T31 Abril 2018

Ao cluster têxtil ainda falta a produção de máquinas?

Quando comparado com países como Alemanha e Itália ou, mais recentemente, alguns países asiáticos, é forçoso reconhecer que falta ao cluster têxtil a componente de fabrico alargado de máquinas industriais. As razões do passado já pouco importam e, maquinaria pesada à parte, o advento da Indústria 4.0 e as suas exigências de digitalização e automação abrem agora a oportunidade de Portugal entrar no jogo de produção de sistemas para a ITV. Há que olhar para as áreas tecnológicas e lançar desafios ao desenvolvimento de equipamentos inovadores e robotização da indústria. Como exemplo, aí está a máquina que faz a incorporação dos Led nos tecidos da Penedo.

Raposo Antunes

Todos sabem que não se pode confundir a árvore com a floresta. Mesmo assim há episódios que valem só por si. Rui Machado, director comercial da São Roque, uma das poucas empresas portuguesas que é uma referência mundial no fabrico de máquinas para a indústria têxtil, conta que há vários anos foi convidado pelo CITEVE para participar numa reunião do sub-sector de produtores de máquinas têxteis da AIMMAP (Associação dos Industriais Metalúrgicos Metalomecânicos e Afins de Portugal) precisamente para discutir questões que poderiam dinamizar este sector. “Participei nessa reunião e lembro-me que eram cerca de 12 empresas, algumas nem produtoras eram (eram representantes) e várias faziam exactamente o mesmo tipo de máquina”, recorda.

Este episódio resume bem o estado de alma existente no cluster têxtil quando este agregado económico é confrontado com a pergunta se ainda falta a este sector a produção de máquinas. É que, como diz Mário Jorge Machado, CEO da Adalberto Estampados, “se existissem mais produtores de máquinas e robotização no cluster têxtil em Portugal isso traria uma vantagem competitiva muito importante para a ITV”.

Salvaguardando as “honrosas excepções” à frente das quais coloca precisamente a São Roque, que faz máquinas de estamparia, Braz Costa, director-geral do CITEVE, começa por explicar que ao cluster têxtil português, enquanto agregado económico com as várias valências, nomeadamente o fabrico de sistemas de produção (máquinas, software, etc), falha esta componente. “Esta última valência não é expressiva quando comparada com a realidade de agregados de outros países como a Itália ou a Alemanha, ou mesmo mais recentemente dos países asiáticos”, diz.

Ora, diz Braz Costa, “num contexto de utilização da digitalização (Indústria 4.0) como factor de competitividade, seria mais confortável para a ITV portuguesa a existência de um sector de produção de máquinas e sistemas mais robusto”. E isto não acontece porque, “salvas essas excepções, o sector não adoptou atempadamente as necessárias dinâmicas de inovação para se manter vivo e activo”.

Mário Jorge Machado, de resto, à pergunta do T Jornal responde também, colocando outras questões que ajudam a perceber a existência deste handicap do cluster têxtil português: “Por que é que a Europa e Portugal incluído perderam uma parte muito significativa da sua indústria de máquinas para os países asiáticos?”

Entre outras explicações, poder-se-á dizer que a indústria das máquinas foi para a Ásia porque muitos dos fabricantes europeus também foram para lá.

Rui Machado
“Os empresários portugueses dedicam muito pouca atenção à I&D”
“Deslocalizaram a produção para lá por causa de produzirem as máquinas numa região mais próxima dos grandes clientes”, observa Braz Costa, que aponta ainda um segundo motivo: “Com o crescimento de procura na Ásia, os fabricantes aí existentes desenvolveram-se muito rapidamente”.

Em jeito de Post Scriptum, o director-geral do Citeve lembra que o Japão também é Ásia, mas este país desde há muito que mantém capacidades tecnológicas e de inovação ao mais alto nível. “E são líderes em alguns segmentos da maquinaria têxtil”, sublinha.

Voltando às réplicas que o CEO da Adalberto Estampados fez à pergunta do T Jornal, Mário Jorge Machado coloca a chamada pergunta do milhão de dólares: “O que deve ser feito para a Europa e Portugal se manterem na linha da frente no desenvolvimento de equipamentos inovadores e que permitam a robotização da indústria?”

Essa é no fundo a questão que também Braz Costa coloca, considerando que Portugal “tem possibilidade de entrar no jogo de produção de sistemas para a ITV, não pelo lado da chamada maquinaria pesada, mas pelo lado dos sistemas leves (robótica, computação) que poderão ser a alma dos desenvolvimentos futuros no contexto da Indústria 4.0”.

E já vão aparecendo exemplos. Foi precisamente para a área da inovação tecnológica da ITV que a empresa Controlar produziu recentemente a sua primeira máquina para o sector têxtil.

No âmbito do projecto LEDinTEX da Têxteis Penedo, que incorpora luzes LED em tecidos, a Controlar desenvolveu a máquina automática que faz essa aplicação. “A nossa área de atividade reside sobretudo na inovação da indústria, e no sector têxtil também queremos ser uma mais-valia. O nosso foco consiste na automatização de processos e no desenvolvimento de soluções à medida para o efeito, do qual o projeto LEDinTEX é um bom exemplo”, sublinha Carla Pereira, RDI project manager da Controlar, uma jovem empresa com sede em Valongo que tem trabalhado sobre para o sector automóvel.

Em jeito de alerta para o sector têxtil, Carla Pereira considera que “com o aparecimento da Indústria 4.

Carla Pereira
“Seria importante que o têxtil estivesse atento ao que de melhor se faz no país nas áreas tecnológicas”
0 e todas as tecnologias envolvidas na digitalização da indústria seria importante que também o sector têxtil estivesse atento ao que de melhor se faz em Portugal nas áreas tecnológicas, nomeadamente ao nível do IoT (Internet of Things), sensorização das máquinas, recolha e análise de dados de produção, máquinas para o desenvolvimento de novos processos, etc.”

Por isso, entende que “integrar produtores de máquinas no cluster têxtil, ainda que de outros sectores de atuação, poderia ser uma mais-valia para a ITV, visto que permitiria às empresas tecnológicas, como é o caso da Controlar, um conhecimento mais aprofundado das necessidades deste sector, e com isto perceber como o tornar mais inovador e competitivo”.

Já sobre a produção de máquinas tradicionais do sector têxtil, Carla Pereira diz que existem já empresas bem estabelecidas no mercado e já com vários anos de experiência. “É um mercado com o qual a Controlar não quer competir, nem sequer faria sentido”, observa.

Rui Machado, da S. Roque, aponta na mesma direcção, dizendo que nota “uma falta de imaginação muito grande por parte dos empresários portugueses, que dedicam muito pouca atenção à I&D”.

Além de recordar o episódio atrás citado da reunião do CITEVE, conta ainda um outro também exemplar e vivido na própria empresa de que é director comercial: “Já houve três ex-funcionários que decidiram sair e criar as suas próprias empresas e dois deles optaram por fazer exactamente o mesmo tipo de máquina que faz a S. Roque”.

Há sinais que o sector da maquinaria começa a mexe. A MTEX vai lançar na FESPA, a maior feira mundial de máquinas de impressão digital e têxtil, que se realiza a 15 de Maio, em Berlim, a Dragon. Esta máquina de sublimação com transfer para calandra  faz impressão digital de tecidos e malhas a uma velocidade superior a 500 metros por hora de impressão. Além da velocidade, também a qualidade de impressão é revolucionária.  

A Dragon foi concebida pela equipa de engenheiros portugueses da New Solution Engineering e é fabricada na Mtex em Famalicão.

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