João Correia Neves
" O Governo apoiará participação nas feiras de forma expressiva"
T55 - Julho/Agosto 2020

António Freitas de Sousa

Num período de transição entre o confinamento e o desconhecido, o secretário de Estado Adjunto e da Economia trabalha sobre um cenário em constante mutação e onde, por isso, a avaliação contínua é a melhor defesa na procura de soluções dinâmicas que permitam estabilizar a recuperação da atividade empresarial.

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omo avalia a reação do setor têxtil e do vestuário à pandemia de Covid-19?

Estamos a viver circuntâncias que nunca imaginámos que pudéssemos viver, o que deu para observar o que há muito sabiamos: as nossas empresas, os seus empresários e os seus trabalhadores, quando confrontadas com dificuldades, inventam tudo o que é possível para manter as suas atividades. Não fazíamos batas, nem máscaras, nem luvas, nem ventiladores, nem equipamentos de proteção individual e de um momento para o outro começámos a fazer tudo. Foi uma resposta fantástica nas circunstâncias que são o que são. Tudo isto atesta o enorme valor da resposta dos nossos empresários e das nossas empresas às dificuldades.

Estamos numa nova fase, de reabertura da economia, que irá passar por grandes dificuldades. Nomeadamente na frente das exportações.

Os dados do comércio externo que temos neste momento são os de maio. Nesse mês, todas as associações, todos os empresários, dizem qual foi o pior período: abril foi muito mau, maio foi ainda mais difícil. A média da quebra das exportações foi de cerca de 40% nos dois meses. Mas todos os dados qualitativos dizem que os meses de junho e julho estão a ser bem melhores. Número de encomendas, novos clientes, número de trabalhadores em lay-off – que no caso da indústria desceu bastante – estão a melhorar. Há sinais significativos de melhoria do nível de atividade económica, desde logo no têxtil e vestuário, mas de uma forma geral na indústria.

Mas ainda falta muita coisa, nomeadamente podermos chegar aos outros países.

Obviamente que os instrumentos de mobilidade facilitam muito as relações comerciais. Sobretudo para os portugueses, o contacto físico e a confiança que conseguimos estabelecer a partir daí são um ativo que os outros competidores não dão tanta importância. De qualquer modo, estamos confrontados com uma situação muito difícil, o que nos obriga a encontrar equilíbrios que nos permitam continuar a exercer a atividade económica – sem ela, não temos condições de manter empregos, rendimentos, condições de vida, no fundo. Todos temos a ganhar, empresários, trabalhadores, cidadãos, com o progressivo regresso da normalidade da vida quotidiana e da facilidade da mobilidade.

Um forte aliado
"Não teríamos feito este combate à pandemia se não tivéssemos o CITEVE"

Como avalia as decisões que foram sendo tomadas precisamente para manter essa atividade, mesmo que em mínimos históricos?

O Governo foi tentando tomar decisões que respondessem à situação. Às vezes com dificuldades, uma vez que nos apercebemos rapidamente que não conhecíamos todos os dados do problema. Não sabemos todos os impactos da evolução da pandemia, não temos toda a evidência das consequências económicas. Portanto, foram-se construindo as soluções que em cada momento correspondessem à fase em que estávamos. Temos tido algum consenso público e político em relação às medidas tomadas.

Destaca-se o lay-off simplificado.

O lay-off simplificado foi muito importante para que pudéssemos ter centenas de milhares de trabalhadores minimamente protegidos em quase 100 mil empresas – tivemos mais de 900 mil trabalhadores abrangidos numa fase inicial, com os números agora progressivamente descendo. As moratórias de natureza fiscal e dos créditos bancários foram também muito importantes, porque permitiram um forte alívio de tesouraria.

"Estou convencido que vamos passar a ser o principal produtor europeu de EPI"

E os sistemas de incentivos?

Tivemos do lado do Ministério da Economia, pagamentos extraordinários dos sistemas de incentivos: entre pagamentos e não recebimentos de reembolsos, cerca de 500 milhões de euros, o que não tem nenhuma comparação com qualquer outro período da história dos sistemas de incentivos em Portugal. Tentámos também por aí, sobretudo para as empresas que tinham projetos de investimentos – que tinham feito o esforço financeiro e o mercado não estava aí para responder, impedindo a recuperação desses investimentos – induzir um alívio da tesouraria.

Será suficiente?

Este conjunto de medidas – a que se juntam as linhas de crédito com garantia de Estado ou mutualizadas, mais de seis mil milhões de euros, permitiram proteger empregos e empresas. O que impressiona mais são as pessoas no seu conjunto, trabalhadores e empresários, estarem à procura de soluções. Se estamos confrontados com uma situação cujo fim desconhecemos, vamos ter de tentar prolongar a situação o mais possível para percebermos como vai ser a evolução do mercado, da procura e então, com dados mais claros, tomar as medidas necessárias do ponto de vista empresarial para ajustarmos o que tiver de ser ajustado.

É essa a fase em que estamos?

