T30 Março 2018

A ITV vai ter que produzir fora do país?

Eis a grande questão: levar alguma produção para fora do país ou importar antes a mão-de-obra que por cá escasseia? A resposta depende em boa parte da ponderação de vários factores, que podem variar de empresa para empresa. O problema está, no entanto, aí. E se há quem veja como inevitável o recurso à produção externa, há também alertas para os riscos de mexer no equilíbrio rapidez-qualidade-proximidade-complementaridade, em que assenta a actual vantagem competitiva de Portugal. E quem reclame por políticas para atração e inserção de trabalhadores estrangeiros.

Raposo Antunes

Por mais estranho que possa parecer num país que teve (tem) uma das maiores taxas de desemprego da UE há um problema subjacente à pergunta “A ITV vai ter que produzir fora do país?”. E esse problema é nada mais nada menos do que a falta de mão-de-obra especializada, estimada em vários milhares de postos de trabalho que estão por preencher na indústria têxtil e do vestuário.

Essa questão, de resto, sobressai na maioria dos depoimentos que diversos empresários e outros players do sector prestaram ao T Jornal. Produzir no estrangeiro é a alternativa, dizem alguns desses industriais. Mas também pode ser solução ir buscar lá fora essa mão-de-obra que cá escasseia, contrapõem outros.

Mário Jorge Machado, CEO da Adalberto Estampados, fez mesmo questão de dizer que aborda a pergunta do T pelo lado de solucionar “a falta de mão-de-obra e, como tal, de onde produzir as encomendas de uma forma distinta”. Entende assim que “a ITV vai ter de trazer pessoas de fora do país, de preferência com formação adequada, para trabalhar na fileira”.

“Com esta solução garantimos a velocidade de resposta, criamos riqueza em Portugal (mais a pagar aqui impostos) e contribuirá para ajudar a recuperar o equilíbrio demográfico, garantindo a sustentabilidade da segurança social”, explica, acrescentando que “o Governo deveria criar um programa de suporte e apoio na ajuda da procura dos candidatos e na sua integração no país”.

Já Artur Soutinho, CEO da Moretextile, revela uma visão distinta, considerando que “a localização das capacidades industriais, é um dos principais factores competitivos”. E, acrescenta, “a dinâmica actual do negócio têxtil, a velocidade e flexibilidade de resposta que é exigida nomeadamente pelo crescimento do negócio online, torna decisiva a proximidade ao cliente, pelo que a deslocalização pode ser determinante para a competitividade.”

A perspectiva de Virgínia Abreu, CEO da Crispim Abreu, para esta questão é outra: ”A ITV deverá preocupar-se, sempre mais, com investimento em tecnologia, em design e em qualidade para se tornar viável. Mais que subcontratar mão-de-obra, deveremos continuar a aperfeiçoar-nos nas matérias primas, no know how, na formação, responsabilidade e ética profissional.”
Lembra que há muitas empresas a fazerem produções noutros países, mas que a Crispim Abreu não está a produzir fora. ”Nem é nosso objetivo”, sublinha.
Quanto ao futuro, diz, “muito gostaríamos que a ITV se mantivesse com pedidos de encomendas suficientes para dar trabalho a todas as fábricas em Portugal”, isto porque “se nota um ligeiro abrandamento na procura de produções em Portugal”.

Quem não tem dúvidas sobre a necessidade de produzir lá fora é Honorato Sousa, director comercial da Carjor. “Obviamente que nos produtos com muita mão-de-obra incorporada e com pouco valor acrescentado produzir em países mais baratos será uma obrigação, desde já, para se manter vivo.

Mário Jorge Machado
"A ITV vai ter de trazer pessoas de fora do país, de preferência com formação adequada"
Nos restantes produtos demorará mais tempo, mas lá chegaremos”, diz, apontando os países do Magrebe ou Leste Europeu para isso, “se a estabilidade social regressar”.

Paulo Vaz, director-geral da ATP, entende que a ITV tem de olhar para a “deslocalização” de uma forma aberta, até porque o sector está a chegar a um momento em que a sua capacidade produtiva “pode estar a chegar ao esgotamento”, designadamente nas áreas mais a jusante, nomeadamente na confecção onde há falta de mão-de-obra.

“Muitas empresas têm dificuldade em encontrar pessoas para trabalhar, quer qualificadas quer não qualificadas. Por isso, é preciso olhar para o problema com esclarecimento e consequência”, revela. É evidente, diz, que “todos gostaríamos de ter toda a indústria sediada em Portugal, mas estamos a encontrar situações em que este desejo não pode ser atingido”.
Lembra que há cerca de 30 empresas que têm unidades industriais na Tunísia, mas para deslocalizar a produção de encomendas basta apenas um escritório. “O importante é que em Portugal fique o valor acrescentado, a engenharia do produto e o centro das decisões das encomendas”, diz.

