanto mais liberal forem as leis do trabalho, maior será a eficácia das empresas e mais empregos serão criados. Emprego para a vida? O que é isso? O que tem de haver é paixão pelo trabalho durante toda a vida. Uma empresa como a Dielmar, de mão-de-obra intensiva, que emprega mais de 400 pessoas e tem uma enorme responsabilidade social na sua região, não pode deixar de ser eficaz. Não posso nunca admitir que dez pessoas possam impedir as outras 400 de terem trabalho.

 

“Emprego para a vida? O que é isso? O que tem de haver é paixão pelo trabalho durante toda a vida”

Estar no interior é uma desvantagem ?

E das grandes. A grande vantagem é a qualidade do ar. Nunca respirei um ar tão bom como aqui. Tudo o resto é penalizante. O país está desequilibrado. Temos escassez de pessoas qualificadas, pelo que temos de lhes pagar mais para as trazer do litoral. Estamos isolados, não há um ambiente rico de interação de culturas e conhecimentos com outros empresários. Ora eu, sozinha e isolada, não vou crescer mais. Vou ficar com o meu 1m75cm (risos).

 

Introduzir portagens nas ex-Scuts não ajudou…

Nada. As auto-estradas estavam a despertar a descoberta do Interior pela pessoas do litoral e a desenvolver o turismo de natureza e montanha.  Estava a assistir-se inclusive a novos investimentos nesta zona do Interior. As portagens bloquearam este movimento. Vieram criar uma nova e profunda barreira e acabaram com o ambiente amigável que estava a iniciar-se. Ergueram um muro à volta do interior.

 

O custo e o acesso ao dinheiro ainda são fatores críticos?

O custo do dinheiro cresceu exponencialmente com a crise. E a banca deixou de estar tão disponível para se expor ao risco. As PME estão a financiar-se a taxas que oscilam entre os 4% e os 8% e mais. Não acredito que o preço do dinheiro volte tão cedo aos valores anteriores à crise. Por isso, precisamos com urgência de um ambiente financeiro favorável às exportadores. Para que o país se desenvolva e mantenha a dinâmica exportadora é preciso haver ferramentas que apoiem as empresas. Estamos à espera do Banco do Fomento.

 

Como vai controlar o obstáculo de, ao ter mais de 250 trabalhadores, a Dielmar estar impedida de aceder aos apoios destinados às PME? 

É um forte constrangimento ao nosso desenvolvimento. Somos considerados uma grande empresa, como a Galp ou a EDP (sorri)… O único critério que nos impede de sermos classificados como efetivamente somos, uma PME, é o do número de trabalhadores. É um critério cego, que não vê que estamos num setor de mão-de-obra intensiva. A têxtil é mais máquinas, o vestuário assenta nas pessoas a nas suas mãos. No vestuário teremos mais qualidade quanto mais mãos de artista empregarmos. Nós, em Portugal, temos muito a aprender com os espanhóis a driblar problemas como este.

 

Quais são os pontos fortes da Dielmar?

A paixão pela alfaiataria, o culto e know-how desta arte, que felizmente não deixamos cair ao longo de 50 anos de vida. Soubemos manter a tradição, acrescentando-lhe e vitaminando-a com a inovação. Na Dielmar somos grandes adeptos da inovação e da mudança, temos uma mentalidade flexível e gostamos muito do que fazemos. Ter sabido manter os processos de alfaiataria adaptados a uma unidade industrial é um dos nossos pontos fortes. Os outros são termos construído uma marca e as pessoas. As pessoas que aqui trabalham têm mãos de artistas. Se chegasse aqui o Cargaleiro e o metesse numa sala a fazer um fato e metesse as nossas meninas noutra sala a imitar a Guernica, tenho a a certeza que elas fariam o trabalho mais depressa e melhor do que ele.

 

Ter marca própria foi decisivo para atravessar a crise?

Sem dúvida. As empresas não podem ter só produto. Para fidelizar o cliente e os mercados têm de ter marca. A marca tem uma relação emocional com as pessoas. Eu ainda me lembro do Tulicreme com que a minha mãe barrava o pão que me dava quando eu chegava da escola. Ter marca própria é o segredo da longevidade de uma empresa e da saúde de um país.

 

Ter um rede de lojas próprias é decisivo para a construção da marca?

Indispensável. As empresas têm de ter pensamento estratégico. Sem isso não gerimos, limitamo-nos a trabalhar. Em 99, refletimos e concluímos que para crescer tínhamos de  nos adaptar ao novo perfil da distribuição. Como não tínhamos dinheiro para construir uma marca através de investimentos maciços em publicidade, optamos pela loja, que é um outdoor permanente e ainda por cima fatura todos os dias. A primeira da nossa cadeia de nove lojas, abriu nas Amoreiras a 3 de Agosto de 2001.

 

14 anos depois, é pelas Amoreiras que vão começar a introduzir o novo conceito de loja.

Não é novo, mas sim um retorno ao conceito original. Nós prestamos um serviço de alfaitaria e cada uma das nossas lojas é um espaço físico que tem de transpirar esse conceito. No início, em cada loja havia um alfaiate que, com o tempo, foi parar aos armazéns e oficinas. Agora os alfaiates vão voltar às lojas, pois eles são a nossa montra viva.

 

Angola, China, Dubai ou Noruega. Onde vão começar a testar o conceito de loja Dielmar?

Estamos em negociações com potenciais parceiros. Já vendemos nos cinco continentes e sabemos como queremos fazer a internacionalização. Vai ser em franchising, e as pessoas serão formadas aqui. A questão não é o perfil do país para onde queremos ir,  mas sim do nosso futuro parceiro. Essa é que é a chave para o sucesso do negócio.

 

A reindustrialização é um discurso, um sonho ou uma realidade?

