O contributo da ATP para um Plano Estratégico do Setor até 2030
T64 - Julho/Agosto

Mário Jorge Machado

Presidente da ATP
E

ncontramo-nos ainda a recuperar de um passado recente, que deixou profundas marcas em todo o sector têxtil e vestuário português, fruto de uma pandemia que ninguém previu, mas que, ainda hoje, condiciona penosamente toda a nossa vida. O presente é instável e incerto, pois a recuperação que temos assistido ao longo de todo este ano, anima-nos, mas não nos tranquiliza, uma vez que o futuro é algo a construir e nenhum de nós o pode antecipar com segurança.

A ATP não quis deixar de assumir o seu compromisso com a indústria que orgulhosamente representa, como tem feito sempre que um novo quadro comunitário se inicia, apresentando o seu habitual contributo para um plano estratégico para a fileira até 2030, procurando identificar as grandes tendências que vão enquadrar o seu desenvolvimento, sugerir linhas de intervenção estruturantes para a sua afirmação, sem evitar as recomendações fundamentais ao Governo e Administração Pública, aos centros de competência de apoio ao sector e, finalmente, às próprias empresas, protagonistas da ação e destinatárias últimas de tudo que realizamos. 

Os anos que se seguirão marcarão um novo tempo que em nada será igual ao que vivemos, incluindo nele os problemas e constrangimentos a que nos habituamos a resolver, assim como as soluções que adotamos e que permitiram a resiliência e reinvenção do sector têxtil português, tornando-o mesmo um “case study” mundial, distinguindo-se pela sua flexibilidade, adaptabilidade, alta reatividade, inovação e criatividade e pela sua capacidade de gerar valor para os clientes internacionais. 

Os “drives” mudaram e já nada nos assegura que os fatores críticos de sucesso, que fizeram a competitividade do “cluster” têxtil nacional na passada década, manterão a sua eficácia, especialmente quando o negócio global da moda está em profunda transformação. Já antes da pandemia COVID, o consumo de artigos de moda nos mercados desenvolvidos estava em queda acentuada, mercê da alteração radical dos valores dos consumidores, especialmente as gerações mais novas, que exigem transparência às marcas e aos produtores, escrutinando onde se fabrica, como se fabrica, com que processos e quais os impactos ambientais e sociais, preocupando-se com as questões da sustentabilidade ambiental, mas também a social e a económica, pugnando por modelos de circularidade produtiva, conferindo uma segunda vida às peças de vestuário ou tornando-as matérias-primas do ciclo industrial seguinte, o que determina menos consumo, consumo mais responsável e a rastreabilidade de todo o sistema.

Os novos “drives” estão seguramente na sustentabilidade e na digitalização, suportados pelo avanço da tecnologia, que estará não apenas focada na eficiência do processo, mas igualmente nos efeitos que a indústria terá no seu entorno, ao mesmo tempo que não deixarão de cumprir os objetivos de sempre, uma vez que a moda não se destina a satisfazer apenas necessidades utilitárias, pois compreende necessariamente uma imaterialidade que lhe aporta valor acrescentado e que transporta felicidade para quem a consome.

Temos como meta, no contributo para o Plano Estratégico que apresentamos recentemente para o sector em 2030, cumprir um cenário ouro, no qual a fileira têxtil conserva a sua relevância, mas melhora substancialmente o seu desempenho qualitativo, o que passa necessariamente por investimentos intensivos em biomateriais, um passo seguinte na afirmação de inovação tecnológica que já é marca deste sector à escala global, pela automatização e robotização de atividades ainda muito dependentes da mão-de-obra intensiva, antecipando e colmatando a sua escassez e acelerando a produtividade do trabalho, e pela capacitação dos recursos humanos orientados a atividades terciárias de valorização da indústria, nos domínios do design, do marketing e da comunicação, que permitam oferecer competências, estruturadas e integradas, em formação especializada de topo, para que o objetivo de gerar e gerir marcas nacionais não se fique no habitual “wishful thinking”.

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