T41 Março 19

Após 10 anos de crescimento, como vai ser a próxima década da ITV?

Ao cabo de um período alargado de expansão – que soma genericamente dez exercícios seguidos – a indústria nacional têxtil e do vestuário está numa posição confortável para enfrentar os desafios que o futuro imediato coloca e a maioria dos seus responsáveis considera que a musculatura acumulada é a necessária e suficiente para ultrapassar as adversidades que se avolumam no horizonte.

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Dez anos de recordes de produção e de vendas – nomeadamente no segmento da internacionalização – resultaram numa estrutura que muitos consideravam impossível para o setor dos têxteis e do vestuário há apenas uma década. Mas essa estrutura tem um confronto marcado com uma conjuntura onde se descobrem sinais preocupantes, quase todos eles vindos do exterior. Mas, como é nesse exterior que se encontra a geografia ‘core’ da ITV, impunha-se perceber o grau de resiliência do setor para os próximos anos.

Estas dificuldades são quase todas de ordem externa: o Brexit; a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos – com a União Europeia, entre outros blocos económicos, a cumprir um difícil papel de defesa face aos seus efeitos colaterais; os desafios da economia verde (com a indústria e ser colocada no ‘olho do furacão’); e um genérico emagrecimento do consumo junto de alguns dos principais mercados de exportação nacional (Espanha, França e Reino Unido) – a ITV acumulou um ‘armamento pesado’ que fará toda a diferença.

Para além do músculo financeiro das empresas, o setor está apetrechado, no final destes dez anos de investimento estratégico, com uma invejável posições junto dos mercados, mas também dos seus homólogos de outras geografias. A imagem que a ITV soube construir fez-se à custa de inovação – nomeadamente na importante área dos serviços – design e economia circular, num quadro em que o feliz casamento entre as empresas e a academia e o controlo apertado dos custos (apesar da eletricidade…) produziram uma blindagem que o setor considera à prova de qualquer crise.

António Amorim, presidente do CITEVE, não tem dúvidas sobre a capacidade de resiliência da ITV: “passámos por uma crise muito grande, que ajudou o setor a fortalecer-se, no sentido em que há houve uma depuração entre as empresas que não estavam preparadas e desapareceram, e as que, conseguido permanecer, ficam mais fortes e mais dinâmicas. As empresas aprenderam que é preciso diversificar mercados e apostar no valor-acrescentado”.

Para aquele responsável, não há no horizonte “nenhum drama. Pelo contrário: os têxteis vão ser um setor cada vez mais inovador, tecnológico, com mais facilidade de se defender de mercados terceiros. Não antevejo grandes problemas – mesmo num quadro de arrefecimento da economia, que resulta sempre no abrandamento do consumo”.

Paulo Melo, presidente da ATP, refere por seu turno que “haverá uma continuidade do excelente trabalho que o setor fez nos últimos dez, adaptando novas tecnologias aos novos caminhos dos consumidores, há um acompanhamento de muito de perto por parte da indústria”, que a coloca a salvo de dificuldades de maior.

A inovação é uma garantia
"Cada vez mais inovadores, os têxteis têm maior facilidade de se defender" afirma António Amorim, presidente do CITEVE

Mas ressalva que “vai ser um trabalho diferente do que foi feito até aqui, mais complicado, um caminho mais difícil de percorrer, com mais incerteza, mas com a nossa experiência e conhecimento adquirido, saberemos ultrapassar os desafios que vão estar em cima da mesa”. “Mais valor-acrescentado, mais inovação, mais tecnologia, menos volume, é o caminho que foi traçado e que é para continuar. É um caminho sem retorno, porque tem mais sustentabilidade, mais ecologia”.

Mas para o presidente da ATP há um desafio que importa ponderar: “o da indústria 4.0 e o da digitalização”. Nesse quadro, é importante que os empresários tenham no governo, qualquer que ele seja, alguém que abra caminho: “qualquer apoio será bem-vindo, desde que não demore uma eternidade: a indústria não se compadece com tempos alargados”.