Nesta fase, seria muito errado destruirmos as condições de podermos, numa altura de recuperação do mercado, contar com as empresas e os trabalhadores adequados a esta fase. Se tivessemos uma situação de destruição de empresas e empregos e depois logo se veria de que forma iríamos recompor a atividade aconómica, seria muito mais difícil – principalmente no setor industrial. Acho que estamos todos a fazer aquilo que deve ser feito: analisar todos os dados fornecidos pelo mercado e encontrar novas soluções do ponto de vista dos modelos de negócio.

Com que é que os empresários podem contar em concreto?

Podem contar com o mesmo tipo de posicionamento do lado do Governo: procurar ter os instrumentos que são adequados a cada circunstância. No caso das moratórias, já foram estendidas para março de 2021 – para termos um período em que possamos perceber melhor o mercado e se os níveis de atividade anteriores à crise estão ou não a ser atingidos. No caso das linhas de crédito, vamos continuar a lançá-las, dirigindo-as numa primeira fase mais para as micro empresas (com intervenções até 50 mil euros) – não porque não tenham tido já a sua fatia de apoios, mas porque percebemos que continuam a ser as mais vulneráveis; fizemos uma reserva de mil milhões de euros, logo veremos se chegam…

Se for necessário mais financiamento nessa área há disponibilidade?

Com certeza que sim. Vamos lançar novas linhas de crédito – o recurso ao financiamento dependerá muito do nível de atividade e da consequente necessidade de fundo de maneio. Vamos continuar a apoiar o investimento produtivo, nomeadamente com a readaptação da produção. Temos cerca de dois mil milhões de investimento propostos por atividades de natureza industrial – mesmo nestas circunstâncias, as empresas percebem que o investimento é central para o futuro. Daquele montante, cerca de 730 milhões foram para empresas que investiram em produtos e serviços de combate direto à pandemia – batas, máscaras, ventiladores, etc. Cerca de 30% dos investimentos são da responsabilidade das indústrias da moda (vestuário e calçado), o que dá quase 220 milhões – o que demonstra que estas empresas, quando se viram sem mercado, foram à procura do que era necessário para manter as empresas em atividade. Parte disto há-de ficar: estou convencido que vamos passar a ser o principal produtor europeu de equipamentos de proteção individual, espero que aqueles que tiverem maior valor acrescentado.

O fim do período especial do lay-off foi a zona de maior conflito entre o Governo e os empresários.

Estamos a fazer alterações que correspondem àquilo que é o sentimento da evolução do mercado: tivemos uma percentagem elevadíssima de empresas (nomeadamente do setor têxtil) a recorrer ao lay-off e neste momento há uma retoma do nível de atividade – que não chega ainda à fase pré-crise, mas já permite ter uma utilização de mão-de-obra muito mais importante – e portanto os instrumentos que estamos a criar são no sentido de premiar a retoma. As empresas que saírem do lay-off têm direito a um valor para premiar essa capacidade de adaptação e têm, em função do nível de horas trabalhadas por trabalhador, um esforço que é partilhado entre a empresa e a Segurança Social que é distinto do que era no passado porque o mercado indica que isso já é possível.

E se esse indicador falhar?

Logo veremos qual é a evolução da situação. Se esta dinâmica de retoma, lenta mas progressiva, for aprofundada a partir de setembro, teremos uma situação; se tivermos uma situação epidémica distinta, logo veremos quais as medidas a tomar.

Quer isso dizer que o Governo pode fazer regressar o lay-off de resposta ao pior da crise?

Temos o regime do Código do Trabalho – o lay-off não simplificado, chamemos-lhe assim – que pode ser sempre utilizado; a simplicidade do acesso e os prazos de resposta são as grandes diferenças em relação ao simplificado. Não está de todo de parte que, em função das circunstâncias, esta ou aquela empresa, este ou aquele setor, tenham de utilizar o lay-off normal. O Governo gostaria de completar estes mecanismos de apoio à manutenção do emprego com apoios mais expressivos à requalificação dos trabalhadores.

Para aproveitar as menores horas de trabalho.

Aproveitar uma altura em que o nível de atividade é mais baixo para investirmos mais na formação das pessoas.

Que medidas em concreto?

O Programa de Estabilização Económica e Social que o Governo aprovou tem um conjunto de medidas específicamente dirigidas a essa orientação. Temos também os recursos do lado do Estado e os que com certeza virão do programa europeu de recuperação para dotarnos o IEFP, os centros protocolados com recursos para esse fim. Temos de aproveitar bem a dimensão da recuperação e, para isso, temos de ter as empresas preparadas – o esforço de investimento que vai ser feito pelo Programa de Recuperação do Governo vai ser muito dirigido diretamente para as atividades empresariais, ou para aquele tipo de infraeastruturas tecnológicas que precisam de mais capacidade. Dois exemplos: não teríamos feito este combate à pandemia se não tivéssemos o CITEVE ou o CEiiA, no caso dos ventiladores.

O banco de fomento está para breve? O que correu mal com o IFD?

