Jorge Fiel
Alberto Figueiredo, 65 anos, CEO da Impetus, aponta custos de contexto: “Os trabalhadores não querem fazer horas extraordinárias pois quase tudo que ganham vai para impostos. Se não tivesse criado emprego, faturava o mesmo e ganhava mais”
aumento da produtividade e da competitividade das exportadoras devia ser o critério essencial no Portugal 2020 – defende o presidente e fundador do grupo Impetus. “Fala-se muito, mas em concreto não existe nenhuma medida concreta de apoio às exportações”, lamenta Alberto Figueiredo.
Sofreram muito com impacto da adesão dos países asiáticos à OMC?
Nós estávamos de sobreaviso. Sabíamos que o mundo ia abrir as fronteiras aos produtos asiáticos e isso teria consequências.
Qual foi a receita para aguentar estes tempos difíceis?
Reduzir os custos e aumentar a produtividade. Passamos a comprar mais barato, a trabalhar melhor e a ser mais rápidos a reagir a novas situações e a responder às encomendas dos clientes.
Chegou a temer que o grupo Impetus não sobrevivesse?
Nunca. Sabíamos o que ia acontecer e preparamo-nos. Atravessamos a crise sem sobressaltos. Num certo sentido, a crise acabou por ser positiva, pois obrigou-nos a mudar de comportamento. Diminuímos os custos e o endividamento, aumentamos a faturação – e nunca paramos de investir.
O mau tempo já passou para a ITV portuguesa?
Se a crise na Europa passar… O problema é que com os elevados níveis de endividamento das famílias, empresas e nações, não estou a ver como vai ser possível aumentar o poder de compra dos consumidores. E se o poder de compra baixar, as pessoas vão comprar menos – e nós vamos vender menos.
Não há sinais animadores?
Há indicadores positivos. Muitos dos compradores que fugiram para o Oriente iludidos pelo preço baixo estão a regressar, não só porque os custos lá aumentaram, mas também porque começaram a fazer bem as contas, a contabilizar os custos dos stocks imensos, dos transportes, a dimensão das encomendas, os tempos de resposta, a deslocalização de quadros, os riscos de monos, os direitos alfandegários, etc.
O made in Portugal na etiqueta é cadastro ou curriculum?
É um trunfo porque é sinónimo de ser fabricado na Europa. E é bem merecido que o made in Portugal seja prestigiante porque somos dos poucos países europeus a fabricar têxteis e fazemo-lo com muita qualidade, a uma distância ainda muito grande da maioria dos fabricantes asiáticos.
Já por mais de uma vez que fizeram o funeral à ITV. Acha que finalmente Lisboa e o poder político se convenceram que a ITV tem futuro?
Não sei se já estão convencidos. Mas deviam estar. Que sentido fazia desperdiçar um know-how acumulado durante décadas? Temos de continuar a aproveitar esta cultura e conhecimentos para desenvolver novos produtos, nem que seja para depois os fabricar na Ásia.
O nível da i&d do setor é satisfatório?
Os progressos foram imensos. Mas temos todos de ouvir o Daniel Bessa quando ele diz que para o resultado final ser um sucesso temos de concentrar os nossos esforços a fabricar coisas práticas para serem compradas e usadas – e não só para serem vistas. Temos de perceber o que o mercado quer.
Custo e acesso ao dinheiro, custos energéticos e salariais, envolvente política. Qual destes custos de contexto afetam mais a competitividade das exportadoras?
Felizmente conseguimos reduzir muito os encargos financeiros e por isso temos acesso fácil a dinheiro e a um custo baixo, a taxas de um e um pico por cento. Estou de acordo com o aumento dos salários. Uma empresa não prospera se não tiver bom pessoal, bons quadros e bons empresários. Mas não pode ser a Santa Casa da Misericórdia e substituir o Estado nas suas funções sociais. Se mudarem a legislação laboral de modo a facilitar o despedimento dos maus trabalhadores, poderemos aumentar salários sem perder competitividade. Aos políticos pedimos estabilidade de políticas, principalmente fiscais.
Os salários em Portugal são demasiado baixos?
É preciso saber fazer as contas. O salário mínimo é de 530 euros vezes 14, enquanto em muitos outros países só se multiplica por 12. Se fizermos a conta ao valor anual e dividirmos por 12 já estamos nos 620. Juntando o subsídio de refeição chegamos aos 700. O problema mais delicado é o da legislação laboral e fiscal. Quer um exemplo? Os trabalhadores não querem fazer horas extraordinárias, pois quase tudo que ganham vai para impostos, com a subida de escalão e outros descontos.
Qual é a solução?
A solução não é a proposta demagógica dos sindicatos de contratarmos mais gente, porque as horas extraordinárias, não são para fazer todos os dias, mas para fazer face a picos de encomendas. A solução é o Estado diminuir a carga fiscal e os descontos que pesa sobre as horas extra que os trabalhadores pagam – sublinho os trabalhadores, pois não estou a pedir isso para as empresas.
É mau que o Banco do Fomento tenha sido abandonado?
