Mário Jorge Machado
“A prioridade
é ajudar as
empresas a serem competitivas”
T47 - Outubro 19

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O conhecimento não é útil se não for transportado para as empresas e aplicado - defende Mário Jorge Machado, presidente da ATP e administrador da Estamparia Adalberto

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escassez de recursos humanos tem vindo a agravar-se. É o problema nº 1 da indústria?

É um dos principais. As organizações não podem crescer e evoluir se não houver disponibilidade de recursos humanos nas suas várias vertentes, desde designers a pessoas com capacidade de inventar novos processos e novas formas de promover os produtos. Não serve de nada investir em máquinas se não tivermos quem as saiba operar.

Na têxtil, essa limitação é muito sentida?

Contrariamente ao que a generalidade das pessoas pensa, a têxtil exige gente muito qualificada e numa grande diversidade de áreas, que vão das mais tradicionais – costureiras, tintureiros, tecelões, etc – a outras mais recentes como designers.

Como tem sido resolvida essa necessidade?

As empresas têm investido na formação do seu pessoal. O que implica custos elevados, até porque o tempo de formação é sempre longo. Só mesmo quem não percebe mesmo nada da indústria agita o bicho papão da precariedade e está contra a flexibilização da legislação laboral. Ninguém investe tempo e recursos a formar um trabalhador ou técnico especializado para depois o despedir …

A falta de engenheiros têxteis tem sido suprida com a reconversão de engenheiros de outras especialidades. É uma solução satisfatória?

As empresas têm vindo a recrutar engenheiros químicos, de gestão industrial, etc, e a dar-lhes formação para os adaptar às suas necessidades. Não é a solução ideal mas tem vindo a colmatar essa lacuna.

Qual é a solução ideal?

É continuar a fazer passar a mensagem aos jovens de que a têxtil é uma indústria com futuro, uma atividade desafiante, que além de tradicional também é muito sofisticada e altamente tecnológica, onde há muitas oportunidades para fazer belas carreiras. Há meia dúzia de anos que a procura do curso de Engenharia Têxtil da U. Minho não pára de aumentar. O que é uma boa notícia.

A experiência de nadar
"Se aprender a nadar lendo um manual, vai afogar-se quando se atirar à água"

Há quem se queixe da ausência de formação académica que satisfaça necessidades específicas, como engenheiros de confecções … 

A fileira da moda compreende uma imensidade de subsetores, todos eles com características e exigências muito específicas. Atendendo à velocidade com que a tecnologia e o conhecimento evoluem, um engenheiro fica rapidamente desatualizado se não continuar a aprender …

O que quer dizer?

Que hoje em dia um curso é um certificado de que somos capazes de aprender numa determinada área. Um licenciado em Engenharia Têxtil tem uma base de conhecimento que ao longo da carreira vai enriquecer consoante as necessidades específicas do subsetor em que trabalha.

Vai ter de se especializar com as mãos na massa?

Se experimentar aprender a nadar apenas através da leitura de um manual de natação, até pode revelar-se excelente na teoria, mas é certo e sabido que vai afogar-se quando se atirar à água. A formação académica tem de ser complementada com a aprendizagem no terreno.

"É cómodo negociar com Espanha. Mas situações de concentração são perigosas"

O que pensa do sistema público de formação profissional?

O investimento é insuficiente para as necessidades. Deveríamos ter mais cursos de formação e com mais apoios. Temos um sistema burocratizado, pensado e desenhado em função de quem faz a legislação e não de quem precisa dela. Está tudo montado ao contrário …            

A situação é dramática?

É um nó importante, pois a formação é um requisito critico, um dos factores diferenciadores num mundo em que a competitividade depende da capacidade em sermos inovadores, termos qualidade e sermos mais produtivos.

Como avalia o Modatex

O Modatex tem vindo a fazer um bom trabalho, mas nós precisávamos que tivesse acesso a mais recursos e deixasse de estar espartilhado por uma regulamentação ultra-burocrática, que impede técnicos especializados das empresas de darem formação nos centros e exige turmas com um mínimo de 15 formandos.

Vai ser preciso importar mão de obra?

Peter Drucker dizia que a única previsão que se pode fazer médio prazo é a demográfica. Em Portugal e na Europa, a importação de mão de obra vai ser incontornável, para se poder manter o sistema de Segurança Social e o desenvolvimento económico.

A má imagem da têxtil na opinião pública já foi apagada de vez?

Melhorou muito, mas ainda há algum estigma que tem de ser ultrapassado, para que imagem do setor reflicta o que ele é na realidade, uma indústria com atividades muito interessantes e desafiantes.

Vai ser preciso aumentar os salários?

