António Gonçalves
Criatividade e responsabilidade social dão as mãos no “Xi-coração Little Project”, uma iniciativa da professora Rafaela Norogrando, da Universidade da Beira Interior, que mostra aos alunos como a moda tem de estar consciente das dificuldades do seu público. Já na sua terceira edição, o projecto tem levado as turmas a criar peças de vestuário únicas, que depois de expostas ao público são doadas para causas de solidariedade.
“No início de cada ano, a história é sempre a mesma, os alunos chegam e falam de públicos-alvo que não existem: pessoas de classe média-alta, cultas, formadas, com uma família perfeita e às vezes tão resolvidas que até a nível espiritual já atingiram o nirvana” conta Rafaela Norogrando, professora no Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis da UBI.
No entanto, a sua experiência obrigava-a a pensar diferente. Depois de 9 anos a trabalhar como designer de calçado numa grande fábrica brasileira, Rafaela aprendeu a trabalhar para públicos reais e criou uma sensibilidade que depois veio a desenvolver num mestrado em Antropologia Social e Cultural. “Não interessa fazer o melhor detergente do mundo, se o chão é em terra batida” resume.
Assim, quando teve de fazer o programa da disciplina de Design de Vestuário, decidiu seguir uma abordagem nova e levar esta consciência social para as salas de aula. A ideia passa por desafiar os estudantes a desenhar peças de vestuário para um público-alvo diferente, sob algumas limitações típicas da indústria, como a necessidade de ter modelos facilmente reproduzíveis.
Para baptizar a ideia, a Italo-Brasileira quis escolher um nome bem português. “Xi-coração é um termo muito de Portugal, é uma expressão muito carinhosa, tão verdadeira, sonora e acolhedora” pode ler-se no site que criou para o projecto.
Logo no primeiro ano, em 2016, os alunos do curso enfrentaram o desafio de criar peças de vestuário para crianças africanas, dos 2 aos 15 anos, utilizando apenas materiais reciclados. Uma das regras, por exemplo, era não utilizar fechos-éclair, demasiado difíceis de reparar ou substituir numa pequena aldeia. O resultado foi uma exposição de aproximadamente 100 modelos diferentes, que viriam depois a ser doados à Little Dresses for Africa.
No segundo ano, o projecto foi mais orientado para raparigas adolescentes, com os alunos a confeccionarem não só vestidos, mas também acessórios e até pensos higiénicos em tecido. Os 130 trabalhos desenvolvidos foram expostos no Museu dos Lanifícios, na Covilhã, antes de serem enviados para uma comunidade no Zanzibar, que devolveu o gesto com uma fotografia de sorriso nos lábios (abaixo).
Este ano, a fechar a terceira edição (mais orientada para rapazes), Rafaela tem também razões para sorrir. A exposição revela a proatividade dos alunos, que investem cada vez mais arte e engenho em criar peças de vestuário criativas, a pensar num público que não conhecem, mas a quem dão um “xi-coração” cada vez mais apertado.
