João Mendes
"Investimos em hardware mas também em brainware"
T42 Abril 19

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Os primeiros dinheiros ganhou-os ainda adolescente quase imberbe como guitarrista da banda So What?, que actuava em bares e um ou outro casamento (“Eram mais bem pagos”, recorda), apresentando um repertório variado onde avultavam standards de jazz, blues e bossa nova. Desde pequeno estudou música, primeiro órgão, depois focou-se na guitarra - conta quem sabe que tinha muito jeito. O trajeto que o levou até à fábrica da família não foi em linha reta, pois fez escalas em Salónica (onde passou os seis meses do Erasmus) e Leça do Balio (o primeiro emprego foi na Unicer, onde se demorou dois anos no serviço de gestão do enchimento). Em 2006 deitou âncora na A. Sampaio (onde fizera o estágio curricular no fim de curso), cumprindo um rigoroso programa de formação profissional, que começou pela equipa de limpeza de teares e continuou no gabinete técnico, laboratório de controlo de qualidade, desenvolvimento de coleção e assim por diante até chegar a um lugar na administração.

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única maneira de evoluir é estar sempre um passo à frente, antecipando as necessidades dos clientes. Sabemos que não podemos focar a nossa energia em produtos que são facilmente substituíveis – alerta João Mendes, 38 anos, administrador da A. Sampaio & Filhos.

Olhando para os 72 anos de vida da A. Sampaio, nunca foram tomadas decisões erradas de que mais tarde se arrependessem?
Antes de tomarmos qualquer decisão importante, avaliamos sempre a situação com muito cuidado. Logo aí reduzimos muito a margem de erro. E se verificamos que nos enganamos, somos rápidos a arrepiar caminho e corrigir o tiro.

O seu avô mudou dos tecidos para as malhas circulares. A segunda geração foi pioneira na aposta em têxteis técnicos. É um percurso imaculado?
As grandes decisões estratégicas foram sempre as mais adequadas. O facto de se ser capaz de mudar de negócio significa coragem e uma grande abertura à inovação, que se tornaram características fundamentais da cultura da A. Sampaio.

Mas este século já tiveram de viver com conjunturas muito adversas, a adesão da China à OMC, a crise de 2008, a troika… Como lidaram com isso?
Há coisas que não conseguimos controlar, mas se soubermos ler os sinais e antecipá-las podemos fazer os possíveis para estar preparados para elas. Em 2005, quando as grandes marcas mundiais passaram a fazer o seu sourcing no Oriente, nós já tínhamos evoluído para produtos mais técnicos, de maior valor acrescentado, em que não era tão fácil substituir-nos.

Dito assim, até parece fácil …
Não foi fácil. Em finais de 2004 as encomendas começaram a parar e ainda ninguém se esqueceu do que aconteceu a seguir, com o setor a perder muitas empresas e emprego. E uma indústria como esta precisa de volumes. Foi um período muito dramático, mas no seu conjunto a ITV acabou por dar a volta à situação, num processo em que as melhores empresas foram as que se adaptaram mais rapidamente.

A antecipar o futuro
"Já desde 2007 que temos uma gama de produtos sustentáveis. É a nossa contribuição para um futuro melhor"

Foi o vosso caso?
Sim, porque fizemos o trabalho de casa, tínhamos a autonomia financeira adequada para enfrentar a tempestade, estávamos a navegar na direção certa e nunca deixamos de investir. Percebemos a tempo o que vinha, bem como os desafios que nos ia colocar. E preparamo-nos analisando as opções que tínhamos para fabricar cá produtos competitivos.

E na crise que começou com a falência de Lehman e se prolongou no nosso pais com a intervenção da troika?
Aí o mais importante foi controlar o risco de crédito. Ou seja, gerir muito bem o equilíbrio entre oportunidade de venda e risco de não recebimento. Foi um período difícil, mas que para nós não foi particularmente dramático. Conseguimos ultrapassar ambas as situações sem nunca termos prejuízos.