Nunca soube muito bem o que era isso, nem estava muito preocupado. Não era para dar dinheiro, pois não?
Que medida concreta gostaria o Governo concretizasse para bem da ITV?
O aumento da produtividade e da competitividade das exportadoras devia ser o critério essencial para os apoios a conceder no âmbito do Portugal 2022. Não existe nenhuma medida concreta de apoio às exportações. Fala-se muito mas em concreto não há nada.
É mais difícil ser presidente da Câmara ou empresário têxtil?
É muito mais difícil gerir uma empresa. Numa câmara reage-se. Aqui planeia-se. No setor público é tudo para amanhã. No privado é tudo para ontem, pois não sabemos como é o dia de amanhã e se andamos à frente com os prazos teremos disponibilidade para aceitar uma nova encomenda que nos apareça.
A reindustrialização é um discurso, um sonho ou pode tornar-se uma realidade?
Não pode ser só um discurso. Pela nossa parte vamos continuar a comprar mais máquinas e a meter mais pessoas. Acredito na reindustrialização, Acredito que Portugal precisa de uma indústria forte. Mas temos de progredir. Não temos muitas marcas e estamos demasiado dependentes da subcontratação, um segmento de mercado que é muito instável e volátil.
Agrada-lhe o sistema de incentivos às empresas no Portugal 2020?
Se me limitasse a ter um armazém, um corte e fabricasse lá fora, ganhava mais dinheiro e era apoiado porque tinha menos de 250 trabalhadores e era PME. O meu erro foi ter dado emprego. Se não tivesse criado emprego, facturava o mesmo e ganhava mais. Isto é um contra-senso. Com o problema de desemprego que temos, o Governo deveria ter negociado um tratamento de exceção na classificação das empresas como PME. Também os critérios dos objectivos, quer para aprovação dos projetos, quer para a atribuição de prémio, são um autêntico jogo de sorte. Os regulamentos estão fora da realidade das empresas.
O ensino satisfaz as necessidades da economia?
Sinto uma enorme falta de quadros médios. Hoje em dia, com o 12º ano ninguém quer ser operário. Falta o ensino médio profissional. Temos desempregados que não querem trabalhar. Também sinto a falta de engenheiros e pessoas para a área comercial que estejam mais bem preparados para a nova realidade do mundo em que vivemos do que os que estão a sair das escolas.
Moda e marca própria, têxteis técnicos e private label. O caminho para o sucesso passa pela aposta num dos três caminhos ou em todos ao mesmo tempo?
O futuro são produtos técnicos e diferenciados com a nossa marca própria. Neste momento estamos a desenvolver com a Universidade do Minho uma linha desportiva com uma componente muito técnica que vamos vender com a marca Impetus.
A Impetus começou por ser roupa interior masculina, alargou-se ao beachwear e à mulher. Vai estender-se a outros segmentos até chegar ao total look?
A marca Impetus desenvolve-se criando várias linhas, no underwear temos uma linha mais clássica, outra mais jovem e outra mais moda. Fora do underwear temos uma linha virada para o desporto e outra para a saúde. Só continuaremos a produzir marcas licenciadas enquanto elas nos garantirem boas rentabilidades.
Em que pé está o investimento no aumento da capacidade produtiva das Malhas CEF?
Já aumentamos a capacidade em 30% e vamos continuar a comprar mais máquinas. Todos os anos investimos, para estarmos sempre tecnicamente atualizados.
Quais são os pontos fortes do vosso grupo?
Um grande sentido de equipa, o sentirem a camisola. As pessoas vivem com muito prazer e gosto o sucesso da empresa. Trabalhar por obrigação já não chega. A motivação é fundamental.
Ser um grupo vertical ajuda nos tempos de incerteza que vivemos?
Nem sempre é melhor em termos de custos, mas permite-nos dar uma resposta mais rápida, o que é um fator acrescido de competitividade.
A aposta em Cabo Verde fez sentido?
Todo o sentido. Falam a nossa língua, a legislação é aceitável, os custos de mão-de-obra são quatro vezes inferiores aos de cá. É uma pena não haver mais barcos mais empresários portugueses a investirem lá. Na Verdrest fazemos private label e tiramos partido das condições favoráveis de acesso ao mercado americano dos produtos feitos em Cabo Verde.
É possível construir uma marca sem ter uma rede própria de lojas?
É, e o nosso caso é a prova disso. Aliás já há muitas marcas na Europa que não enveredaram por lojas próprias, que é uma operação de capital intensivo. Estamos em importantes department stores, como o El Corte Inglês, Galerias Lafayette, Liverpool e Palácio del Hierro, e no retalho, com três mil pontos de vendas em mais de 30 países.
Qual é a estratégia para o futuro?
Nos próximos cinco anos vamos concentrar meios e esforços em cinco mercados: Espanha, França, Bélgica, Alemanha e EUA. É preferível sermos fortes sem poucos mercados do que estarmos em todo o lado e não ser forte em nenhum. Em Julho, vamos iniciar em Espanha uma campanha de um milhão de euros. A seguir será a França, depois a Alemanha. É preciso ter escala e dimensão. Não posso investir um milhão em marketing num mercado em que só vendo meio milhão…
Como está a distribuição internacional das cuecas Protech Dry?
