T29 Fevereiro 2018

Estão as lojas físicas condenadas a desaparecer?

Nem preto nem branco! Tal como a realidade é feita de múltiplos matizes, também o futuro do comércio têxtil há-de ser uma sábia combinação entre o online e as lojas físicas. As mudanças estão, no entanto, aí. O crescimento do comércio electrónico é exponencial, mas isso não significa a morte das lojas, coincidem empresários e especialistas. O futuro, dizem, é a complementaridade entre os canais de venda, físicos e online. Ou seja, há um novo palavrão que a ITV tem que se habituar a pronunciar: omnicanalidade

Raposo Antunes

Ninguém tem dúvidas que as lojas físicas não estão condenadas a desaparecer mesmo com o crescente papel que o comércio electrónico tem vindo a ocupar nas vendas de vestuário e de têxteis lar. O futuro próximo passará assim por uma maior atenção dos players da ITV ao e-commerce, através das lojas online e também das redes sociais como o Facebook e o Instagram, mas sempre com os pés assentes na terra, ou seja em conjugação com as lojas de retalho tradicionais, a chamada omnicanalidade.

“Não cabe a mais mínima dúvida que o retalho físico não desaparecerá”, garante Daniel Agis, um expert em retail que trabalha internacionalmente e que já produziu estudos sobre este assunto para a ATP.

A perspectiva deste especialista não difere muito dos proprietários de diversas marcas ouvidas pelo T Jornal e mesmo de empresas que já se dedicam em exclusivo às vendas online, como é o caso da plataforma Minty Square.

Daniel Agis considera que o comércio de vestuário e de têxteis “está, isso sim, a atravessar mudanças estruturais, que se acentuarão nos próximos anos, mudanças essas que transformarão a função do ponto de venda”.

No trabalho intitulado Retail 3.0, que realizou para a ATP em 2012, este especialista apontou um previsível redimensionamento, com a perda de cerca 20% do espaço comercial (Europa e EUA), assim como a previsível crise de alguns formatos como as department stores.

“Cinco anos depois cifras semelhantes (25%) são divulgadas nos estudos do Credit Suisse, e todos conhecemos a severa crise que atravessam as department stores de empresas norte-americanas”, observa.

É por isso que Daniel Agis entende que, “na realidade, o futuro é a omnicanalidade”, ou seja a complementaridade dos canais físicos e online. “A omnicanalidade é muito mais que o click & collect hoje praticado pelos principais retailers. A omnicanalidade real encontra-se numa fase embrionária, sendo de certa forma aspiracional”, explica. Mas este especialista garante que “não há dúvida que a omnicanalidade será o centro de todas as estratégias nos próximos anos”.

Com uma ou outra nuance, a perspectiva das empresas não é substancialmente diferente da deste especialista em retail. Artur Soutinho, CEO do grupo MoreTextile, observa que “o e-commerce não vai substituir integralmente as lojas físicas, mas já está a substituir algumas”. Diz mesmo que “o grande crescimento das vendas vai ser no online, o que obriga as empresas a investirem muito no serviço pós-venda”.

Como exemplo da importância dos serviços pós-venda, Soutinho conta um pequeno episódio que ele próprio viveu: “Aqui há uns anos, apaguei sem querer a minha biblioteca de músicas no iTunes.

Paulo Coelho Lima
“Mais do que um posto de venda, as lojas online são um showroom”
Contactei a Apple, relatando-lhes o que me tinha acontecido. Apesar do erro ter sido meu, restituíram-me as músicas. E nos 15 dias seguintes fui várias vezes contactado, a perguntarem-me se tinha ficado satisfeito e se precisava de mais alguma coisa. É esta eficiência no serviço pós venda que nos faz sentir como ‘o cliente’ no meio de milhões deles”.
A MoreTextile, o maior grupo português de têxteis lar com um volume de negócios de 70 milhões de euros, abriu há um ano e meio uma loja online da sua marca Home Concept – que, de acordo com o CEO, “tem cumprido a sua dupla função de instrumento de vendas e de marketing” – e também está presente nos maiores market places do mundo, como a Amazon.
A perspectiva de Paulo Coelho Lima, CEO da Lameirinho, vai ao encontro das ideias expressas tanto por Daniel Agis como por Artur Soutinho. “O online não vai acabar com as lojas físicas – vai complementá-las”.