E agora? As tempestades já passaram, navegam em mar chão, munidos da estratégia correta?
Há muitos empresários que dizem: “Eu sou do tempo em que tínhamos a produção vendida para todo o ano”. Eu não sei o que é isso. Sinto cada vez mais turbulência, cada vez mais mudança. Está redondamente enganado quem pensa que por ter uma estratégia que tem dado certa está resolvido para os próximos dez anos.

"O know how da nossa ITV tem de ser retido e perpetuado"

Como é que gere este novo normal em que a única certeza é a incerteza?
Não parando de inovar. Não podemos ser comodistas quando a situação é tudo menos cómoda. Estamos sempre à procura de fibras, acabamentos e equipamentos novos. A única maneira de evoluir é estar sempre um passo à frente, antecipando as necessidades dos clientes. Sabemos que não podemos focar a nossa energia em produtos que são facilmente substituíveis. Não é por aí.

Então é por onde?
Não há uma receita. Há uma atitude de abertura total à inovação e à mudança, tanto de diversificação de segmentos como de novos produtos dentro do mesmo segmento – a moda está num ponto de viragem e vejo oportunidades no desporto e no vestuário profissional e de protecção – e pela busca permanente de novos processos, soluções e produtos que surpreendam os clientes. O nosso objetivo é ter os clientes sempre satisfeitos e uma equipa de colaboradores competentes e motivados.

Estão otimistas quanto ao futuro?
Nem otimistas, nem pessimistas, mas atentos, para estarmos preparados para o que vem a seguir. Temos uma visão de longo prazo. Somos uma empresa com os olhos sempre postos no futuro, que nunca sacrificamos ao lucro imediato.

Quais são as tendências?
A moda está cada vez mais polarizada, com o médio a desaparecer em detrimento do baixo e do alto. E nós estamos cada vez mais focados em fornecer os segmentos médio/alto e alto do mercado.

Como é que a empresa sobreviveu sem solavancos à sucessão até à terceira geração. Há regras escritas?
Temos membros da segunda geração na empresa e na administração… O importante nas empresas familiares é a real vontade das pessoas em se entenderem bem umas com as outras.

Então não há regras escritas?
Eu não disse isso. Apenas sublinhei que nos damos todos muito bem uns com os outros. Durante muito tempo vivemos todos no mesmo prédio, passávamos o Natal juntos, há uma ligação geracional muito grande. E isso é o fundamental no nosso caso particular.

Como partilham as responsabilidades entre irmãos e primos?
Funcionamos em rede.

Como é isso?
Somos muito reservados. Preferimos comunicar o que a nossa empresa faz do que falar de como nos organizamos.

O seu irmão Miguel uma vez disse que se fosse só pelo preço já não estavam.…
Não estávamos nós nem mais ninguém na industria têxtil portuguesa 🙂 …

O preço continua a ser um fator importante?
O preço é sempre importante. Não vale a pena trabalharmos se não temos um preço que os nossos clientes achem justo e adequado ao valor do produto. Para sermos competitivos, temos de saber comunicar o valor do nosso produto.

O que é preciso fazer mais para ser competitivo?
Proporcionar aos clientes um serviço cada vez melhor, apresentar-lhes soluções que eles não viram ainda em lado nenhum, oferecer-lhes produtos que respondem a necessidades que eles têm mas ainda não sentiram.

A inovação é a chave?
Muitas vezes a inovação está na transferência ou combinação de tecnologias. A inovação é a chave se tiver mercado e soubermos comunicar o seu valor.

Como fazem isso?
Levamos funcionalidades das malhas de desporto para a moda, sem perder descaracterizar o produto. Outro exemplo, na Milipol acrescentámos a termoregulação ativa, que vem do desporto, a uma malha com retardante de chama. Por norma, experimentamos e desenvolvemos estas sinergias que acreditamos terem mercado.

