Virgínia Abreu
“Não saio do meu país por nada deste mundo”
T16 Janeiro 2017

Jorge Fiel

Sem a obcessão de serem os melhores, Virgínia Abreu acredita que "o sucesso só é possível quando se faz uma aposta clara na qualidade, imagem e conforto".

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burocracia em Portugal continua a ser um drama. É impressionante a quantidade de papelada que é preciso para licenciar uma fábrica. Criar uma empresa implica sempre uma perda de tempo e paciência absolutamente desnecessárias”, afirma Virgínia Abreu, a CEO da Crispim Abreu.

Qual foi o momento mais duro da sua vida como empresária, em que esteve quase a atirar a toalha ao chão?
Nunca estive quase a desanimar. Galvanizo-me para a ação e fico mais forte sempre que tenho um problema grande para enfrentar.

A invasão de produtos asiáticos não a assustou?
Não. Assustava-me se os asiáticos viessem com produtos melhores que os nossos em qualidade, design e moda. Só o preço não era suficiente para me assustar… Para nós, o negócio foi sempre o mesmo: comprar, acrescentar, vender, ganhar e investir.

Mas fizeram mossa…
Fizeram. Até a nível ambiental! Com a abertura da OMC sabíamos que íamos sofrer uma concorrência muito competitiva em termos de preço e preparamo-nos para isso.

Como?
Desmontando os preços. Passamos a fazer as contas ao contrário, partindo do preço que o cliente estava disposto a pagar por um determinado produto.

Foi fácil?
Tivemos de repensar todos os nossos conceitos. Fomos desmontando os preços e começamos por chegar à conclusão de que para sermos competitivos ficávamos sem margem, não sobrava nada para nós… Não podia ser assim.

O que fizeram a seguir?
Passámos a pente fino toda a cadeia de produção, para apurar onde podíamos ganhar dinheiro. Não podia ser no fio, que nos custa o mesmo que aos nossos concorrentes asiáticos. Fomos por aí adiante, analisando o processo de fabrico, renegociámos com os nossos parceiros, eliminamos defeitos, apertamos o controlo de qualidade, investimos em máquinas mais modernas e fomos sensibilizando os trabalhadores para este desafio.

Virgínia Abreu
"Fazemos os melhores lençóis em malha jersey do mundo"

O desmontar dos preços foi suficiente?
De início não foi suficiente. Mas com o passar do tempo os resultados positivos começaram a surgir. Até porque houve um ajustamento na oferta e procura que nos foi favorável. Enquanto nós nos adaptávamos a uma nova realidade de preços, os clientes passaram a estar dispostos a pagar um pouco mais por produtos com maior qualidade e design e entregues com rapidez.

O esforço acabou por compensar?
Foi um esforço terrível mas claro que compensou. Ganhámos uma enorme eficiência pois sabíamos que ou tínhamos preço ou não vendíamos.

Ou seja, tiveram sucesso?
Estamos sempre a dar passos no sentido de sermos os melhores. O sucesso só é possível quando se faz uma aposta clara na qualidade, imagem e conforto.

A Zara foi um dos vossos primeiros clientes…
Tivemos muitos outros clientes antes, que ainda mantemos. Mas sim, somos o mais antigo fornecedor da Zara, em atividade. Só temos pena não sermos os que vendem mais para eles.

"Há quem distribua bem. Eu quero ser a que faz bem".

Como é que chegaram à Inditex?
Foi logo em 1985. Tínhamos ouvido falar de uma empresa espanhola com um conceito novo e interessante. Fomos à Corunha, eu e o meu marido, e levamos uma coleção. Eles estavam a começar com o sportswear e ao fim de uma ou duas visitas já estávamos a trabalhar juntos.

Foi amor à primeira vista?
Eles gostaram. Pediram-nos para fazer uma réplica e dar preço. Acabaram por pedir-nos para fazermos 400 peças. Agora, cada encomenda é de 50 mil ou 100 mil…

Ainda há encomendas grandes?
Nos básicos, as encomendas podem chegar até um milhão de peças. Mas são consideravelmente mais baixas nas peças de moda, de nicho e de grande qualidade, que é o segmento onde estamos preferencialmente. Temos de estar preparados para responder a todo o tipo de encomendas.

Têm uma grande exposição à Inditex?
Sim. Pesam cerca de 60% na nossa faturação. Gostamos de trabalhar com a Inditex.

Não têm medo de uma tão grande dependência de um só cliente?
Quem sabe o que quer e para onde vai não tem de ter medo da dependência de clientes. O importante é sermos organizados – e não querermos fazer tudo e acabarmos por não fazer nada.

