T32 Maio 2018

O que se deve fazer para prolongar o atual ciclo de prosperidade?

Não há um remédio santo, uma receita infalível para manter o mais longo ciclo de crescimento da nossa ITV. Mas há regras escritas na pedra. Já toda a gente percebeu que quem teimar em competir apenas pelo preço está condenado - e que a qualidade, serviço, inovação, criatividade e flexibilidade são cinco mandamentos obrigatórios. E o melhor seguro contra todos os riscos, para quem quer continuar a percorrer a estrada do sucesso, é apostar na digitalização, na sustentabilidade e na economia circular.

Raposo Antunes

Há uma nova cartilha que a Indústria Têxtil e do Vestuário (ITV) deve adoptar para prosseguir o actual ciclo de prosperidade. Ao contrário de outras, esta assenta em quatro princípios –  inovação, sustentabilidade, economia circular e digitalização da manufatura (também conhecida como Indústria 4.0) – e em duas apostas, formação e marcas nacionais.

Seguir estes seis caminhos não é uma garantia que a ITV seguirá na actual estrada do sucesso, mas é uma espécie de seguro contra todos os riscos, designadamente contra as surpresas que a economia mundial costuma proporcionar-nos ciclicamente e para as quais não estamos muitas vezes preparados.

Paulo Melo, presidente da ATP, não tem dúvidas: “As empresas devem inovar constantemente e escalar o valor dos produtos e serviços que prestam”.

“Sem o foco na inovação, colocando sempre em causa o que se fez para procurar fazer ainda melhor e mais alinhado com o que o mercado pretende, as empresas facilmente ficam à mercê da competição apenas pelo preço, o que acaba por ser uma condenação a prazo”, afirma Paulo Melo, acrescentando que  “a inovação e diferenciação pelo valor, por esta via, é o segredo do sucesso, actual e futuro”.

O responsável máximo da ATP considera também que o grande desafio atual é a reorganização das empresas, indexada à economia digital, seja o comércio electrónico seja a indústria 4.0.

“O mundo está em constante mudança e o paradigma que está a consolidar-se assenta na economia digital, o que, mesmo para empresas em sectores tradicionais, mas que, obviamente, não podem alhear-se da inovação e das novas tecnologias da informação e produção, significa apostar num novo mind set e numa nova cultura corporativa, que abarcará tudo: a forma como se produz, como se compra e como se vende, como se internacionaliza, com implicações na organização dos recursos humanos, na gestão financeira, na comunicação interna e externa”, descreve Paulo Melo.

Quem ignorar isto, alerta, estará afastado do negócio em poucos anos, pois as empresas, mesmo as industriais do têxtil, ou serão digitais ou não serão.

Já José Robalo, presidente da ANIL, sublinha que a ITV portuguesa é essencialmente uma indústria exportadora, estando assim muito dependente dos ciclos de desenvolvimento da Europa e EUA, como tem sido verificado nos últimos anos.

“Os nossos parceiros comerciais mais importantes têm tido desenvolvimentos económicos positivos, o que permitiu que a nossa indústria conseguisse recuperar da grave crise que a tinha afectado desde a entrada da China para a OMC”, lembra.

Formação é fundamental
“Cada vez mais as empresas valem pelos ativos humanos que possuem" afirma António Amorim

Assim, entende que “as empresas devem aproveitar este ciclo de crescimento económico para fazerem investimentos em i&d, novas tecnologias e equipamentos, e também, muito importante, na formação dos seus colaboradores, de forma a melhorarem as suas capacidades competitivas no mercado globalizado como é o mercado da ITV”.

Para António Amorim, presidente do CITEVE, os desafios imediatos, são sem dúvida a melhor ou pior integração nos sistemas da chamada economia digital, vendas online, sustentabilidade, e Indústria 4.0.

Não deixa também de sublinhar a importância da formação. “Cada vez mais as empresas valem pelos ativos humanos que possuem, o que pressupõe formação adequada que permita uma maior compreensão da evolução tecnológica no sentido do fabrico de produtos mais elaborados e de grande sofisticação, não só em termos de desenho, criatividade, mas com incorporação tecnológica”, diz António Amorim.