As empresas com melhores modelos de negócio vão conseguir incorporar um crescimento moderado e virtuoso dos salários. Mas há empresas que deixam de ser viáveis com um rápido incremento dos custos salariais. Temos de dar tempo às empresas para aumentarem a sua produtividade, fazer as coisas com ponderação para não por em causa a sua continuidade.

É preciso facilitar o encerramento de empresas?

Um dos problemas no nosso país é que fechar uma empresa é caro e muito demorado. E todos sabemos que prolongar artificialmente a agonia de uma empresa é mau para o crescimento económico.

A legislação laboral é o principal custo de contexto que prejudica a nossa competitividade?

Há tantos factores que complicam a vida das empresas – a carga fiscal que não pára de crescer, o custo da energia, a exasperante lentidão da justiça… Mesmo o financiamento não é simples. Para quem precisa mesmo de dinheiro, o acesso ainda é difícil e os custos elevados. A banca está com maior sensibilidade ao risco.

O Governo não está preocupado em ajudar a resolver os problemas das empresas?

Nota-se uma aproximação, um esforço para ouvir e perceber as necessidades das empresas. Os governantes da parte económica estão mais atentos, visitando as empresas e acompanhando o trabalho das associações, como a ATP. Infelizmente o que é legislado depois vai no sentido contrário e o país continua evoluir muito lentamente para o potencial que tem.

Olhando para o lado bom, a nossa ITV tem dado cartas no que toca a inovação, acumulando prémios internacionais …

As empresas, o CITEVE e o CeNTI têm tido um papel importantíssimo no facto do nosso cluster têxtil estar a evidenciar uma enorme dinamismo no que toca a inovação, desenvolvimento de produtos, digiltalização e engenharia de processos. Não posso deixar de estar muito feliz por todo este esforço estar a ser internacionalmente reconhecido.

A Universidade e as empresas já não estão de costas voltadas?  

As relações melhoraram mas ainda há bastante caminho a percorrer. De parte a parte. As empresas devem ser mais intervenientes e a Universidade deveria ter uma maior disponibilidade. Mas há um problema de base que tem de ser ultrapassado. O nosso sistema de ensino é desadequado às reais necessidade das empresas e do país.

Que modelo devia ser adoptado?

O modelo dualista que tem tido tanto sucesso da Alemanha e na Suíça. A aprendizagem é feita não só em sala de aula mas também nas empresas, em contacto com a realidade da produção. Um estudo da OCDE provou que o modelo dualista é três vezes mais eficaz que o tradicional quando se trata de absorver jovens em busca do primeiro emprego.

Tem algum plano para por a fileira a falar a uma só voz e reatar o processo de consolidação interrompido?

Não tenho um plano. Sei que toda a gente sairá beneficiada se a nossa ITV tiver uma representação única e falar a uma só voz. E estou completamente disponível para iniciar um diálogo nesse sentido. Assim haja dos outros intervenientes a mesma vontade.

As feiras ainda são uma ferramenta indispensável para quem quer exportar?

Ainda justificam plenamente o investimento que as fazem empresas para lá estarem. Poderá chegar uma altura em que o modelo se esgote, mas as feiras têm conseguido reinventar-se, sendo agora um espaço privilegiado para, num curto espaço de tempo, reunirmos com os clientes, fazermos networking, divulgar inovações e fazer benchmarking.   

O novo paradigma, com o consumidor preocupado com a proteção do ambiente e a sustentabilidade do planeta, favorece a nossa ITV?

Para a fileira da moda, os hábitos de consumo da nova geração são, em simultâneo, uma ameaça e uma oportunidade. Para nós, são claramente uma oportunidade, pois temos empresas inovadoras, que produzem de forma sustentável, a nível social e ambiental, e garantem um sourcing de proximidade.

Após dez anos de crescimento continuo, ainda há margem para continuar a crescer?

A nossa ITV habituou-se a viver num mundo competitivo e em permanente mudança. Como somos bons no que fazemos, há margem para continuarmos a crescer se soubermos aproveitar as novas oportunidades que vão surgindo.

Quais?

É cómodo negociar com a Espanha – é um mercado próximo, muito grande e com players de dimensão mundial. Mas todas as situações de concentração excessiva são muito perigosas. Os acordos de comércio que a UE fez com o Japão, o Canadá e o Mercosul são excelentes oportunidades que não seria inteligente desperdiçarmos.

O setor está a trabalhar com margens demasiado estreitas?

Os custos dos factores de produção tem aumentado substancialmente – sempre que o salário mínimo sobe empurra todos os custos da organização – e os preços dos produtos têxteis não estão a aumentar. Não há milagres. Com o incremento dos custos e a impossibilidade das empresas de passarem esse aumento para o mercado, as margens são cada vez mais sacrificadas.

O individualismo é um dos tradicionais pontos fracos da ITV. A situação tem melhorado?