A imagem externa do país afeta a competitividade das empresas?
Sem dúvida. A reputação do país é importantíssima e influencia a atividade, independentemente das nossas capacidades. Para o pior, como quando da intervenção da troika, em que muitos clientes estavam apreensivos e nos perguntavam se ia haver problemas. Ou para o melhor, como agora em que imagem internacional de Portugal nos ajuda a vender.

Em que é que estar em Portugal afecta a competitividade?
O principal problema é a grande dificuldade que temos em encontrar talento, mão de obra especializada e experimentada capaz de assegurar uma renovação geracional com qualidade. A ITV portuguesa tem um know how acumulado que é um património muito valioso mas que tem de ser retido e perpetuado.

Como sentiram o ambiente de negócios nas primeiras feiras do ano?
Nas conversas de corredor foi notório o peso da incerteza. Há muita gente desmotivada, bastante preocupada e apreensiva.

Vocês também?
Muito provavelmente em 2019 não vamos crescer 15% como em 2018. Mas não vamos ficar retraídos, nem vivemos atemorizados :-). Estamos no bom caminho. Não vamos mudar nada. Este ano vamos a 13 feiras. Não há bola de cristal que nos permita adivinhar o que vai acontecer. Se vier um temporal, nós cá estaremos para o enfrentar. Já demonstrámos a nossa capacidade de adaptação à mudança.

Estão satisfeitos com a vossa geografia das exportações?
A Europa é o nosso principal mercado. Para nós, o Norte de África, Marrocos e a Tunísia, são Europa. O que conta é o ponto da decisão – não o da entrega. Mas também temos um pé nos Estados Unidos que vemos como um mercado com algum potencial de crescimento. Já fizemos feiras lá e é um caminho para manter.

O Brexit está afetar-vos?
Não temos clientes importantes que vendam exclusivamente em Inglaterra. Estão no mercado mundial e prepararam-se atempadamente para o Brexit.

Quais são os vossos principais concorrentes?
São muito diversos, pois estamos em segmentos de mercado completamente diferentes. Temos quatro gamas de produtos, a Ready to wear, de moda, a Sport Active – área de inovação continua em que a aposta é no nível de desempenho e conforto, não descurando a estética -, a Protecton +, a nossa marca para vestuário de segurança e proteção, e a Pure Life, a linha que só usa materiais sustentáveis.

Faz sentido ter uma linha sustentável separada?
A sustentabilidade é transversal a todas as áreas, em que usamos cada vez mais materiais reciclados e orgânico. Mas continuamos a apresentar uma linha mais descaradamente sustentável, que só usa materiais renováveis.

A sustentabilidade já não é mais uma moda? Veio para ficar?
Sentimos que a onda chegou agora com força. Os clientes que ficaram para trás estão agora a correr atrás de prejuízo. Mas nós não acordamos ontem para esta tendência. Já desde 2007 que temos uma gama de produtos sustentáveis. É a nossa contribuição, o nosso grão de areia para um futuro melhor.

Como é a vossa relação com os clientes? Apresentam-lhes mais propostas ou recebem mais desafios?
É mais de cá para lá. Apresentamos entre mil a duas mil malhas novas todos os anos. Mas também é frequente os clientes pedirem-nos para arranjar soluções e trabalharmos em conjunto para as encontrar.

Há muitos clientes a pedirem para entregarem as malhas em confecções portuguesas?
Há muitas marcas a olharem Portugal como um excelente ponto da cadeia de fornecimento. Se vieram cá, num pequeno raio de distância à volta do Porto encontram tudo o que precisam, tecidos, malhas, confecções, até calçado. É notório o apetite dos clientes por soluções integradas em Portugal.

Sentem que precisam de crescer?
Se a pergunta se refere à capacidade produtiva, a resposta é não. Estamos com a dimensão certa. Os investimentos que temos feito não são no aumento da capacidade produtiva, mas sim em know how, no laboratório – certificamos os produtos fora, mas testamo-los aqui – e na capacidade para fazer produtos diferentes. Compramos máquinas que não tínhamos e substituímos as que temos por outras mais eficientes. E investimos muito em redes e servidores.

