T67 - Novembro

Os custos da energia, transportes e matérias-primas podem por em causa a retoma?

Se ainda dúvidas houvesse, as feiras internacionais, o ritmo das encomendas e das exportações vieram já provar que a retoma está mesmo em curso. Um cenário que seria perfeito para a ITV portuguesa, não fossem os aumentos exponenciais dos custos de contexto a lançar sombras sobre o futuro imediato. Com o preço da energia, matérias-primas e transportes numa escalada sem fim à vista, os empresários sentem-se asfixiados e pedem que não deixe cair um dos setores que mais contribui para o emprego e exportações do país.

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Encomendas não faltam, ou não tivesse a pandemia servido para fazer ver aos compradores que nada bate a qualidade e proximidade. Agora, o problema parece ser sobreviver aos aumentos brutais dos custos de contexto, que podem fazer com que as encomendas não cheguem sequer a sair do papel.

“Estes aumentos nos custos da energia vão ter mais impacto nas empresas do que a Covid”, afirma, perentório, Manuel Gonçalves, Executive Board Director do TMG Group, para quem a energia é o principal custo de contexto e que aponta à especulação nos recursos energéticos, nomeadamente do gás natural, como a principal culpada destes aumentos sem precedentes. 

Uma situação que para o empresário pode a longo prazo ser aliviada pela finalização do Nord Stream 2 – o gasoduto que liga Rússia à Alemanha e que tornará mais fácil e rápida a chegada do gás natural russo ao resto da Europa –, mas que a curto prazo tem um impacto imensurável para a indústria. 

“Só vamos conseguir transferir os custos para o cliente lá para janeiro ou fevereiro, quando negociarmos os novos contratos. Até lá é suportar e estou certo de que muitas empresas não vão conseguir aguentar”, vaticina. Quanto a soluções, e porque este é um problema global, Manuel Gonçalves vira-se para a Europa. “Não me parece que o governo português possa fazer muito relativamente a esta situação, que, para mim, depende muito mais de políticas europeias do que nacionais. A europa tem de reforçar juntos dos fornecedores que a especulação é inaceitável e não pode continuar, ao mesmo tempo que devem ser estendidos os apoios europeus para as empresas interessadas nas energias renováveis”, completa. 

Para João Almeida, business manager da JF Almeida, estamos a falar de “custos, incontornáveis e com um crescimento nunca antes visto, que já estão a prejudicar seriamente a empresa e a fazer com que Portugal perca a sua competitividade relativamente à concorrência oriental”. Custos que a JF Almeida tem de colocar do lado do cliente, o que pode colocar em causa a competitividade não só da empresa como da própria têxtil nacional. 

“Não temos margem para absorver tais aumentos. E o maior problema agora é que os nossos clientes também não os aceitam, porque sabem que o consumidor final não irá pagar esse incremento. O consumo vai diminuir, é certo…”, completa o gestor, que aponta o excesso de procura pelo disparar dos custos energéticos e de matérias-primas.

Sendo a JF Almeida uma empresa vertical, o peso destes custos nos diferentes sectores varia, mas o gestor aponta a fiação e os acabamentos como os mais afetados.

João Almeida
“Não temos margem para absorver os aumentos"
“Só os custos energéticos representam 40% dos custos totais, e o algodão, a matéria-prima que mais significado tem na empresa, tem registado nos últimos 12 meses aumentos de 70%. Este custo representa, aproximadamente, 35% dos nossos custos totais”. E se para a problemática do algodão o gestor não vê solução, já está a investir como alternativa no reforço de painéis solares e energia a biomassa para substituir o gás.

Já António Cunha, Sales Manager da Orfama, é da opinião que intervenção do Governo na resolução desta problemática é essencial, nomeadamente com mecanismos de compensação e desagravamento da carga fiscal. Para o empresário, estamos perante um cenário muito preocupante e que está a afetar de forma exponencial a competitividade do setor, numa altura em que as empresas ainda estão a tentar recuperar das duras consequências da pandemia.