Não é um processo simples, nem fácil. Mas essa fragilidade tem vindo a ser diminuir com a chegada ao setor e ao comando das empresas tradicionais de uma nova geração com uma visão diferente, que sabe que há espaço, vantagem e necessidade de se trabalhar em parceria. O cada um por si não faz o mínimo sentido quando se tem pela frente compradores gigantes.

As empresas têm acertado a hora pela indústria 4.0 e a digitalização?

Quem está neste setor já percebeu que a junção entre tecnologia, inovação e design são o segredo da sobrevivência e o sucesso – e por isso estamos todos a aprender essa nova forma de trabalhar, em que os equipamentos comunicam entre si. Neste processo há empresas mais à frente e outras mais atrasadas. Mas a capacidade de adaptação permanente à mudança está no ADN do setor.

A explosão das vendas online favorece a criação de marcas portuguesas?

Em teoria sim, porque permite ultrapassar o handicap de nascerem num mercado pequeno e dispensar o investimento pesado numa rede de lojas físicas. Mas na prática, trata-se de um segmento extremamente competitivo, em que para se conquistar clientes se tem de fazer investimentos muito elevados …

Qual é a sua primeira prioridade como presidente da ATP?

Como cara e voz da ATP vou fazer tudo ao meu alcance junto do poder para garantir a competitividade do setor, para projetar uma imagem internacional do setor que corresponda à realidade de sermos dos melhores da Europa – ainda fazer um esforço para mostrar a todos os portugueses que a ITV é um setor interessante para trabalhar e fazer carreira. Foi por isso que aceitei candidatar-me.

Daqui a três anos ficaria satisfeito se ….

… se a nossa têxtil continuar a crescer e tiver uma imagem ainda mais positiva.

Perfil

Em jovem jogou xadrez a nível federado, o que tem ajudado a ser melhor gestor. “Normalmente nós somos bons a interpretar o passado. No xadrez, habituei-me a prever o futuro e antecipar o que vai acontecer três ou quatro jogadas à frente se eu mover uma peça numa determinada direção”, conta Mário Jorge. Já não joga xadrez (“Fartei-me de perder contra o computador”) e trocou o ténis pelo padel. Há cinco anos que aproveita as férias de verão para ter lições de golfe – “Sei o que me falta aprender. O golfe é um desporto com muita técnica. Mas não vou desistir de ser jogador. Sou muito resiliente. Há até quem diga que sou teimoso … 🙂 “, brinca. Casado com Ana Paula, têm três filhos: Jorge Adalberto, 34 (administrador da Adalbertol; Ana Rita, 30, licenciada em Som e Imagem (Católica); e Maria Isabel, 18 anos, que está a estudar International Management na Manchester Business School.

As perguntas de
Isabel Furtado
Vice-presidente da ATP

Sendo a competitividade fulcral, como vai a ATP abordar a problemática falta de equilíbrio em dois pontos: os custos da energia, que criam assimetrias a nível internacional, e os custos ambientais, que criam assimetrias a nível regional? 

São temas que passam por decisões políticas. Por isso é importante que a ATP tenha uma voz bastante audível de modo a influenciar os decisores que têm nas suas mãos o poder para alterar o enquadramento desses custos.

Como encara o impacto da nova vaga tecnológica a nível do emprego no futuro?

O impacto vai ser importante mas gradual. Haverá cada vez menos intervenção humana no processo do fabrico, mas na ITV têxtil vão surgir novas oportunidades criadas pela robotização.

O que pode a ATP fazer para incrementar a colaboração, ainda modesta, entre empresa, centros tecnológicos e academias?

Temos planos para promover a intensificação da colaboração. O conhecimento não é útil se não for transportado para as empresas e aplicado.

Miguel Pedrosa Rodrigues
Vice-presidente da ATP

O que a ATP pode fazer para ajudar os nossos empresários a ultrapassarem a crónica dificuldade de agirem em conjunto, de se associarem em investimento e risco comum e encararem processos de partilha?

As mudanças culturais são as mais demoradas, implicam gerações – não acontecem em curtos espaços de tempo. Temos de incentivar o networking e proporcionar oportunidades de colaboração e parcerias. Neste particular, as parcerias que se estão a formar no âmbito do Cluster Têxtil são um bom indício.

O que podemos aprender com as ITV turca e italiana?

São dois casos completamente diferentes. Ainda não atingimos a imagem de excelência que a Itália soube criar para os seus produtos. A imagem do made in Portugal é cada vez melhor, mas o made in Italy ainda é mais valorizado. Quanto aos turcos há uma coisa que já não podemos aprender: a desvalorizar a moeda :-). Fora de brincadeiras, os turcos tem empresários muito capazes e são competidores ferozes. Têm investido muito em tecnologia, dimensão e inovação. Temos sido uma fonte de inspiração para eles.

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