É a história do copo meio cheio ou meio vazio. Os empresários do setor têxtil encaram com um optimismo moderado a paridade entre o euro e o dólar. Todos conhecem as regras deste jogo: exportam mais, mas a matéria-prima fica mais cara. Na origem das reticências estão dois factores incontroláveis: as eventuais medidas proteccionistas que Donald Trump venha a tomar e a caixa de Pandora que o Brexit poderá abrir…
Raposo Antunes
A paridade cambial entre o euro e o dólar é “grosso modo” como a história do copo meio cheio e meio vazio. A desvalorização da moeda europeia face à norte-americana (nos últimos meses, a cotação mais baixa do euro foi até agora de 1,03 dólares, em Dezembro) favorece as exportações. Ao tempo do escudo, a desvalorização da moeda era, de resto, uma prática recorrente do Governo português para aumentar as exportações. Então, como agora, havia também o lado do copo meio vazio: as matérias-primas ficavam mais caras.
No caso da têxtil, a questão não se coloca só com a aquisição directa nos EUA de algodão, lã ou matérias-primas sintéticas. Todos estes produtos são cotados em dólares no mercado internacional.
Os protagonistas da ITV ouvidos pelo jornal T sobre os prós e contras da paridade euro/dólar também encaixam este problema na história do copo, mas, naturalmente, com várias “nuances”. Algumas suscitadas pela experiência das suas próprias empresas, outras, mais complexas, por ser impossível prever como vai ficar o mundo após o Brexit e as medidas proteccionistas de Donald Trump.
José Robalo, presidente da Associação Nacional da Indústria de Lanifícios (ANIL), não tem dúvidas: “Por um lado, a desvalorização do euro relativamente ao dólar dá-nos uma vantagem nas exportações para os EUA. Por outro, dado que as matérias-primas são todas cotadas em dólares torna-as mais caras. Qualquer que seja o tipo de matéria-prima, designadamente o algodão e a lã é sempre pago em dólares. É como o petróleo. E mesmo as matérias-primas sintéticas, como estão indexadas ao petróleo, também ficam mais caras”.
O presidente da ANIL está, no entanto, confiante por entender que “as economias dos dois blocos (euro/dólar) vão chegar a um equilíbrio, o que vai representar a pujança das duas economias”.
Enquanto a primeira-ministra britânica, Theresa May, e os responsáveis da Comissão Europeia ainda estão nos exercícios de aquecimento para o braço-de-ferro do Brexit, Paulo Melo, presidente da ATP, levanta esta nova reticência: “Tenho algumas reservas sobre a libra, que está muito volátil, devido à escassez da informação sobre como é que vai ser o Brexit. E o mercado britânico é muito importante para Portugal, já que compra muita qualidade”.
O responsável máximo da ATP enfatiza esta questão, dado que “o Reino Unido tem um nicho de mercado com poder de compra que adquire muito o produto português com valor acrescentado e materiais nobres como as sedas e as caxemiras”. E avança com números: nos primeiros dez meses de 2016, nos têxteis-lar, “exportamos 98 milhões para os EUA e 67 milhões para o Reino Unido”.
Paulo Melo fala mesmo numa paridade ainda mais alargada, entre o euro, o dólar e a libra. Como país exportador, o presidente da ATP diz que, à partida, haverá “uma vantagem competitiva acrescida e um saldo positivo”. Mas, “suplementarmente”, manifesta alguma apreensão pelo facto de se estar a assistir “a uma escalada do preço das matérias-primas que se verifica em simultâneo com a valorização do dólar”. “Teremos um problema muito grande se as nossas exportadoras não conseguirem reflectir no preço final estes aumentos”, alerta.
Inês Branco fala na perspectiva da sua empresa (a Têxtil Nortenha), considerando que se está perante “um movimento do dólar pouco significativo”. “As nossas vendas nesta divisa representaram, em 2016, cerca de 3,5% do volume de negócios”, diz. “A paridade só poderá trazer benefícios, isto é, ganho cambial e preço de venda mais competitivo”, até porque “o dólar forte beneficia as exportadoras europeias, pois torna-as mais competitivas e atractivas”.
