T13 Novembro 2016

Que novos modelos de negócio para a fileira têxtil?

Tome pf nota do seguinte: as vendas online vão continuar a crescer; digitalizar todos os processos é o primeiro mandamento da nova Revolução Industrial, que abriu a porta à industrialização da customização; o princÍpio de Lavoisier (na Natureza nada se cria tudo se transforma) virou moda e não podia estar mais “on fire"; ter marca e lojas próprias é uma aposta cara e arriscada mas, em caso de sucesso, compensa largo

Raposo Antunes

A digitalização de todos os seus processos é um passo obrigatório para qualquer negócio, que nunca pode esquecer a importância das novas tecnologias de informação – é assim que Paulo Vaz, diretor-geral da ATP, lança a discussão sobre os novos modelos de negócio para a fileira do têxtil, o tema do XVIII Fórum Têxtil.

Antecipando o debate de dia 19, no auditório do CITEVE,  passamos em revista o estado da nação ITV em quatro áreas  – vendas online, industrialização da customização, economia circular e marcas e cadeias de retalho por onde passará o futuro da nossa indústria. “Essas quatro áreas são, de facto, as mais evidentes e estão identificadas na realidade industrial portuguesa”, sublinha Paulo Vaz, acrescentando que “há seguramente outras que ainda não têm expressão ou ainda não foram detetadas”.

 

Vendas Online

“As economias mais avançadas estão a apostar fortemente nas vendas online”, diz o diretor-geral da ATP, acrescentando que, num prazo de cinco a dez anos, o comércio eletrónico representará “mais de metade das vendas das empresas”.

A portuguesa Farfecht é apontada como um exemplo farol do que poderá ser o futuro comércio electrónico. “Vale mais de mil milhões de euros e este ano as vendas deverão andar na casa dos 450 milhões. Tudo digital”, diz.

José Neves, um empresário portuense, desenvolveu um site que permite aos utilizadores comprar roupa e acessórios de luxo de mais de 300 lojas multimarca. No ano passado, a Farfecht faturou quase 300 milhões de euros. Este ano quer ultrapassar os 450 milhões. A empresa funciona como uma espécie de ponte entre uma audiência global e lojas de todo o mundo. Por exemplo, uma cliente em Lisboa pode comprar com facilidade um vestido numa loja de Hong Kong ou Los Angeles e receber a encomenda em sua casa. A Farfetch trata de tudo.

O mais comum continua a ser, no entanto, a coexistência de lojas físicas com as vendas online. Joana Ribeiro da Silva, administradora da Sonae SR, assegura que “o online tem crescido de forma incrível nos últimos anos”. E dá os exemplos da Zippy e da MO que lançaram os seus sites online há cerca de um ano “e as vendas têm superado as melhores expectativas”.

Já Paulo Coelho Lima, administrador da Lameirinho, sublinha que o grupo já está nos sites da Amazon e da La Redoute. ”Começamos há dois anos. Os resultados são muito animadores. A loja online derruba todas as limitações geográficas à nossa expansão internacional. Sentimos que mais do que uma loja esta vai ser ‘a loja’”, diz.

Para Ana Sousa, criadora da marca homónima, as vendas online “têm sido uma grande surpresa”:  “O investimento inicial não foi barato, mas desde que a abrimos, há dois anos, a loja online é a que mais cresce em termos percentuais, tem custos mais reduzidos e permite-nos vender para mercados como a Austrália ou o Canadá, onde não estamos fisicamente”.

Joana Ribeiro da Silva, Sonae
“O online tem crescido de forma incrível nos últimos anos”

 

Industrialização da Customização

Ainda circunscrita ao vestuário tradicional, no modelo de negócio da industrialização da customização, o fundamental, de acordo com Paulo Vaz, “é ter tecnologia que suporte tudo isso na relação com o cliente”.

A Crialme, empresa de Paredes que diariamente faz 600 fatos por medida, de uma forma robotizada, é um dos exemplos luminosos da industrialização da customização. Mas há outros casos de sucesso como a Dielmar. Pedro Pinto, International Sales & Brand Manager da empresa de Alcains, explica o processo:

“Cada cliente começa por ter uma pequena formação para preencher a sua ficha de medida. Depois escolhe o tecido, a cor, o forro, os botões, a cor debaixo da gola do casaco e dos bolsos”.

Tudo isto pode ser feito numa loja física ou na Internet. No final, o cliente tem uma peça única com o seu nome. E não havendo alterações significativas de peso pode fazer o seu pedido de fatos em qualquer altura ou ponto do mundo.

Pedro dá o exemplo do presidente de uma multinacional, baseado no distrito de Aveiro, que ia fazer uma viagem de negócios a África. Cliente da Dielmar, que tem as suas medidas em arquivo, bastou-lhe telefonar a encomendar os fatos – que mal acabaram de ser confecionados lhe foram prontamente entregues em casa.

