T26 Novembro 2017

A ditadura da cor está de volta?

Cor e moda são duas faces da mesma moeda e mantêm uma relação biunívoca de amor correspondido. A moda dita a cor, mas a cor também dita a moda e os últimos anos têm sido marcados pelo regresso da cor ao mundo moda, segundo os diversos especialistas ouvidos pelo T. Todos comungam dessa ideia, mas quase todos também contestam o uso da palavra ditadura, preferindo classificar essa tendência como natural - ou até mesmo democrática. “A cor está de volta, sim. A ditadura não”, garante Isabel Branco, coordenadora de moda do Portugal Fashion.

Raposo Antunes

Expressões políticas à parte, nos dois últimos anos “regressou a ideia de seguir as cores que ditam a moda”, considera Rita Bonaparte, 35 anos, coordenadora do Portuguese Fashion News (PFN) e por duas vezes vencedora do concurso dos Jovens Criadores (2001 e 2002).
Licenciada em Design de Moda no IADE, estágio com Fátima Lopes e trabalho no atelier de Ana Salazar, Rita garante que “nunca houve uma ditadura da cor”. Remete para os anos 60 essa ideia de “seguir as cores”, um movimento que atribui à britânica Mary Quant (criadora da minissaia) que se terá inspirado nas correntes pictóricas dessa época que apostavam em cores fortes.
“Foi uma forma da mulher se tornar mais independente”, explica Rita, acrescentando que esse movimento se prolongou depois pelos anos 70 e 80. “No fundo, era também um sinal de emancipação da própria mulher porque a cor é uma forma de comunicar, e é também uma forma de as mulheres se sentirem mais seguras”, recorda, não deixando de sublinhar que ela própria sempre sentiu “um fascínio” pela cor, embora não tenha uma preferida.
Em seu entender, “sempre houve tendências de cor”, embora as pessoas nas últimas décadas não estivessem tão receptivas a segui-las. “O público, designadamente nos dois últimos anos, está mais recetivo a isso”, diz. E isso é seguir a tendência de vários criadores que apostam nas mesmas cores para os seus trabalhos. Exemplos? O vermelho e o caqui (verde tropa) para o próximo inverno. Os amarelos e o azul cobalto para o verão do próximo ano.
“Em épocas de crise, a moda é um contraponto. E as cores fortes são a resposta”, observa a designer, não deixando de enfatizar a ideia que essa tendência “é uma necessidade de comunicar e de chocar”. “É como as frases impressas nas t-shirts que agora estão na moda, permitindo a quem as veste comunicar”, exemplifica.
Paulo Cravo, designer de moda e coordenador da plataforma Bloom/Portugal Fashion, não tem medo do peso das palavras. “Sim. A ditadura da cor está de volta e ainda bem”, diz. “É visível em diversas marcas a aposta na cor para a próxima estação de verão”, adianta.

Rita Bonaparte
“Nunca houve uma ditadura da cor. A cor é uma forma de comunicar”
E não é só pelo facto de ser verão que a cor tem tendência a aparecer – “hoje em dia podemos notá-la no inverno trabalhada de forma diferente e enquadrada na estação fria”.
Para este designer, a cor é um trunfo fundamental nas coleções, “ela pode aparecer em diversos formatos, look total, de forma gráfica em contraste com outras cores, estampados e em acessórios”.
“Posso afirmar que a cor pode ser o sucesso de uma coleção, assim como um desastre, é preciso saber trabalhar a cor. Um exemplo da cor são as coleções da Calvin Klein, após a entrada do novo criativo Raf Simons onde a cor aparece em grande força, nas diversas formas: blocos de cor, estampados e efeitos gráficos, que são trabalhados no seu máximo”, aponta.
Outro exemplo de “explosão de cor” é a coleção do designer Pedro Pedro, “uma coleção com cores vibrantes e metálicas, onde se misturam com um equilíbrio perfeito, transmitindo energia para quem a veste e para quem a vê, a cor também tem esse poder de identificar personalidades, estados de espírito e transmitir sensações ao ser humano”.
Em jeito de profecia, Paulo Cravo diz mesmo que “a cor sempre será um elemento de destaque na moda, a cor é usada de igual forma em todas as estações, a cor apresenta-se como uma “ditadura” que é bem-vinda”.
“É paradoxal falar-se em ditadura da cor para referenciar uma potencial maior oferta de produtos coloridos no mercado de fibras e têxteis. Ou simplesmente para referenciar maior oferta de cores inesperadas, que até criam novas oportunidades de expressar sentimentos”, contrapõe Conceição Tedim, do Departamento Têxtil da Focor. E explica porquê: “Nem mesmo as tendências são axiomas absolutos, mas antes simples sugestões que se insinuam ao mercado. Quanto maior a oferta de cor, mais democratizante se torna a ligação emocional ao consumidor!”
Também Teresa Pereira, diretora do departamento de Moda e Design do CITEVE, rejeita a expressão ditadura, mas admite que “a cor está de volta, muito otimista e sofisticada”, até porque “a cor cada vez mais se interliga com a matéria e a forma emergindo novas cores muito contemporâneas”, acrescentando que este ressurgimento da cor serve “para nos emocionar e estimular, pela sua energia, proporcionando uma dose de espontaneidade”.
Teresa M. Pereira
“Se todos gostássemos do preto, o que seria feito do amarelo?”

“Cores que se inspiram e se influenciam na natureza, cor e nuance que explora grande diversidade de tonalidades que nos confortam e envolvem, cor que nos remete à tranquilidade de uma energia espiritual positiva. Use a cor de forma criativa para associações únicas pessoais e exclusivas. A ditadura da cor encontra-se nos olhos da humanidade”, conclui a especialista do CITEVE.
Teresa Marques Pereira, Brands Development Manager da Valérius, responde à pergunta do T com mais duas interrogações: “De volta? Mas alguma vez ela foi embora?”. E passa a explicar: “A cor faz parte de nós, da nossa perceção da visão, é algo tão familiar que nem damos por ela”.
Quanto aos consumidores, Teresa considera que estes “não são fiéis apenas à ‘cor favorita’ mas sim à sua perceção da cor consoante o seu estado de espírito, porque a cor é um elemento indissociável do nosso quotidiano”.
“Eu acredito em todas as cores e na sua função em cada momento, sou do lema ‘White is the new black’, contudo respeito que se elegem cores socialmente aceites ou impostas como ‘cores bases’, como o preto e o azul marinho”, confessa, acrescentando ainda que acredita “no arrojo e na mudança e não numa ditadura”. E deixa mais uma interrogação: “Afinal se todos gostarmos do preto o que será feito do amarelo?”.
Isabel Branco, coordenadora de moda do Portugal Fashion, resume: “A cor está de volta, sim a ditadura não. A cor é democrática”. E adianta que “muita cor e a mistura das mesmas está nas próximas coleções de verão sem dúvida”. Dá o exemplo da SS18 do Pedro Pedro. “Há uma tendência para esquecer de momento o neutro, o preto e o branco e focar nas cores vivas e cores fluorescentes… Juntá-las e criar uma energia única que só com elas se consegue”, conclui Isabel.

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