Há quem defenda que o modelo de negócio inventado por Amancio Ortega foi um fator decisivo para a recuperação na nossa ITV…
Estou bastante de acordo. Se não fosse a Zara – ou outra Zara que aparecesse com o mesmo modelo de negócio – a nossa indústria não tinha atingido o atual nível de desenvolvimento, ou estaria mesmo apagada.

Quais são os pontos fortes da nossa ITV?
Acima de tudo a cultura e know-how que existem nesta região – Pevidém, Riba d’Ave, etc… – desde os tempos da Revolução Industrial e que tem sido transmitido de geração em geração. A minha bisavó e a minha avó foram operárias fabris na indústria têxtil.

As mulheres tiveram sempre um papel importante…
As mulheres têm uma aptidão especial para trabalhar com tecidos, são muito criativas, intuitivas e perspicazes em identificar defeitos de produção. Desde miúdas que nas férias da escola se habituaram a dar uma mão na pequena confeção de vão de escada da vizinha ou na fabriqueta da tia. As mulheres são muito trabalhadoras, muito capazes e muito produtivas.

E o maior ponto forte da Crispim Abreu?
A flexibilidade e polivalência. Aqui na fábrica toda a gente sabe fazer tudo e acode onde for necessário – a pôr uns transfers, fazer uns remates ou na estamparia. Esta elasticidade na produção é essencial.

A que correspondeu a aquisição, em 1986, da Polo, em Fafe?
Sentimos a necessidade de ter confeção e controlar todo o processo para sermos capazes de responder tanto a uma encomenda de um milhão de peças como a um pedido de 100 peças de uma marca da alta-costura.

O investimento em Moçambique, com a Mundifios e a Mundotextil, foi pensado para estender esse controlo até a montante, ao algodão e fio?
Moçambique é um projeto de longo prazo, com uma grande componente emocional, e é um projeto pessoal do meu marido. É muito pesado em termos de investimento mas está a correr bem. Todo o fio que produzem está vendido. Gostávamos de lhes comprar mais, mas não têm para entrega.

Nunca encararam a hipótese de deslocalizar produção?
Nunca fiz produção fora de Portugal. Não saio do meu país por nada deste mundo. Nunca me passou pela cabeça virar as costas aos meus funcionários, dizer-lhes vocês vão para casa que eu vou para o estrangeiro ganhar mais dinheiro. Isso é uma coisa que nunca farei. Mas nós não vendemos produção, vendemos moda, que é muito mais – exige muita atenção, muita qualidade, muito acompanhamento, muito design e muita rapidez.

E quais são as desvantagens competitivas de estar em Portugal?
A burocracia continua a ser um drama. É impressionante a quantidade de papelada que é preciso para licenciar uma fábrica. Criar uma empresa implica sempre uma perda de tempo e paciência absolutamente desnecessárias. E ainda há o problema das coisas que me irritam nas leis laborais..

O que é que a irrita?
Irrita-me que haja trabalho para fazer horas extra, que as minhas funcionárias queiram fazer horas extra para levarem mais dinheiro para casa e que depois não as façam porque não lhes compensa. E não lhes compensa porquê, se eu lhes pago a dobrar para trabalharem aos sábados? Não lhes compensa por causa dos impostos, dos descontos para Segurança Social, da subida no escalão do IRS, que lhes levam o dinheiro todo. As horas extra deviam estar isentas de impostos e descontos.

O custo e o acesso ao dinheiro no nosso país não a preocupam?
Se o projeto e a vontade forem sólidas, o dinheiro aparece. E para algumas empresas dinheiro fácil -, aquele dinheiro que ninguém sabe de quem é – até pode ser prejudicial…

Tinham muitos capitais próprios quando arrancaram?
Não. Começamos com poucas máquinas, uma novas outras nem tanto. E fomos investindo em novos equipamentos à medida que vamos libertando verbas para os adquirir.. Hoje felizmente temos fundo de maneio para adquirir as melhores máquinas. Mas a regra de ouro é manter baixos níveis de endividamento.

Porque é que só têm marca própria nos têxteis-lar?
No vestuário não sentimos essa necessidade. O mundo mudou. Há tão boas marcas, tão bons distribuidores, o que é que nós iríamos acrescentar?

Nada?
Uns sabem produzir. Outros sabem vender. Eu estou satisfeita por saber produzir bem.

Qual é a importância que os têxteis-lar têm?
Pesam uns 10% na nossa faturação. Fazemos as melhores mantas polares e os melhores lençóis em malha jersey do mundo. Não há nada mais confortável que um jogo de cama em jersey. É como dormir numa t-shirt. Uma pessoa entra na cama e nunca mais quer sair de lá.

O que vou levou a optar por uma marca própria?
Criamos a CasaSoft nos têxteis-lar para satisfazermos os clientes que apareciam a pedir-nos jogos de cama com a nossa etiqueta.

