21 Setembro 2017
Polémica

T

Quando o cor-de-rosa era para os meninos…

É hoje um dado adquirido que o azul é a cor dos meninos e cor-de-rosa a das meninas. E aplica-se a quase tudo: roupas, brinquedos, acessórios e até às paredes nos quartos dos bebés. A última polémica política portuguesa foi mesmo sobre os livros da Porto Editora retirados do mercado, com o dos meninos a azul e o das meninas a cor-de-rosa. Mas será que foi sempre assim?

O site Observador falou com Jo B. Paoletti, antiga professora da Universidade de Maryland e especialista em História do vestuário americano, que fez uma longa investigação sobre a associação do azul às roupas de rapazes e do cor-de-rosa às roupas de raparigas e chegou à conclusão de que não só esta associação é recente, como já houve alturas em que foi exatamente ao contrário.

A investigadora e também autora do livro Pink and Blue: Telling the Boys from the Girls in America conta que antes do azul e do cor-de-rosa, a cor dominante nas roupas dos bebés era o branco. “No final do século XIX, tudo aquilo que os bebés e as crianças pequenas usavam eram vestidos brancos, por causa da maneira como a roupa era lavada na altura — era lavada e fervida. Usar uma cor nas roupas dos bebés não dava o efeito desejado, porque elas acabavam por desaparecer”, explicou ao Observador.

As cores utilizadas nas roupas apareciam apenas em “pequenos acessórios”, como por exemplo numa fita colocada à volta da cintura do bebé, mas não eram apenas azul ou cor-de-rosa. “Eram usadas outras cores, era uma questão de moda.”

O azul, contudo, sempre foi uma cor comum nas roupas dos bebés, tanto para meninas como meninos. “Em algumas partes da Europa, em particular nas zonas católico-romanas, o azul era a cor das meninas, porque era associada à Virgem Maria. Noutros locais, o azul era utilizado para o primogénito.” Na arte sacra, a Virgem Maria é muitas vezes retratada com um manto azul — o azul até é considerado a cor de Nossa Senhora.

Mas a escolha das cores para as roupas dos bebés não estava necessariamente associada ao género. A aparência da criança também era tida em conta. Se o bebé tivesse olhos azuis, provavelmente usaria mais roupas azuis, enquanto nas crianças com olhos e cabelo castanho era mais provável que vestissem roupas cor-de-rosa ou de outra cor, acrescenta a investigadora na entrevista ao Observador.

Este cenário começa a mudar no final do século XIX e início do século XX, com o aparecimento da psicologia e da questão do subconsciente. A questão de o azul e o cor-de-rosa serem cores de menino ou menina surge durante este processo. O jornal inglês The Guardian refere um artigo de março de 1914, do jornal Sunday Sentinel, no qual se aconselha a usar “cor-de-rosa para o rapaz e azul para a rapariga” se se optar por seguir “a tradição”.

Jo B. Paoletti também faz referência a um artigo, de junho de 1918, da Infant’s Department, uma revista dirigida às pessoas que fabricavam e vendiam roupas de crianças, onde se lê que muitos dos seus leitores (fabricantes) lhes tinham escrito a colocar esta questão.“Tem havido várias opiniões sobre este assunto, a regra mais aceite é o cor-de-rosa para o rapaz e o azul para a rapariga. A razão é que o cor-de-rosa, sendo uma cor assertiva e forte, é mais adequada para o rapaz; enquanto o azul, que é mais delicado, é mais bonito para a rapariga”, lê-se no artigo.

Então, quando é que ocorre a mudança para o padrão atual (rosa para as meninas e azul para os meninos)? De acordo com Jo B. Paoletti, foi algo que foi acontecendo gradualmente. Só em meados dos anos 80 é que se tornou quase uma regra. A investigadora notou isso pessoalmente. Quando a sua filha nasceu, em 1982, conseguiu roupas das mais variadas cores (encarnado, azul, verde, etc), mas quando o filho nasceu, quatro anos depois, o tipo de roupa era totalmente diferente: só havia praticamente uma cor (azul) e tinham sempre um desenho, como por exemplo um urso a segurar uma bola, que masculinizava ainda mais a peça de roupa.

Outro fator que influenciou esta situação foram as ecografias. Estes exames permitiram às pessoas saber se estavam à espera de um rapaz ou de uma rapariga e levaram-nas a passar a comprar roupas de acordo com o sexo, tanto que outras opções de roupas com cores neutras tornaram-se cada vez mais “escassas”.

Algo que foi extremamente benéfico para a indústria do vestuário. Foi uma forma de aumentar as vendas porque, como as roupas deixaram de ser neutras, não passavam de um filho para o outro. Mas porquê o rosa para as raparigas e o azul para os meninos? Jo B. Paoletti não tem uma justificação. “Para mim, foi algo muito arbitrário. Foi uma coisa que aconteceu gradualmente, ao longo de 85 anos — entre 1900 e meados dos anos 80. Havia mais pessoas a usar cor-de-rosa para as meninas e azul para os meninos. ”

“O simbolismo das cores é uma coisa cultural. O cor-de-rosa não é inerentemente uma cor feminina, a cultura é que a torna uma cor feminina. Há uns anos, se uma pessoa se vestisse toda de preto, os outros iriam assumir que essa pessoa estava de luto. Hoje em dia, pode ser só uma pessoa gótica ou que gosta de usar roupas pretas. Esse simbolismo da cor preta mudou gradualmente.”

Partilhar