O IFD não pode fazer operações ativas, ou seja, não pode conceder crédito, tendo por isso muitas limitações. Mas o banco de fomento não se vai substuituir ao mercado: pretende ser um complemento à atividade comercial e desenvolver um enfoque em áreas específicas ou projetos que necessitem de atenção a longo prazo. Neste momento está em processo de consulta no Banco de Portugal, na União Europeia, para podermos finalizar o desenho do banco.

Surgirá até ao final do ano?

Nem todos os prazos dependem de nós.

No caso do têxtil e vestuário, acha que o estado de prontidão face à reabertura da economia deve fazer com que as empresas regressem às feiras a partir de setembro?

Com certeza que sim. Se não estivermos presentes, perdemos o nosso lugar. É essencial participar. Do lado do Governo vamos fazer tudo para que essas participações sejam apoiadas de forma expressiva. Não estar seria o pior e eu estarei presencialmente com os empresários que tiverem essa coragem.

Perfil

Diz de si que nasceu em Ponte de Sor (em 1957) “dentro de uma fábrica de cortiça” onde o pai era o diretor. A empresa já não existe e o jovem iria rapidamente viver para Almada, “como muitos alentejanos”. Atravessou o rio para entrar no Instituto Superior de Economia (em 1980) que ainda não tinha o ‘G’ de Gestão. É Mestre em Administração e Políticas Públicas, pelo ISCTE (2003) e a causa pública esteve sempre no seu horizonte: de quadro técnico da Direção-Geral da Indústria até à secretaria de Estado da Ecnomia, que assumiu no anterior Govno. Entretanto foi chefe do Gabinete do Ministro da Economia (Augusto Mateus), depois de ter passado pela Direção-Geral da Indústria, administração do IAPMEI a par da gestão industrial privada.

As perguntas de
José Robalo
Presidente da ANIL

A pandemia deixou clara a enorme dependência do país e da Europa em relação à produção chinesa. Não estará na altura de pensar seriamente na reindustrialização?

Acho que sim. Temos claramente uma aposta naquilo que são instrumentos de grande dimensão dirigidos à atividade industrial. Aquilo que está a ser feito nos produtos de combate à pandemia, mas também noutras áreas que permitam diminuir o défice comercial em termos de bens de equipamento. Sentimos que este esforço é bem compreendido por parte dos investidores europeus. Se pudermos ‘apanhar’ uma fatia da recocalização da produção, será muito bom para Portugal. Temos todas as condições para aproveitar o encurtamento das cadeias logísticas, que a pandemia vai trazer.

A indústria têxtil provou ser essencial para a economia do país e estar à altura dos desafios que se avizinham. Não terá ganho credibilidade junto dos órgãos decisores de forma a conseguir linhas de apoio específicas como aquela que a ANIL já lhe fez chegar?

Eu já acreditava nas propostas que um conjunto de organizações associativas, nomeadamente a ANIL, têm feito e das suas muitas virtudes. As circunstâncias que estamos a viver permitiram perceber que há disponibilidade para termos mecanismos de financiamento mais ajustados a esta dimensão. Basta ver que a União Europeia permitiu que os mecanismos de apoio aos investimentos de readaptação de produções chegassem aos 80%. Se eu pudesse fazer uma política industrial sem que o regime de auxílios do Estado fosse um entrave, com certeza que teríamos instrumentos mais adaptados às circunstâncias de cada um dos setores. O drama é que nós não temos o poder de outros países da União que, para além dos mecanismos de financiamento dos quadros plurianuais, têm uma capacidade orçamental que lhes permite intervir diretamente em empresas de natureza estratégica – aliás, com uma tranquilidade do ponto de vista de debate público que não vemos em Portugal.

Mário Jorge Machado
Presidente da ATP

Qual a razão de o Governo ter alterado o lay-off simplificado quando ainda existe uma grande crise que se perspetiva pelo menos até ao final de 2020?

O regime de apoio à atividade das empresas e ao emprego vai-se manter, mas com caraterísticas distintas. Vamos passar a ter um regime mais aproximado do que é a utilização da mão-de-obra: o número de horas trabalhadas por pessoa serão pagas pelos empregadores, e o restante fica para o lado do Estado. Vai ser um esfortço partilhado. Nenhum instrumento de apoio à adaptação das empresas à dimensão do mercado vai desaparecer.

Quais as principais medidas que o Governo vai criar para ajudar as empresas que, sendo viáveis, não tenham capacidade de atravessar a crise por falta de mercado?

Do lado do que são os instrumentos de proteção das empresas em função do mercado, são aqueles que já concretizámos e vamos acrescentar o que tiver de ser acrescentado. São instrumentos dirigidos à capitalização de empresas. Aumentar a autonomia financeira das empresas melhorando o processo de capitalização é a prioridade. São esses instrumentos onde nos vamos agora concentrar. Não serão dirigidos à integralidade das empresas: o critério é privilegiar as empresas viáveis e que tenham capacidade de responder favoravelmente às condições do mercado.

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