Em que é que têm investido?
No melhoramento da nossa infraestrutura tecnológica. Renovamos a cablagem óptica toda, compramos equipamento para o laboratório, instalamos um data center, adquirimos teares estratégicos. A lógica é ir investindo sempre, continuamente, e não por ondas. E não só em hardware, mas também em brainware, trazendo cá para dentro mais talento e conhecimentos.

Como estão em termos de digitalização de processos?
Numa altura em que há cada vez mais gente que compra roupa sem lhe tocar e que uma nova geração se habituou a olhar o mundo através de um ecrã, estamos a preparar-nos para comunicar o nosso produto a uma nova geração de decisores.

E a nível industrial?
Estamos bastante avançados em termos de automação de processos. A interação com as nossas máquinas e os clientes está cada vez mais digitalizada. Mas estamos a falar de uma questão que nunca se pode dar por encerrada. Todos os dias damos passos no sentido de sermos mais rápidos e eficientes.

Os empresários são criticados por serem excessivamente e individualista e não saberem voar em formação. Também cometem esse pecado?
Não me parece. Na Milipol, para termos mais espaço e uma melhor localização, partilhamos o stand com a Penteadora e Heliotextil, que não são nossas concorrentes, mas complementares, e apresentamos produtos demonstradores feitos em conjunto. E estamos no projeto Texboost do Cluster Têxtil.

A fast fashion tem os dias contados?
Depende. Se está a falar da moda descartável e de fraca qualidade, acredito que sim, devido à crescente preocupação dos consumidores com a sustentabilidade. Mas se está a falar de rapidez na apresentação de produtos, a moda vai ser cada vez mais rápida, com a multiplicação de coleções cápsula, para manter os consumidores interessados.

Perfil

Com 38 anos, nasceu no Porto e vive em Santo Tirso, sendo o mais novo dos quatro netos de António Oliveira Sampaio, o ex-debuxador que em 1947 fundou a empresa que viria a ser a A. Sampaio & Filhos. Após completar a primária no colégio de Santa Teresa de Jesus, fez o Secundário da Tomaz Pelayo e licenciou-se em Engenharia e Gestão Industrial na Universidade de Aveiro – tal como o irmão mais velho, Miguel, que acabou o curso no ano em que ele entrou. Tem dois filhos: Carolina, sete anos, e João, cinco.       

As perguntas de
Miguel Mendes
Irmão e administrador

Qual o principal valor da empresa?

Gosto de acreditar que o principal valor da empresa é a confiabilidade. Penso que se avaliarmos o modo como interagimos com os nossos colaboradores, os nossos clientes, os nossos fornecedores, os nossos parceiros… existe um denominador comum de confiança na nossa empresa. Para além disso, procuramos tratar todos os interlocutores mencionados com o mesmo grau de respeito.

Onde nos vês daqui a cinco ou dez anos?

Para começar, gostaria que os atuais parceiros se mantivessem connosco, num trajeto de evolução e crescimento conjunto. Para além disso, gostaria de ver a empresa a alcançar nos novos mercados o mesmo grau de notoriedade que tem nos seus mercados atuais, com todas as consequências que a isso vêm associadas.

Ana Júlia Furtado
Prima e administradora

O facto de a A. Sampaio ser uma empresa familiar cria algum desafio acrescido?

Não cria desafio acrescido, mas cria uma responsabilidade acrescida. Sentimos que as decisões tomadas têm impacto tanto na empresa como, em alguma medida, na família. O facto de trabalharmos em família cria não só uma equipa mais unida, mas também uma equipa mais consciente do impacto que temos uns nos outros.

O que gostarias de transmitir para a 4ª geração?

Basicamente, duas coisas: o mesmo conjunto de valores que orientam as gerações até hoje e, naturalmente, uma empresa sólida e com futuro.

 

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