21 maio 19
Estratégia

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O pensamento de Isabel Furtado em 24 pequenos capítulos

O pensamento de Isabel Furtado, presidente da COTEC e CEO da TMG Automotive, sintetizado em 24 pequenos snacks, tantos quantos as horas do dia, extraídos de entrevistas recentes, designadamente a dada este mês ao Dinheiro Vivo/TSF.

De A (de Arrefecimento, mas também Automação e Automóvel) a R, de Recursos Humanos, passando pelas buzzwords do momento –  Cibersegurança,  Educação, Digitalização, Indústria 4.0, Mobilidade, etc, etc, um resumo das ideias de uma gestora de topo.

Arrefecimento. Desde novembro que temos vindo a verificar um arrefecimento na construção de carros em todas as gamas, nomeadamente no segmento premium. Há um desvio de produção para a China, mas um crescimento de 1% neste mercado é logo um número muito considerável de viaturas.

Automação. A automação não vai tirar emprego. Vai gerar emprego diferente. Vai pôr fim às funções repetitivas, quase desumanas. Nós não podemos ter uma pessoa oito horas a fazer a mesma coisa. Não é correto. Se esse trabalho pode ser feito por uma máquina, deixemos que as pessoas façam um trabalho mais nobre. Porque é disso que estamos a falar –  de dar valor às pessoas, retirando-as das tarefas repetitivas, que não acrescentam valor e até nos retiram alguma competitividade e produtividade. Além de que vamos precisar sempre de pessoas para desenhar e programar as máquinas e os robôs. A Indústria 4.0 não é uma ameaça, é uma grande oportunidade.

Automóvel. Penso que o carro vai deixar de ser um símbolo de status. Aliás o estatuto social que entendíamos como posse já mudou nos jovens. Eles não querem ter carro e casa. Querem ter experiências. A mobilidade partilhada é interessante, porque um jovem pode querer hoje uma pick up para ir às compras, amanhã um descapotável para passear ou uma caravana para as férias – e aluga. Temos de estar muito atentos a estas mudanças, pois são elas que vão ditar o consumo e o negócio no futuro.

China. A China é um parceiro necessário, um mercado em crescimento. E nós, fornecedores, temos de acompanhar esse movimento. Vendemos para a BMW, Mercedes e Volvo e estamos a estabelecer parcerias para abastecer as marcas europeias que têm linhas de montagem na China. Pequim tem feito um percurso interessante na mobilidade elétrica – não têm alternativa … 

Cibersegurança. O ataque cibernético é sempre uma ameaça, tanto maior quanto mais digitalizados e conectados estivermos. Tem de haver um exercício de protecção e experimentação para assegurar que não somos atacados por hackers – e temos sido, nalgumas áreas. A ciber-segurança é fundamental e a COTEC tem um programa interessante nesta área.

Colaboração. É necessário trabalharmos em conjunto. Falta-nos alguma atitude de empreendedorismo. Temos alguns empreendedores, mas faltam-nos empreendedores jovens. Temos um problema na passagem de conhecimento entre a Academia e as empresas. E temos – e isso é o mais preocupante – uma grande falta de colaboração inter-empresas, que é fundamental para o crescimento económico e nos deixa atrás dos países do Norte da Europa.     

Conjuntura. A nossa carteira de clientes está relativamente melhor do que em 2018. Mantemos as expectativas de crescimento. Mesmo com esta desaceleração estamos acima do ano passado. Trabalhamos em mercados complicados, que exigem um grande esforço, mas estou otimista.

Crescimento económico. Se virmos os estudos, a digitalização está ligada ao crescimento económico. Na Europa, os países que produzem com maior valor acrescentado são também os que têm a indústria mais digitalizada. Portugal está em 12º lugar em termos de digitalização. Se conseguirmos saltar para o 7º lugar, teremos, em cinco anos, uma subida no PIB estimada em 2,1% a 2,4%. 

Digitalização. Na indústria automóvel, a digitalização já tem algum tempo e oferece uma maior oportunidade porque os clientes estão muito concentrados – para mais de 60 marcas, há dez a 12 construtores. Como a partilha de conhecimento é importante desde a concepção, temos sempre uma ligação duradoura com o cliente, o que permite estabilidade na partilha de informação. Há digitalização e conexão da concepção até à expedição. É uma indústria just in time e é preciso ter uma conexão imediata com o cliente. Não podemos nunca atrasar, porque significaria parar uma linha de montagem.