Tem de ser um sonho que se transforme em realidade. Quando ouvi o Álvaro Santos Pereira falar na reindustrialização, pensei que já houvesse um rumo definido. Mas passaram-se os anos e continuo a não ter conhecimento da existência de uma estratégia ou medidas neste domínio.  As empresas ajustaram-se e aumentaram as exportações para compensarem a depressão no mercado interno, mas o poder político ainda não cumpriu a sua parte  deixando cair as condições favoráveis à  tão necessária reindustrialização.

 

O excesso de individualismo é um dos nossos pecados, e isso reflete-se no associativismo. Não acha que todos ganhariam se a fileira têxtil fosse representada por uma única organização e falasse a uma só voz?

Compreendo que no interior do movimento associativo coexistam diferentes perspetivas ,- regionais, locais e setoriais. Mas o bem e interesses comuns têm de sobrepor-se a essas perspetivas diversas. O problema é que para que se verifique uma congregação de vontades é indispensável haver um liderança forte e uma estratégia clara. O ideal seria que a ITV falasse a uma só voz e com uma estratégia criadora de riqueza, acomodando os interesses diversos – dos que vendem a nível local, os que vivem do mercado interno e os exportadores – que a prazo beneficiaria a todos. Para isso, é preciso que todos percebam que este pode não ser o seu momento, mas que a sua hora também vai chegar. Se exportarmos mais, o país fica mais rico e, a prazo, o consumo interno também vai crescer de forma sustentável. Criando oportunidades e riqueza para todos.

 

Se  fosse ministra da Economia, qual seria a sua primeira medida?

Criar a marca Portugal. Depois toda a gente venderia mais e acabava-se com a Itália a vender como se fossem seus o vestuário, calçado, mármores e azeite produzidos em Portugal – e a ficar com o grosso da margem, tal como aqueles que têm a marca.

Perfil

Ana Paula Rafael, 54 anos, é CEO da Dielmar desde 2010. Licenciada em Direito (Católica de Lisboa). Tem duas filhas: Joana, 29 anos, arquiteta e empresária, e Patrícia, 27 anos licenciada em Gestão, trabalha na EDP. Foi dirigente do Nercab durante 11 anos. Vive em Castelo Branco.

Parece que tem bichos carpinteiros. Nunca pára quieta. Anda como fala, sempre a 100 à hora. Vê-la a atravessar a fábrica é um espectáculo. Vai distribuindo beijos e trocando impressões com as trabalhadoras. Muitas tratam-na por tu. Foram colegas dela na Primária de Alcains.

Sempre foi apaixonada pela música (toca acordeão) e teria gostado de ser professora de História de Arte, mas para o pai isso não era opção. “Como diziam que era refilona, fui para Direito”. Foi advogada num escritório em Lisboa, antes de regressar a Castelo Branco. Foi empresária (chegou a ter sete lojas e 15 empresas) até, em 1999, ser chamada à administração da Dielmar. Demorou-se três anos, em que lançou a marca e a rede de lojas. Saiu em 2002 por divergências estratégicas.

Voltou em 2010. “Apanhei sempre as crises. Só sou convidada para gerir crises. Nunca me deram a oportunidade de gerir em tempo de vacas gordas”.

As perguntas de
Nicolau Santos
Diretor adjunto do Expresso

É possível continuar a compatibilizar a expansão internacional da Dielmar com a manutenção da sua base de produção em Castelo Branco?

É muito difícil, mas tem sido possível. E nós vamos continuar baseados em Alcains enquanto for possível. Não quero sequer pensar em deslocalizar. Foi aqui que nascemos e crescemos. Gosto muito das Lenas e das Manuelas que aqui trabalham e com quem andei na escola. É a elas que se deve o sucesso da Dielmar.

 

A Dielmar vive muito da liderança da Ana Paula. Está a ser acautelada uma segunda linha de sucessão, para quando se quiser retirar?

Eu sou a CEO, mas partilho a liderança com o meu irmão Luís Filipe. A questão da sucessão está pensada. Queremos continuar a ser uma empresa familiar e sabemos que a passagem de testemunho a uma nova geração tem de ser preparada atempadamente e realizada no momento certo. Pensamos que os netos do fundador devem formar-se como bons profissionais e ganharem resiliência e robustez fora da Dielmar, para que quando chegar a hora de virem para cá, a sua liderança se imponha pela competência e respeito e não seja apenas uma espécie de sucessão monárquica de um trono.

Paulo Vaz
Diretor-geral ATP

Com base na sua vasta experiência, como líder empresarial e responsável associativo, que medidas tomaria para promover o Made in Portugal? 

Há um caminho longo e duro a percorrer, mas há muita coisa fácil para fazer, que não compreendo porque é que ninguém faz, pois até nem custa dinheiro. Se eu mandasse, a primeira coisa que faria era trabalhar a marca Portugal cá dentro, mudando mentalidades por forma a criar um compromisso dos portugueses com os nossos produtos. A auto-estima nacional é das coisas mais baixinhas que eu já vi. E se não defendemos o que é nosso, quem é que vai defendê-lo? Tudo que é possível comprar em Portugal nós compramos cá, mesmo que fique mais barato comprar na China. Depois estimularia as empresas a criarem marcas portuguesas.

 

Quais as grandes apostas a fazer para desenvolver o país?

Temos uma enorme dívida para pagar e só o poderemos fazer se crescermos e nos desenvolvermos. Quais são os nossos recursos naturais? O sol e o mar. Como é que podemos exportar mais e criar riqueza? Apostando na reindustrialização. Sendo assim, onde está a dúvida? Não é preciso fazer mais estudos. Está tudo muito clarinho. A nossa trilogia virtuosa é sol, mar e reindustrialização.  Estamos à espera de quê?

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