Temos gasto muito tempo e dinheiro a aprender qual o canal que em cada país é o mais apropriado à distribuição do produto. Na Austrália e na Suécia estamos nas farmácias. Mas em França esse não é canal mais adequado e vamos estar nos hiper da Auchan e nos Monoprix. Na Alemanha estaremos em 1100 pontos de venda. Em Inglaterra, estamos a negociar com as lojas Boots. O processo de aprendizagem foi caro e longo, mas está em vias de a ser concluído. A distribuição internacional está nas mãos da PDI, uma companhia que criamos em joint venture com a Emergo, uma empresa holandesa especializada em dispositivos médicos.
A inovação é um caminho certo mas demorado?
Não se pode desistir. Temos duas novas linhas quase prontas a ir para o mercado, uma de roupa interior multifuncional para obesos e outra de correção da postura da coluna, ambas desenvolvidas em colaboração com a Universidade do Minho.
O processo de consolidação associativo abrandou e o setor está longe de falar a uma só voz. Isso preocupa-o?
Nós, os portugueses, somos muito individualistas. Não percebemos que somos muito pequenos e temos de nos unir porque a concorrência está lá fora – não está cá dentro. As PME alemãs já estão a fazer parcerias se lançarem no mercado americano, aproveitando as facilidades da Parceria Transatlântica. A ATP e a APICAPPS deviam promover parcerias destas, para repartir custos os custos elevadíssimos de estar num mercado tão grande como o norte-americano. Uma coisa que nos falta é aprender a voar em formação, como fazem os espanhóis. Temos que estar mais unidos.
Alberto Figueiredo, 65 anos, nasceu na Apúlia. O pai era GNR e a mãe doméstica. Após concluir o curso da Escola Comercial, na Póvoa de Varzim, foi para o Porto estudar Contabilidade. Ganhou o primeiro dinheiro na tropa, que fez entre as Caldas e Braga. Desmobilizado, em 1973, abalança-se com a mulher, Maria Emília, a arrancar numa casa antiga, na Apúlia, com uma pequena fábrica de roupa íntima, com cinco teares e seis trabalhadores, que viria a dar origem à Impetus
No início, em 1973, ele tinha de fazer tudo, desde tratar das contas até afinar os teares e ser o empregado de armazém. “Foi uma escola de vida”, recorda Alberto Figueiredo. O 25 de Abril começou por lhe provocar um sobressalto. Um comprador inglês cancelou uma encomenda, no valor de 400 contos, de roupa interior em cores berrantes, que ele teve de vender a preços de saldo a feirantes, encaixando apenas 1/5 desse valor (80 contos). Aguentou o golpe sem ir ao tapete e logo beneficiou do aumento brutal do consumo no mercado interno que se seguiu à Revolução dos Cravos. “O 25 de Abril salvou-nos”, declara o presidente e fundador do grupo Impetus.
A ITV vive um período de ressurgimento. A que se deve e se este é fenómeno sustentável e durável?
Destaco a maior penetração das marcas portuguesas, uma maior afirmação da qualidade da produção nacional e a mudança do próprio mercado. Hoje já não há só a preocupação do preço. Com a subida dos preços de custo e a desvalorização do euro, tudo é analisado, custos com os transportes, impostos, stocks, monos, etc. Além dos preços, diminuiu a dimensão das encomendas e aumentou a diversidade do produto. Os prazos de entrega encurtaram, pelo que a proximidade passou a ser importante.
Quais as perspectivas de crescimento da Impetus nos têxteis técnicos , a par da marca e do private label?
O nosso desenvolvimento de produtos técnicos está muito virado para a marca. Procuramos desenvolver produtos de que o mercado necessita e se encaixam na nossa gama de produtos. Também no private label desenvolver em conjunto produtos técnicos. Produtos novos dão necessariamente melhores margens, menor concorrência e mais sustentabilidade. Esta preocupação deve ser permanente.
Que fatores considera mais relevantes para a competitividade e sustentabilidade do setor têxtil em Portugal?
Em termos de qualidade, produtividade e serviço de entrega rápida, temos de ser melhores que os nossos concorrentes. Acumular, se possível, o serviço de logística, ou seja fazer a entrega loja a loja e não a uma central, acrescentando valor e aumentando a dependência do cliente. Desenvolver os novos produtos na nossa área e nunca perder de vista que são para vender. Apostar na marca própria e fazer parcerias, para ganhar escala na produção e recursos para a sua promoção. Que o país pense na ITV como um setor importante.
Como perspetiva a relação entre a indústria e os centros de investigação?
Neste momento já é importante, mas tem de melhorar. Os centros de investigação têm de entender que o sucesso da sua atividade é fundamental para o futuro do país e por isso terão de trabalhar em parceria e não uns contra os outros. Portugal tem ganho uma enorme credibilidade em termos de investigação. Não podemos, por egoísmo, estragar todo este trabalho.