Educação. O que peço é uma política de educação que se centre mais na carreira dos alunos do que até agora. É preciso que os conteúdos académicos, desde o ensino básico, conduzam os jovens a gostar do novo paradigma, das Matemáticas e Engenharias. Não adianta muito no 10º ano fazer os alunos escolher, quando já ganharam aversão à Matemática … 

Engenharias. Neste momento, preciso menos de engenheiros têxteis do que de engenheiros químicos. Como há uma grande apetência por engenheiros, não só em Portugal como lá fora, é mais fácil escolher uma Engenharia Química, Mecânica ou de Polímeros, porque isso permite dar o salto para o estrangeiro. 

Formação. Há falta de pessoal qualificado para trabalhar no chão de fábrica. Preferimos formá-lo internamento, embora leve muito tempo a ensinar alguém a trabalhar numa máquina complexa. Estamos a falar de seis meses, no mínimo. Portanto interessa-nos reter talento, ficar com essas pessoas durante muitos anos. 

Função Pública. Portugal tem feito um percurso sustentado. A digitalização na Função Pública está num patamar muito superior a muitos outros países da Europa. Temos de estar contentes por estarmos no pelotão da frente.

Gestão. Tudo numa empresa depende sempre da gestão de topo. Se a gestão de topo estiver motivada, motiva a sua empresa. Se não estiver ou até se desconhecer o que é a indústria 4.0 – e muitas vezes o problema até está no desconhecimento -, então poderemos ter um caminho mais lento.

Indústria 4.0.  A Indústria 4.0 não é uma ameaça, é uma grande oportunidade.  No curto prazo, até poderemos perder alguns empregos, mas com a transformação digital a economia vai crescer, o que significa que há mais empresas e mais oportunidades de emprego. Mas a indústria 4.0 não é uma opção neste momento. Ela está aí e é a única alternativa que temos. A smart factory é o futuro e embora possa soar a ficção, a verdade é que, há dez anos, falar em carros autónomos também era.

Infoexclusão. Há um perigo de a digitalização criar uma maior desigualdade. Foi um assunto que o Presidente da Republica levantou e que requer atenção sobretudo nas zonas com menos acesso à digitalização. Nas empresas em risco de infoexclusão pode estar em causa a sua sobrevivência. Uma empresa é feita de pessoas e por isso vão ser  formadas 200 mil pessoas na área da economia digital com os fundos do programa Indústria 4.0.

Inovação. Investimos entre 4% a 6% do nosso turnover em inovação e temos mais de 20 patentes.

Megacidades. Com o aparecimento das megacidades, com mais de dez milhões de habitantes, que em 2030 serão 41, vamos assistir a uma competição entre espaço de estacionamento – um automóvel está parado 80% do tempo … –  e para casas para as pessoas viverem. A mobilidade partilhada é uma tendência, até porque as cidades já não podem conter a quantidade de carros que têm neste momento.

Mobilidade. A mobilidade vai ser livre de combustíveis fósseis – seja eléctrica, híbrida ou por hidrogénio. E vai ser partilhada, conectada e cada vez mais autónoma. Livre de combustíveis fósseis, porque os jovens já não querem carros poluentes e a as diretivas europeias já avisaram que em 2030 temos de ter um target e cumprir as emissões de CO2. Partilhada porque os jovens não têm a relação de posse que nós tínhamos com o automóvel. Querem ter acesso e não possuir, com o que isso que implica de custos com a revisão, os impostos, a preocupação de estacionar. 

Patentes. A propriedade industrial e intelectual é pouco protegida em Portugal- Patenteamos 20 vezes menos do que no Norte da Europa. A nossa protecção é fundamental.

PME. Há estádios diferentes de desenvolvimento na implementação da indústria 4.0, mas isso não significa que sejam as PME que estão mais atrasadas. Não estão. E a COTEC tem vindo a fazer um trabalho com as PME, no sentido de as motivar, instruir e até apoiar no desenvolvimento da indústria 4.0 dentro de portas..

Produtividade. As estimativas apontam para que, em Portugal, a produtividade aumente 1,5 vezes se investirmos em sistemas da Indústria 4.0. O têxtil foi pioneiro na primeira Revolução Industrial. Com certeza que queremos ser também pioneiros nesta quarta Revolução Industrial. Estamos habituados a desafios e à inovação.

Qualificação. Estamos perante uma Revolução Industrial que tem como base os dados e o conhecimento como factores de produção, que tem de chegar não só ás pessoas que saem da vida académica, mas também preciso requalificar quem está na vida ativa.

Recursos Humanos. A TMG Automotive tem hoje mais de 700 pessoas, das quais mais de 100 têm o Ensino Superior e seis são doutoradas. Muitos empresários queixam-se de que e´difícil encontrar pessoas qualificado que corresponda aos desvios da digitalização, da industria 4.o e da nova era da mobilidade. Precisamos de mais engenheiros mas não somos só nós – todo o país precisa de mais engenheiros.

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