Robert Sherman, embaixador dos EUA em Lisboa, já declarou que continuará cliente da Dielmar quando regressar a Boston no final da sua missão no nosso país, encomendando os fatos pela internet.

A Dielmar tem apenas uma máquina para a chamada customização, daí que a produção esteja limitada a 70 fatos por dia. “Nesta área, o volume de negócios ainda representa pouco, mas estamos sempre em overbooking.  A nível internacional verifica-se um boom na procura do fato por medida”, esclarece Pedro Pinto, acrescentando que  25 dias é o tempo médio entre a chegada do pedido e a entrega do produto, que nesta modalidade custa mais 40% que o pronto-a-vestir.

Para Paulo Vaz, o salto em frente da customização será quando este modelo chegar ao sportswear. “Há já empresas a estudar essa possibilidade, que quando acontecer será uma verdadeira revolução no negócio”.

 

Economia Circular

Reciclar, reciclar, reciclar é palavra de ordem da chamada economia circular. José Morgado, diretor do Departamento de Tecnologia e Engenharia do CITEVE, resume este modelo de negócio a uma ideia simples: “Pegamos em resíduos de um determinado produto que depois são transformados em produtos diferentes”.

A H&M foi uma das primeiras grandes cadeias de distribuição a fazer surf em cima da onda da moda verde e sustentável ao lançar uma campanha de recolha de roupas usadas, na sua rede de lojas, dando em troca um vale de desconto numa compra futura, quem sabe se já fabricada com fibra reciclada.

“Usar recursos mínimos; produzir o mínimo possível de resíduos”, é frase usada por Maria José Carvalho, Diretora de Produção Sustentável do CITEVE, para explicar a alma da economia circular.

Maria José Carvalho, Citeve
“Usar recursos mínimos; produzir o mínimo possível de resíduos”
O aproveitamento dos resíduos da têxtil não é uma novidade. A Recutex já o faz em Famalicão, desde que iniciou em 1968 a sua atividade industrial  “Não é um negócio novo. Agora com as questões da sustentabilidade ganhou uma maior importância”, acrescenta Maria José.

Os resultados da reciclagem de resíduos têxteis transbordam o setor. Muitos dos novos produtos são utilizados como isolamento térmico ou acústico na construção civil. Servem também para papel de algodão ou telas para pintar. Outros desses têxteis reciclados são usados como suporte de jardins verticais ou de plantas aromáticas usadas na gastronomia. E até na agricultura como base de estufas para fazerem retenção de águas, utilizando-se aqui fibras com grande capacidade de absorção.

Albertino Oliveira, da Sedacor (um grupo constituído por quatro unidades de produção, três em Santa Maria da Feira e uma no Alentejo), fala na estratégia vertical da empresa que vai desde a floresta (sobreiros) ao produto final. Quase 100% do produto que utilizam é o pó de cortiça que é depois transformado em tecidos, revestimento e isolamento de paredes. A utilização nos têxteis é não só para o vestuário, mas também para almofadas, coberturas de cama ou de mesa. Mais de 80% do que produzem é exportado para 50 países.

 

Marca Própria e cadeia de retalho

A aposta em marca própria e numa cadeia de lojas com presença internacional é um caminho que ainda poucas empresas da ITV começaram a trilhar. Paulo Vaz elege a Parfois, com 600 pontos de venda em todo o mundo, como uma exemplo a seguir e um caso a estudar.

“Com um mercado interno curto e anémico, a ITV soube dar o salto em frente e hoje exporta mais de 75% do que produz. O passo seguinte é a afirmação internacional das nossas marcas”, diz o diretor-geral da ATP, acrescentando que se contam pelos dedos das mãos os exemplos de marcas portuguesas que atravessaram as fronteiras – Salsa, Tiffosi, Ana Sousa e Lion of Porches, Zippy, Mo.

“A deficiente aposta em marcas próprias é um dos calcanhares de Aquiles da nossa ITV”, afirma Pedro Pinto, dando como exemplo o facto da Dielmar ser uma das poucas marcas portuguesas de vestuário masculino tradicional que se apresenta nas feiras internacionais.

“Vamos precisar de continuar a trabalhar para terceiros, mas tem de haver um maior equilíbrio entre as vendas de private label e marca própria. O que implica apostar em feiras, designers, modeladores e grandes stocks de tecidos. E o país tem de identificar o que quer vender lá fora  – têxteis e calçado, serão seguramente. Mas para isso é necessário investir em publicidade e marketing. E não faz qualquer sentido que seja vedado às empresas com mais de 250 trabalhadores o acesso aos fundos do Portugal 2020 para a promoção externa”.

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