“Vivemos numa época em que todos os canais de distribuição se fundem num só. O cliente vê o produto na loja e compra em casa. Vê em casa, no e-commerce, e depois vai comprar na loja. Compra online e vai buscar o produto à loja física. Todas estas e outras modalidades convivem – e no futuro ainda vão conviver mais”, explica.

Paulo Coelho Lima aponta, porém, mais um raio de acção para as lojas online: “Mais do que um lugar, mais do que um posto de venda, as lojas online são um showroom, uma ferramenta essencial para, nos nossos dias, uma empresa comunicar”.

A Lameirinho tem, há quatro anos, uma loja online que vende para toda a Europa, está nas principais plataformas mundiais de e-commerce (como a Amazon e a La Redoute) e já garantiu a sua presença no market place que a Worten está a ultimar.

Rui Maia, international business manager da empresa Têxtil Cães de Pedra, proprietária da marca Lions Of Porches, também considera que as lojas físicas “não estão condenadas a desaparecer”. De facto, diz, o canal online tem crescido exponencialmente e Portugal não é excepção. “Vemos isso pela nossa empresa – as vendas deste canal têm tido grande crescimento ao longo dos últimos anos , representando hoje uma importante percentagem das nossas vendas ”.

No entanto, segundo Rui Maia, as lojas físicas serão sempre a referência e o ponto de atratividade que acaba depois por levar os clientes a comprar online. “Têm um atendimento personalizado com sugestões e coordenados complementares que leva ao cliente uma satisfação e conforto que são impossíveis de proporcionar no canal online”. E, para concluir, profetiza: “O canal físico interage com o online e ambos têm o seu espaço e têm futuro, já que se complementam”.

José Cardoso
“Os dois conceitos não são estanques, são realmente e cada vez mais complementares”

Ana Cravo, fundadora da Minty Square, uma empresa que se dedica em exclusivo às vendas online, vai ao encontro da perpectiva de Daniel Agis, afirmando que “acredita que o futuro passa pela junção destes dois motores, online e offline, através de estratégias omnichanel (omnicanalidade)”.

Não deixa, no entanto, de assinalar que “cada vez mais se assiste ao posicionamento online de diversos players, permitindo que uma série de novos concorrentes se desafiem”. “Face a este crescimento, muitas marcas estão a adoptar uma estratégia offline, construindo uma rede de lojas pop-up, showrooms e parcerias com grandes gigantes offline como forma de expandir o seu raio de ação”, descreve.

Isto porque na moda, ver, tocar e experimentar os produtos antes de comprar é muito importante para alguns consumidores. “E, embora a experiência online tenha melhorado nos últimos anos, replicar a sensação de interação com o produto em loja física, torna-se impossível”, diz.

Esta fundadora da Minty Square acredita assim que “o mercado online vai continuar a ganhar expressão e as lojas físicas terão de aceitar a mudança, redefinindo a sua estratégia, adaptando-se à era digital”. E prevê mesmo que “as que não se adaptarem não sobreviverão”.

José Cardoso, administrador executivo da empresa O Segredo do Mar (OSDM), considera que “existe um certo dramatismo” quando se fala na condenação do retalho físico e interroga-se se a verdadeira razão será apenas o veloz crescimento das vendas online. “Os factos são recentes e precisamos de tempo para confirmar as nossas opiniões”, diz.

Esta empresa de design e produção global sedeada no Porto, que dispõe de dez designers e doze unidades de produção e trabalha para clientes como a Inditex e El Corte Inglès, lida já com as duas realidades. “Temos o crescimento dos operadores de vendas online que, segundo nos dão a entender, projectam também o seu crescimento expandindo a sua capacidade de distribuição para o retalho, acrescentando inovação com operações de fornecimento mistas a que hoje chamamos de omnicalidade. Aprendemos que os conceitos de distribuição não são estanques, são realmente cada vez mais complementares”, explica o CEO da OSDM.

E a novidade, diz, “é que em 2017 o nosso top de clientes para as marcas próprias é partilhado entre grandes operadores offline e online, isto sem uma percetível canibalização de mercado”. Conclui, por isso, que “existirem múltiplos segmentos que podem ser repartidos, entre novos clientes, habituais, locais e distantes, de tal forma a amplitude é grande que estes limites não estão balizados”.

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