“As encomendas continuam a chegar a bom ritmo, mas todos estes constrangimentos à atividade estão a afetar a capacidade de resposta e de produção das empresas. Este é um problema que afeta toda a cadeia de valor, e para tentar segurar a carteira de clientes, as empresas estão a abdicar das suas margens, tornando-as assim economicamente mais frágeis e com menor capacidade de investimento”, revela o empresário.

Para além dos aumentos de “cinco vezes mais” do transporte de um contentor da Asia para a Europa – de 3 mil para 15 mil euros – e dos custos energéticos e taxas associadas mais elevados da União Europeia, as matérias-primas são a despesa que mais pesa nas contas da Orfama. “Temos tido aumentos na ordem dos 20 euros por quilo nos fios com misturas de seda e Alpaca, de 30 euros nos fios com misturas de caxemira e até mesmo 50 euros nos fios de 100% caxemira, o que é muitíssimo”, completa António Cunha.

Opinião semelhante tem Orlando Miranda, Administrador da OLMAC, que defende que a intervenção governamental é essencial e tem até em mente medidas muito concretas acerca de como o executivo pode apoiar os empresários nesta hora crítica.

“No caso do gasóleo, uma boa medida seria a possibilidade de deduzir 100% do IVA, em lugar dos 50% atuais, assim como deveria existir um apoio percentual sobre os custos de transporte, quer nas importações quer nas exportações. Quanto ao gás e à eletricidade, seria necessário igualmente um apoio percentual sobre os custos suportados”, detalha o administrador, que teme que as subidas destes encargos deixem as empresas de pés e mão atados quando se trata de competir com a concorrência estrangeira.

Carla Pimenta
"As empresas estão estranguladas"
 

“Pela sua localização geográfica, as empresas dos países de leste – que são uma forte concorrência – sofrem menos, especialmente nos custos de transporte. A maioria dos exportadores do setor têxtil não poderá incorporar estes aumentos nos seus preços de venda, uma vez que trabalham com encomendas firmadas com bastante antecedência, altura em que estes aumentos de custos ainda não eram conhecidos. Mesmo que fossem, muito dificilmente poderiam ser incluídos nos preços de venda, sob pena de perdermos negócios. Resta acomodá-los nas nossas margens, já bastante esmagadas, com reflexo na nossa rendibilidade”, resume o empresário.

Com os custos de contexto a representarem boa parte dos custos totais da empresa, Joaquim Cunha, CEO da Blackspider, não tem dúvidas que estes aumentos drásticos vão ter um impacto muito negativo no sucesso da indústria. “Estamos a competir com empresas que produzem em países onde esses aumentos não têm o mesmo impacto, uma vez que não cumprem as mesmas regras que nós na União Europeia”, explica o empresário, para quem o primeiro passo para fazer frente a esta problemática será a capitalização da empresa, de forma a ampliar o poder de compra e assim conseguir fazer face a todos estes aumentos. No entanto, defende, a situação só se resolverá com mudanças mais profundas e definitivas: “teremos seriamente que pensar com a máxima urgência em voltar a industrializar a Europa”.

Já para Carla Pimenta, “a falta de matérias-primas e o aumento drástico de preços, aliados ao atraso e escassez de fios e ao aumento da energia, inviabilizam o sucesso das empresas”. A CEO da Texser, que nos últimos tempos tem visto os custos de contexto sofrerem um aumento de 45%, que dificilmente se refletirá nos preços de venda, sente que “as empresas não estão apenas a ser prejudicadas mas sim completamente estranguladas”. Por isso, “talvez baixar a carga fiscal a que estamos sujeitos, e regular os preços dos combustíveis” possa ajudar a mitigar a situação e a dar às empresas alguma margem de manobra, defende Carla Pimenta, que reforça ainda que o futuro da têxtil portuguesa passa pela “formação dos jovens, cativa-los e incentivá-los a trabalhar na indústria têxtil, pelo que as empresas deveriam ser apoiadas nesse sentido”.

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