Artur Soutinho, CEO do grupo MoreTextile, sublinha que o mais importante para os negócios é a estabilidade cambial. “Atendendo a que os EUA são um mercado gigantesco, a paridade euro/dólar pode ser uma boa notícia para a nossa ITV”. Entende, porém, que essa boa notícia só se confirmará com a citada estabilidade cambial: “Será muito mau se, quando fizermos as contas, o dólar estiver a 1,05 e quando entregarmos o produto já tiver estiver a 1,20”.
David Schneider, vice-presidente executivo da LFSourcing, não tem dúvidas: “O euro e o dólar vão entrar em paridade se a economia americana reagir bem a Trump e o FED aumentar as taxas de juro, e se o Banco Central Europeu continuar a imprimir moeda, como tem sido anunciado, desvalorizando o euro”.
Se isto acontecer, diz Schneider, “a ITV terá mais facilidade em exportar para os EUA, pois o euro está relativamente mais barato, o que também torna o valor dessas exportações mais favorável após o câmbio para euros”. “Por outro lado, salvo variações nos mercados das commodities, fica-nos mais caro comprar matérias-primas denominadas em dólares. De resto, um dólar mais forte também pode aumentar o preço da energia, através do petróleo, e da electricidade através do gás e carvão”, diz, concluindo que o resultado final será “favorável para as têxteis portuguesas”.
Honorato Sousa, director comercial da Carjor, introduz a nuance asiática: “Os nossos competidores asiáticos vendem em dólares, pelo que a valorização do dólar torna-os menos competitivos com deslocalização das compras dos grandes clientes para quem vende em euros, como é o nosso caso.
“A paridade euro/dólar proporciona às exportadoras portuguesas a vantagem de serem mais competitivas”, afirma Albertino Oliveira, da Sedacor, acrescentando que não podemos cair na ratoeira “de criar demasiadas expectativas e investimentos que possam não ser sustentáveis a médio/longo prazo”.
No entender de António Cunha, da Orfama, “a desvalorização do euro será positiva para as empresas que têm a maioria dos seus custos na zona euro, mas têm um grande volume de vendas fora dela”. E lança um alerta: “A queda do euro pode impedir as empresas de aproveitar completamente este ganho de competitividade, por não terem a capacidade para aumentar a produção num curto intervalo de tempo para aproveitar o previsível aumento da procura internacional”.
OITO VOZES, UMA OPINIÃO
“Teremos um problema muito grande se as nossas exportadoras não conseguirem reflectir no preço final os aumentos das matérias-primas”
Paulo Melo, Presidente da ATP
“As economias dos dois blocos, euro e dólar, vão chegar a um equilíbrio”
José Robalo, Presidente da ANIL
“Não podemos cair na ratoeira de criar demasiadas expectativas”
Albertino Oliveira, Diretor Comercial da Sedacor
“A paridade só poderá trazer benefícios, isto é, ganho cambial e preço de venda mais competitivo”
Inês Branco, Administradora da Têxtil Nortenha
“O importante é a estabilidade cambial. Será muito mau se, quando fizermos as contas, o dólar estiver a 1,05 e quando entregarmos o produto já estiver a 1,20”
Artur Soutinho, CEO do grupo MoreTextile
“Um dólar mais forte aumenta o preço da energia, através do petróleo, e da electricidade através do gás e carvão”
David Schneider ,Vice-presidente da LF Sourcing
“Os nossos competidores asiáticos vendem em dólares, pelo que a valorização do dólar torna-os menos competitivos”
Honorato de Sousa, Diretor Comercial da Carjor
“A desvalorização do euro é positiva para quem tem a maioria dos custos na zona euro e muitas vendas fora dela”
António Cunha, Sales Manager da Orfama