José Alberto Robalo, presidente da ANIL, profundo defensor da indústria como esteio do desenvolvimento, também não quis deixar de referir este ponto. “A indústria têxtil atingiu um patamar de que nos podemos orgulhar, mas a têxtil vai ter de passar por uma reindustrialização, que terá a ver com a robotização, o que quer dizer que vamos precisar de investir muito. Estou preocupado, porque os apoios têm sido muito poucos”. Há muito que o presidente da fileira dos lanifícios vem alertando para esta situação: “os apoios para a reindustrialização têm sido poucos ou nenhuns, há muito que venho alertando para isso”. “Como indústria altamente inovadora e altamente exportadora, devíamos ser mais apoiados na reindustrialização”, considera José Alberto Robalo, que revela que “já reclamei sobre esta situação, infelizmente não fomos ouvidos”.

Para aquele responsável há ainda outra matéria em falta: “falta-nos uma marca. Temos um mercado muito pequeno, o que é obstáculo à criação de uma marca internacional, é difícil termos uma posição de destaque neste segmento, mas também diziam que não conseguiríamos chegar a outros lados – estou convencido que lá chegaremos”.

Para os industriais, a palavra de ordem é ‘resiliência’ – sabendo que o crescimento dos últimos anos é o melhor seguro para as dificuldades que possam vir ao seu encontro nos curto e médio prazos.

Mário Jorge Machado, da Estampados Adalberto, confirma que “com o aparecimento do online como modelo de negócio, a proximidade é um fator importante, a inovação em termos de produto e design são também necessários, o que quer dizer que estruturalmente a indústria portuguesa, com todo o ‘know-how’ que tem acumulado, tem vantagens para ser um ‘player’ com peso dentro do mercado europeu”.

Crescimento a abrandar
“A Europa não vai crescer como nos últimos anos” afirma Artur Soutinho, CEO da Moretextile
“Diversidade, flexibilidade, capacidade ao nível dos materiais dão-nos uma boa posição para sermos um fornecedor de proximidade com futuro”.

Mário Jorge Machado recorda, contudo, que a indústria “não pode subir muito os seus custos: quando os políticos fazem aumentos salariais não compreendem que isso tem, para as indústrias exportadoras, a prazo, consequências gravosas” – dado a concorrência com países onde esses custos são irrisórios.

Ana Silva, administradora da Tintex, diz que, “dependendo dos segmentos em que as empresas se posicionam, as coisas são diferentes: no segmento médio/alto poderá haver alguma retração – há alguns comportamento e alguns números que nos levam a acreditar que os próximos anos serão mais tranquilos em termos de crescimento”, representando um abrandamento em relação aos exercícios mais recentes.

“Na fileira da moda, quem está a competir pelo preço irá por certo ressentir-se, porque há países, nomeadamente a Turquia, com a desvalorização da moeda, que estão muito fortes. O crescimento será mais lento, mas não a ponto da inversão: temos um reconhecimento internacional que não vai desaparecer”, diz ainda.

Para Artur Soutinho, da Moretextile, “há condições estruturais que não se alteraram, como sejam a localização, a proximidade, a capacidade de resposta, o serviço, que são muito importantes e continuarão a ser para os mercado ‘core’ – Europa, Estados Unidos e Canadá – muito importantes. O ‘know-how é também um aspeto muito positivo, que é transversal a várias gerações e que não se consegue medir, mas que existe efetivamente”.

Nesse quadro, “vamos manter-nos competitivos nos próximos anos”, mas não descarta a existência “de condições estruturais que levam a que os próximos anos possam ser mais difíceis, que tem a ver com algumas ameaças – nos casos de Espanha, Reino Unido, França e Itália. São casos de instabilidade que me levam a crer que a Europa não vai crescer como nos últimos anos, o que necessariamente afetará os nossos negócios”.

Será esse por certo um temor da Black Spider: “não estamos a pensar em retração, mas a nossa empresa tem alguma exposição a mercados difíceis”. A empresa está dois lados daquela que será possivelmente a fronteira mais dura da Europa: a que (não) separa a Irlanda do Norte da República da Irlanda, disse Marco Costa, diretor financeiro da empresa.

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