Em resumo, aponta o caminho da criação de produtos diferenciadores, mas também de uma maior ligação ao sistema científico e tecnológico.

Paulo Coelho Lima, administrador da Lameirinho, enquadra o futuro olhando o presente: “O  bom momento que a ITV está a passar é fruto do grande investimento feito pelas  empresas,  não  só  na presença em feiras internacionais, mas também através da aquisição de bons equipamentos e na captação de recursos humanos qualificados,  que  permitam  apresentar  ao  mercado  um  produto  de  boa qualidade e um serviço irrepreensível”.

Tem   sido   desta   forma, diz, que  a  indústria  têxtil  se  tem  destacado, posicionando-se  neste momento no patamar da escolha “premium” dos clientes internacionais. “Para manter este ciclo é fundamental que a nível nacional, se mostre o ITV como uma área de interesse para o ensino; será assim mais fácil para esta indústria recrutar recursos qualificados e especializados”. E acrescenta: “Temos que continuar a apostar num produto diferenciado, com bom design e de boa qualidade”.

José Armindo Ferraz, CEO da Inarbel, introduz uma ligeira nuance – “Lutar para que o Made in Portugal continue a ser o melhor do que se faz em Portugal”. Como? “Servir com qualidade, o melhor design e a preços competitivos para que assim se assegure que o têxtil em Portugal continue a ser conotado com a qualidade/design/preço”.

E o caminho é criar infraestruturas internas nas empresa para se adaptarem à era digital porque é inegável que, hoje, “every business is a digital business”.

“Every business is digital"
Para José Armindo Ferraz são precisas plataformas de e.commerce que promovam as marcas nacionais
“Num mercado tão competitivo e inconstante há que inovar e acompanhar o que este pede. Hoje temos um mercado jovem que consome online, por isso há que criar plataformas de e.commerce que possibilitem não só a venda como a exposição das marcas nacionais a nível internacional”, acrescenta.

O director comercial da Têxtil Cães de Pedra, Rui Maia, entende que as empresas portuguesas devem primeiro ter uma estratégia comercial muito bem definida e organizada e com múltiplos critérios. “Antecipação, capacidade de visão, estudar e selecionar bem os mercados, ter confiança e muita dedicação, solidez financeira são alguns exemplos para desenvolver um business plan a médio/longo prazo. Depois, e porque esta atividade assim obriga, selecionar o melhor possível os clientes e parceiros locais”.

Entende que a ITV deve ser prudente para não estragar todo o capital de conhecimento que até agora conquistou , sobretudo nos últimos 10/15 anos. E tal como José Armindo F, diz que as empresas “devem potenciar cada vez mais a marca fabricado em Portugal porque finalmente está a ser reconhecida em todo o Mundo”. “A qualidade, flexibilidade, criatividade, serviço ao cliente são fatores que devemos promover e que muito nos custou a conquistar”, alerta.

Em jeito de repto, sublinha que “as autoridades devem ter um papel fundamental neste momento tão importante em apoiar fortemente as ainda poucas marcas nacionais que ultimamente se tem introduzido no meio dos maiores nomes internacionais e que fazem um trabalho notável ajudando a sustentar a boa imagem do têxtil português”. “Devemos ter o objetivo de ter marcas fortes com conceito próprio à escala global porque elas são os nossos melhores embaixadores e nesse aspeto ainda temos um caminho longo e solitário pela frente”, conclui.

Num tom irónico, Braz Costa, membro do grupo de Alto Nível do Cluster Têxtil, responde à pergunta dizendo que seria um homem rico se soubesse qual era a fórmula para a ITV continuar a prosperar. “A fórmula encontrada até agora encaixou bem no actual contexto mundial do sector. A aposta na inovação vai continuar a ser fundamental, bem como as boas relações que consigamos criar com os nossos clientes”.

Mas o futuro, diz, passa sobretudo por apanhar o comboio da digitalização da manufatura (Indústria 4.0), pela economia circular e pela sustentabilidade.

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