T37 Novembro 18

A energia é o pior dos custos de contexto?

Uma parte não negligenciável daquilo que o economista Miguel Cadilhe celebrizou como ‘custos de contexto’ continua a impedir o desenvolvimento saudável da Indústria Têxtil e Vestuário. O preço da energia em geral , e da eletricidade de forma mais vincada, está no topo dos custos e afeta de forma muito penalizadora a sua competitividade. Falta uma política e uma estratégia energética de médio longo prazo, todos o sabem e ninguém parece acreditar que venha a ser diferente no futuro próximo

António Freitas de Sousa

Numa altura em que o setor da eletricidade está no centro das atenções dos portugueses – e pelas mais variadas razões – importa saber se o custo que lhe está associado continua ou não a ser um dos mais penalizadores da envolvente.

Das respostas recolhidas pelo Jornal T junto de um painel de empresários e gestores, fica claro que os custos da eletricidade não só foram sempre e continuam a ser penalizadores para a ITV, como ninguém parece acreditar que não continue a ser assim no futuro.

Esta evidência resulta desde logo do facto de algumas indústrias da ITV nacional terem reconvertido a sua produção para a utilização de energias alternativas – bem antes da aposta nas renováveis – consubstanciada na utilização de gás natural. “Na Adalberto gastamos três vezes mais em energia térmica que na elétrica: 40 mil euros para 120 mil em gás natural”, referiu Mário Jorge Machado, CEO do grupo, recordando que os segmentos da tinturaria e acabamentos finalizaram a reconversão “há muitos anos, dado que a energia elétrica é muito mais cara. A eletricidade foi sempre sobrecarregada com uma série de taxas e taxinhas que fazem com que se procurem soluções alternativas”.

Para Mário Jorge Machado, este facto tem implicações diretas na competitividade das empresas – principalmente das que ainda não conseguiram sair do ‘espartilho’ da eletricidade: “o custo da energia torna a indústria menos competitiva. Todas as medidas que impedem que o mercado da energia seja mais aberto à concorrência criam condições para que os preços sejam menos competitivos. Quem paga isso é a indústria – principalmente a exportadora”, afirma.

Para João Peres Guimarães, representante da ATP na Euratex, não restam dúvidas sobre o que se passa: “o peso da eletricidade reflete, sem haver razões para isso – e devíamos lutar contra esse facto – o preço do brent, que também influencia o preço do gás. Em Portugal entre 50% a 67% (dependendo dos anos) da eletricidade é produzida por renováveis, pelo que não faz sentido que o preço incorpore uma influência do petróleo. Se isso acontece só pode ser por haver um cartel. Há efetivamente uma cartelização dos preços”, assume.

O ‘cantinho’ constituído pela Península Ibérica é propício: “acontece também em Espanha – a Península Ibérica está isolada em relação ao resto da europa.

Um problema competitivo
"O custo da energia torna a indústria menos competitiva, especialmente a exportadora" afirma Mário Jorge Machado
Os preços no mercado livre, que são fixados de 15 em 15 minutos, são praticamente sempre iguais, o que significa que há uma cartelização. E se há cartelização, é o Estado que deve tomar medidas para acabar com essa situação inadmissível”.

Felizmente há um novo e notoriamente aguerrido secretário de Estado da Energia, João Galamba. Ou talvez não: “não tenho esperança nenhuma em que o novo secretário de Estado venha mudar alguma coisa. O governo acaba por ter na mão o regulador, e coloca na Secretária de Estado alguém que vai ser ‘comido de cebolada’”, refere João Peres Guimarães.

Paulo Melo, administrador do grupo Somelos, recorda que “as taxas representam 38% do valor da fatura na energia elétrica e 18% no que se refere à fatura do gás. Falta uma política e uma estratégia energética de medio longo prazo para o país e para a industria”, que deve necessariamente passar pela “estabilidade de preços”.

O quadro é negro: “o Mibel não funciona, é opaco, traduz o mercado ibérico mas não traduz o que se passa a nível de preços na Europa. Não se entende também a questão de termos um IVA tão alto, sabemos que não é um custo, mas afeta as tesourarias das empresas”.

O empresário, presidente da ATP, recorda ainda que “tudo isto afeta a competitividade das empresas industriais, grandes consumidores de energia”, mas adianta que “Portugal agora sabe o que tem que fazer, temos estudos realizadas, mas somos muito lentos a agir. Esperamos que quando agir não seja tarde demais. O sector industrial do país, na qual se insere o sector têxtil, tem demostrado ao longo dos últimos anos uma vitalidade muito positiva, mas atenção que não aguenta com todos este acréscimo de custos, com que todos os anos somos cada vez mais sobrecarregados”.

Para Manuel Gonçalves, administrador da TMG, “se existem países na Europa que conseguem um custo [na eletricidade] inferior, presumo que se deve a uma maior eficiência do seu sistema de produção e transporte de energia. Reconheço que Portugal foi um dos países que mais investiu nas energias renováveis, no entanto deveria tê-lo feito de uma forma mais eficiente”.

A questão dos preços
"Há efetivamente uma cartelização dos preços e uma excessiva influência do petróleo" afirma João Peres Guimarães

A envolvente é pouco animadora: “os concursos eram lançados com tarifas fixas e os projetos eram ganhos por quem oferecesse um valor mais alto no licenciamento, ora isto não passava de uma manobra para financiar o Estado por conta dos consumidores de energia”, refere. E aponta uma solução: “reduzir custos com a energia através do défice tarifário não é solução, mas por exemplo, criar condições para a compra dos parques de produção de energia renovável através de um fundo que é posteriormente adquirido pelos consumidores (individuais e industriais) pode ser muito interessante e contribuir para que, à medida que a energia renovável se torne mais eficiente, o retorno reverta a favor dos consumidores, para não falar do estímulo à poupança”.

José Alexandre Oliveira, presidente do Conselho de Administração da Riopele, também descobre no setor influências perversas: “vejo há muitos anos este tema como um exemplo de política pura. Temos de exigir, como empresa, que nos reduzam a fatura, pois somos nós que apanhamos com as ‘turbulências’ do mercado elétrico”.

E avança também uma solução: “a medida mais adequada para aliviar o aumento dos custos para a indústria seria baixar os impostos sobre a energia, que representaria uma descida imediata e benéfica, enquanto não se define uma reforma mais global. A energia é, em suma, um custo de contexto fundamental que enfrentamos e que condiciona a nossa competitividade no mercado global”.

Este condicionamento está claramente identificado, como diz Paulo Nunes de Almeida, presidente da Associação Empresarial de Portugal: “ao consumo propriamente dito (incluindo a potência) acrescem outros encargos relativos à ‘Tarifa de Acesso’, aos ‘CIEG – Custos de Interesse Económico Geral’ e às taxas, impostos e contribuições, que conjuntamente podem representar mais de metade da fatura paga pelas empresas. Convenhamos, por mais eficientes que as empresas possam ser do ponto de vista do consumo da energia elétrica, será muito difícil ‘combater’ uma parcela que é exógena à sua atividade”.

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