T21 Junho 2017

O Brexit já começou a afectar os negócios?

Paul Valery aconselhou-nos a não insultar o futuro, tentando prevê-lo. Quando se trata de antecipar as consequências para a nossa ITV do divórcio da UE solicitado pelo Reino Unido, os especialistas ouvidos pelo T adoptam a atitude prudente recomendada pelo filósofo francês. Se estivessem a jogar no totobola, não arriscavam - optavam pela tripla. Com o céu pintado de cinzento pelas nuvens da incerteza, a única coisa certa é que o Brexit está a espicaçar o engenho das nossas têxteis, que entre este mês e o próximo, vão ter uma participação recorde (mais de 50 expositores) em quatro feiras
em Londres

Raposo Antunes

Há mais de 300 anos Portugal e Inglaterra celebraram o tratado de Methuen, também conhecido como “acordo dos panos e vinhos”. Agora, a menos de dois anos da saída do Reino Unido da União Europeia, pouco se sabe ainda do que irá acontecer nas relações comerciais entre os dois países, nomeadamente na ITV, mas as expectativas não são propriamente optimistas. “O Brexit ou já chegou ou está ainda para chegar, mas o resultado não será positivo”, resume Paulo Vaz, director-geral da ATP.

Um ano depois da realização do referendo (6 de Junho de 2016) que levou o Reino Unido para o Brexit, não são ainda publicamente conhecidos detalhes sobre as negociações com a União Europeia. Da espuma dos dias é público que ambos já mudaram de negociadores e que a UE reclama uma indemnização a rondar os 60 mil milhões de euros, montante considerado exagerado pelo Reino Unido.

Não é propriamente a espuma dos dias que Paulo Vaz analisa. O director-geral da ATP considera que o Brexit ainda não mostrou os seus efeitos plenamente sobre as exportações da Indústria Têxtil e Vestuário portuguesa. “Depois de cinco anos a crescer de forma robusta e sustentada, até 2014, as exportações da fileira têxtil para o Reino Unido estagnaram nos 290 milhões de euros, parecendo hesitar recuperar os anos mais luminosos de 2006 e 2007 onde prometiam aproximar-se dos 400 milhões e disputar assim o pódio dos maiores destinos de exportação”. O Brexit, diz, parece, neste caso, ter sido “antecipado em dois anos, quando nada, em sítio algum, nem mesmo no Reino Unido, o fazia prever”.

Para o director-geral da ATP, as razões de uma forte recuperação, seguida de uma quase estagnação são difíceis de identificar, em especial o segundo fenómeno. “Tudo deveria apontar para um interesse acrescido dos britânicos pelo “made in Portugal”, nomeadamente por via de muitas das suas marcas desiludidas da miragem asiática de produção de custos baixos, mas a verdade é que isso não se verifica, pois o Reino Unido. continua a ter como principais centros produtivos o Extremo-Oriente e o Leste da Europa, com alguns países como a Moldávia a crescerem rapidamente”, explica.

Paulo Vaz entende que os modelos de negócio das marcas britânicas não são em nada semelhantes aos do fast fashion da Inditex ou da H&M, pelo que, “estando sujeitos ainda a duas estações clássicas, a proximidade não tem relevância e o preço torna-se quase o factor único a discutir”.

Acresce a isto que “a desvalorização da libra face ao euro não está ajudar neste cenário preliminar do Brexit, pelo que não há a esperar grande evolução futura deste mercado, sobretudo se os drives ”existentes se mantiverem ou adensarem”.

Paulo Vaz, ATP
“O Brexit ou já chegou ou está ainda para chegar, mas o resultado não será positivo”

José Armindo Ferraz, CEO da Inarbel, “trabalha muito” com o Reino Unido que no universo de facturação da sua empresa representa entre 8 a 10%. O trabalhar muito significa neste caso não só a produção no regime de private label como, mais importante ainda em termos de volume de negócios, as vendas da sua marca própria de vestuário infantil, Dr Kid.

“Tenho sentido uma ligeira quebra nas vendas sobretudo por causa das pessoas estarem reticentes sobre o que vai acontecer com a saída da União Europeia”, explica. José Armindo Ferraz atribui também essa “ligeira quebra” à percepção de outras questões como “a questão cambial, o medo das pessoas das taxas que venham a ser (ou não) cobradas”. No fundo, acrescenta, “as pessoas não querem fazer stocks – estão com receio do Brexit”. “Sabem que ao sair da União Europeia vão ter de devolver dinheiro à UE”, recorda.