Nos têxteis-lar também fabricam marcas sob licença e estão no retalho?
Sim, também fabricamos marcas sob licença. Ainda não estamos no retalho com a nossa marca, mas em breve podemos fazer distribuição.

Quais são as tendências para a moda em 2017?
Roupas mais simples e confortáveis. Um look mais clean, com jeans, ténis e básicos que toda a gente tem em casa. Ou seja uma moda que não estimula a grandes mudanças no guarda-roupa…

O que espera deste ano novo?
Na empresa espero que tudo corra na normalidade. Desde que nascemos que tem sido sempre a subir. Nos anos de crise ficamos iguais. Em 2016, crescemos 13%. Para o setor, sinto que 2017 não vai ser um ano muito forte. Estamos a assistir a mudanças incríveis nos hábitos dos consumidores, que estão a comprar menos roupa e mais viagens e gadgets informáticos.

Essas mudanças de hábito não vos vão afetar?
Quando a moda cai e os consumidores deixam de se interessar tanto pela roupa, os têxteis-lar ficam em alta pois as pessoas voltam a comprar em força coisas para a casa. Ora nós, que também estamos nos têxteis-lar, vamos pensar que a tradição ainda é o que era.

Perfil

58 anos, licenciada em Direito, é a CEO da Crispim Abreu. Tem dois filhos, Crispim José (Pimzé), 30 anos, que estudou Design e Multimedia, e João, 27 anos, economista. Ambos trabalham (desempenhando múltiplas funções, como é hábito da casa), com os pais, num grupo que fatura 30 milhões de euros, 100% exportados, e emprega  330 trabalhadores.

Filha de um fotógrafo (António Abreu), com lojas em Riba d’Ave e Vila das Aves, Virgínia fez a primária e o liceu em Stº Tirso. Nas férias e fim de semana, dava uma mão no negócio fazendo reportagens de casamentos e batizados – ou atendendo ao balcão. Como não via o seu futuro a passar pela fotografia, mal acabou o secundário, fez um estágio no tribunal de Famalicão e pôs-se à procura de emprego, para ganhar dinheiro para pagar os estudos e cumprir o sonho de ser jornalista ou advogada. Mas a vida nem sempre corre como queremos. Empregou-se durante dois anos como secretária numa têxtil. Reencontrou Crispim, um antigo vizinho que era vendedor de fios. Apaixonaram-se, casaram-se e tornaram-se empresários. Bem mais tarde, em 2007, matriculou-se na Católica, onde foi colega dos filhos (como eram três conseguiram desconto nas propinas).  Em 2012, concluiu Direito. “Se um dia me reformar, vou exercer pro bono em causas sociais”, promete.

As perguntas de
Mário Jorge Machado
CEO da Estamparia Adalberto

O que devia ser feito para a têxtil ganhar ainda mais peso no conjunto da nossa indústria?
Na minha opinião, o foco principal não será ganhar peso em relação aos outros setores mas sim em crescer. A nossa indústria tem de enfrentar alguns desafios a nível nacional e internacional. Estes problemas estão identificados já há muito tempo por outras pessoas e relacionam-se sobretudo com uma maior flexibilidade da legislação laboral e com os acordos bilaterais com outros países e blocos aduaneiros fora da União Europeia.

Que oportunidades vê para a têxtil portuguesa?
A têxtil nacional tem condições para continuar o bom trabalho que tem sido feito e afirmar-se ainda mais no contexto internacional. Portugal é neste momento reconhecido internacionalmente não só pela qualidade mas também pela competitividade no preço. Além disso temos a capacidade para entender muito bem o que cliente nos pede e até acrescentar valor ao produto – e isso muitas vezes vale mais que o fator preço.

Ana Vaz Pinheiro
Administradora da Mundotextil

Nos dia de hoje, quais são os principais desafios na gestão de uma empresa?
O principal desafio é o de ter sempre encomendas em carteira. Não consigo dormir bem, nem sequer nos nossos ultra-confortáveis lençóis de malha jersey, se não tiver encomendas que garantam a produção durante pelo menos dois ou três meses.

O que mais a motiva para continuar a fazer o seu trabalho?
Gosto imenso do que faço e motiva-me a adrenalina que surge todos os dias com os problemas inerentes ao processo de produção. Esta profissão foi um acaso da vida, não foi propriamente a minha escolha de juventude, mas depois fiquei viciada. Já vi muita gente a sair de outras profissões para entrar na têxtil, mas ao contrário é difícil.

Quais são os seus desejos e projectos para 2017?
Gostava de ter uma ideia para um produto novo, uma peça de roupa completamente diferente – ou um processo de fabrico inovador. Gostava de inventar uma coisa.

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