O director-geral da ATP considera que Marrocos pode ser o sucessor da Tunísia para as empresas portuguesas dada a instabilidade que se vive em Tunes. Comparativamente com 2016 houve uma quebra de 21% (10 milhões de euros) no volume de negócios oriundos da Tunísia.

Já agora refira-se que, ao contrário do que aconteceu na Tunísia, em outros países onde as empresas portuguesas produzem sobretudo confecção (embora não disponham de fábricas) registou-se um crescimento entre 2016 e 2017. Na Roménia de 16% (passou de 40 milhões de euros para 47,5), na India de 20% (220 milhões em 2017), na Turquia de 9% (123,5 milhões em 2017), no Paquistão de 16% (105 milhões também em 2017), no Bangladesh passou de 47,5 milhões para 53,5 milhões e em Marrocos de 11 milhões para 13,250 milhões.

“Se não temos mão-de-obra suficiente para trabalhos especializados ou se não for competitivo utilizar a nossa mão-de-obra, Portugal deve assegurar os seus clientes subcontratando produção externa”, resume Braz Costa, director-geral do CITEVE. Para onde? “Depende muito. Há opções mais próximas ou na Ásia”, diz, acrescentando que esta última região “é uma hipótese que já está a ser encarada por algumas empresas”.

Hélder Rosendo, novo diretor da Prozis Gear, considera que a pergunta do T Jornal é “uma questão de resposta complexa e para a qual seguramente não há uma resposta única e consensual, dada a enorme interdependência de fatores que devem ser tidos em conta na ponderação desta opção, começando desde logo pelo modelo de negócio e pela a posição na cadeia de valor, aspetos que podem inviabilizar logo à partida, qualquer ensaio de deslocalização”.

Colocado este à priori, Rosendo “suspeita” de duas razões principais para neste momento se falar deste assunto: “Uma eventual pressão competitiva, no caso de negócios que possuam fortes necessidades de reduzir custos, ou, dificuldade em responder a aumentos de capacidade de produção por falta de mão-de-obra qualificada, obviamente em operações de mão-de-obra intensiva”.

Honorato Sousa
“Nos produtos com muita mão-de-obra incorporada, produzir em países mais baratos será uma obrigação”

“Não é novidade que a vantagem competitiva de boa parte do negócio de confeção de vestuário que ainda se mantém em Portugal está na rapidez de resposta proporcionada por uma disponibilidade próxima de várias operações complementares, que com elevados padrões de qualidade permitem responder a ciclos muito curtos de produção (seja em reposições ou não) a custos ainda relativamente controlados”, sublinha.

E diz mesmo que lhe parece difícil “deslocalizar um modelo assente nestas premissas, geograficamente próximo dos mercados de destino, se o cliente efetivamente valoriza a qualidade e a capacidade de se lhe propor ideias/sugestões e o apoio de criação/design/engenharia (criatividade) que se lhe inclui no pacote como “serviço” em detrimento do puro preço”.
Ainda assim, observa: “Sabemos que há concorrentes de Portugal, que possuem operações destas na Turquia, Roménia/Bulgária/Macedónia e Tunísia/Marrocos, mas é evidente que nenhum destes pólos oferece um equilíbrio tão interessante entre os diferentes factores de competitividade como o caso de Portugal”.

De resto, em 2012, num estudo promovido pela UE, as vantagens comparativas das diferentes regiões têxteis da Europa foram analisadas em detalhe e as diferenças que caracterizavam os modelos de desenvolvimento presentes, deixavam antever certas dificuldades ao desenvolvimento futuro.

“Tive oportunidade de integrar a equipa de peritos desse estudo, que já na altura identificava as barreiras na transferência (por deslocalização) de modelos de desenvolvimento de certas regiões (entre elas o do Norte de Portugal+Galiza)”, recorda.

Por outro lado, reconhece que a dificuldade de recrutamento de recursos humanos para a confeção é cada vez maior, em particular na atracção de gente jovem e mesmo na captação de desempregados com ou sem experiência, para reinserção no sector. “Não faltam projetos e iniciativas de empresas direcionadas a este objetivo, integrando formação em sala com formação prática em contexto de trabalho, mas com taxas de retenção que, salvo raras exceções, são frustrantes após um ciclo de formação de vários meses”, diz.

Em suma: “Não sei se em vez de investir tempo e massa crítica a estudar estratégias e oportunidades de deslocalização, não devemos avaliar melhor as políticas de atracção e inserção de mão-de-obra estrangeira, com estratégias apropriadas de inserção económica e social”.

“Talvez esta seja uma via alternativa a uma deslocalização com maiores riscos (para certos negócios), para colmatar as lacunas existentes e futuras de mão-de-obra especializada, que de resto não são um exclusivo do nosso setor”, conclui.

Partilhar