António Cunha, director de vendas da Orfama, considera que o Brexit não teve efeitos directos significativos ao nível das relações económicas e comerciais com Portugal, mas afectou com certeza as exportações do nosso país. “Mais pela via da contracção da economia britânica, queda do consumo e do poder de compra, acentuada pela desvalorização da libra face ao euro”, explica.

Na opinião de Cunha, a situação mais delicada irá prender-se aos negócios muito dependentes do custo dos produtos ou serviços. “As empresas para quem o preço é um argumento forte no processo de venda, vão claramente sofrer mais com o Brexit”, perspectiva.

Enquadrando o cenário futuro do Brexit, António Cunha entende que “haverá primeiro que perceber como a saída se irá concretizar e, depois, como as relações futuras entre o Reino Unido e a União Europeia se irão desenvolver”. “O principal efeito será a incerteza sobre o tempo e os aspetos concretos do processo de saída, e isso pode ser um travão ao desenvolvimento de novos projectos e investimentos”, teme.

Há também uma consequência que ainda se desconhece que tem a ver com as taxas alfandegárias. “Se elas voltarem, e vamos torcer para que não voltem, causarão também impacto negativo nas vendas para este mercado. Felizmente, sabemos que há várias empresas têxteis portuguesas com argumentos de diferenciação face à concorrência baseados noutros aspectos, como a qualidade, a tecnologia ou os serviços associados”, diz.

António Cunha não alude directamente ao Tratado de Methuen, mas recorda que Portugal e o Reino Unido têm uma aliança forte e já eram bons parceiros comerciais antes da UE, e não há razão para que não continuem assim.

António Cunha, Orfama
“As empresas para quem o preço é um argumento forte no processo de venda, vão sofrer mais com o Brexit”
É o quarto país para onde Portugal mais exporta, depois da Espanha, França e Alemanha.

Dados revelam ainda que há muitas empresas britânicas a investir em Portugal, e muitos dos principais investimentos do Reino Unido centram-se nos têxteis.

“Os próximos tempos serão de inevitável ajustamento, tendo em conta que se trata de um contexto sem precedentes. As empresas não gostam de incerteza e volatilidade, mas a experiência mostra que se sabem adaptar, e depois do primeiro impacto, a comunidade empresarial vai saber ajustar-se à nova realidade”, conclui, manifestando assim a sua confiança no futuro.

Exemplo evidente dessa confiança no futuro é a presença de mais de 50 empresas portuguesas nas quatro feiras têxteis que vão decorrer no Reino Unido entre este mês e o próximo, batendo assim um recorde de presenças de marcas portuguesas naqueles certames.

Esta presença em massa é a prova que o Brexit está a espicaçar o engenho dos têxteis portugueses, que dão assim um sinal claro de enfrentar os eventuais efeitos negativos da saída do Reino Unido. Tanto daqueles que trabalham em regime de private label, como os que dispõem de marcas próprias, muitas das quais estarão agora nestas feiras.

Manuel Serrão salienta sobretudo três aspectos: “O número de feiras internacionais no Reino Unido tem aumentado; as empresas portuguesas têm aumentado a sua representação nessas feiras; e a procura do lado inglês não tem abrandado”. Em resumo, diz o administrador executivo da Associação Selectiva Moda, “independentemente de poder haver incertezas sobre o futuro por causa do Brexit, as empresas e marcas portuguesas continuam a apostar na Inglaterra e os compradores ingleses continuam a comprar nas nossas marcas e a apostar na produção em Portugal”.

Joaquim Cunha, CEO da marca Cristina Barros, que estará representada numa dessas feiras, é um exemplo disso. “A nossa marca já se encontra à venda nas melhores boutiques de pronto-a-vestir feminino do Reino Unido há cerca de 10 anos, já tem consolidado os seus clientes. Não notamos diferença nenhuma”. E diz mais: “Na nossa última presença na Semana da Moda de Londres, os clientes mostraram o entusiasmo de sempre. A ideia que tenho em relação às marcas de roupa portuguesas, é que serão bem aceites porque temos uma qualidade e um design muito apreciado pelos ingleses”.

 

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