Sidónio Teixeira da Silva
“Não é verdade
que a têxtil
pague mal”
T48 - Novembro 19

António Freitas de Sousa

Temos sido assediados por capitais de risco, o que prova que a têxtil é apetecível - afirma Sidónio Silva, fundador e líder do grupo Sidónios

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019 está a ser um ano difícil?

Está. Na nossa área, o preço do algodão – reciclado, orgânico e 100% algodão – tem muito relevo. A origem do algodão que entra em Portugal é a Turquia e como a Turquia desvalorizou a moeda, tem a mão de obra ao custo que tem e a matéria-prima, não precisa de fazer importações. A Turquia é muito competitiva nas áreas em que o algodão é predominante.

Qual é a solução para os fabricantes de malhas?

Pegar nos algodões e criar estruturas de malha que se possam diferenciar.

A Sidónios tem uma exposição grande à Turquia?

Não temos, porque apercebemo-nos disso e fugimos para outros tipos de fibras: os liocéis, as lãs, misturas com seda. Com essa estratégia ganhámos competitividade e começamos a trabalhar para marcas de preço superior. As coisas têm-nos corrido bem, mas estamos a procurar outros mercados.

Nomeadamente

O Mercosul. A têxtil está demasiado vocacionada para o mercado europeu, mas tem de olhar para o mercado americano. O Mercosul começa a ser interessante, até porque a União Europeia está a negociar um tratado que prevê a eliminação de taxas alfandegárias.

O Brasil conseguiu bloquear o acordo, ou pelo menos ameaçou!

É uma questão de tempo. Temos de pensar que devemos ter alguma presença nesses mercados.

E os Estados Unidos?

Já são um grande mercado para nós.

fechou o primeiro semestre. Os números indicam alguma variação negativa?

Não. O primeiro semestre deste ano foi melhor que o de 2018, mas não é o que tínhamos previsto como meta. E ainda temos o Brexit – as empresas portuguesas estão muito expostas aos grandes grupos comerciais britânicos. Mas pensamos que em 2020 as coisas podem começar a melhorar.

A empresa é a escola
Em Portugal, as pessoas vêm para as empresas para aprender ao invés de trazer algo de novo. A escola é aqui

A verticalização da empresa foi uma resposta aos tempos mais difíceis?

Até abril de 2020 concluiremos a parte das infraestruturas para a ampliação das instalações, uma parte essencial do investimento que temos em curso em tinturaria e acabamentos.

Em termos financeiros é um grande investimento?

São oito milhões de euros, mas é um número inicial, até porque nas empresas temos um investimento contínuo: em novas tecnologias, em tudo o que o que nos possa trazer mais-valias. A Sidónios Tech é um exemplo disso: simplesmente não existia – e nós pegámos na tecnologia, originalmente das meias, para fazer vestuário sem costuras.

A Sidónios Tech também vai beneficiar?

Consideramos que é um investimento das duas empresas, a Malhas e a Tech. Com o acrescento do tingimento e dos acabamentos, vamos funcionar em circuíto fechado.

Boas práticas ambientais são determinantes na seleção de fornecedores

O outsourcing vai desaparecer?

Não completamente. Mas a capacidade de tingir e acabar indoor é uma proteção para nós. A três níveis: a velocidade de resposta às encomendas; o controlo e a qualidade da produção; e os cadernos de encargos de alguns clientes – nomeadamente questões de confidencialidade que só podemos garantir fazendo tudo dentro de portas.

Isso é fundamental?

Sim, porque há marcas que obrigam à aprovação prévia dos fornecedores, o que quer dizer que investem numa cadeia fechada, que não pode estar exposta ao outsourcing. Mas continuaremos a trabalhar com os nossos parceiros.

Porque optam por investir capitais próprios?

A nossa cultura de empresa é avessa ao endividamento. Apesar do dinheiro estar muito barato e de termos as portas dos bancos abertas, preferimos sempre usar capitais próprios. Se tivermos que recorrer pontualmente, recorremos – mas sempre muito controlado.

Verticalizar e aumentar a capacidade são os objectivos deste investimento?

O investimento neste aumento de capacidade será feito consoante as tendências de mercado – sempre numa ótica de produzir o que é novo. São oito mil m2 para tingimento à peça e tingimento e acabamento. Todos os anos a empresa investe mais de 50% dos seus lucros.

Sempre com um foco na sustentabilidade?

Se assim não for, não faz sentido. Ainda estamos a estudar o sistema energético: caldeiras, geradores, gás e fotovoltáicas. Já temos da Sidónios Tech cerca de 400 painéis: nos picos dos dias de sol já somos completamente autónomos, mas recorremos a fornecedores de energia em base renovável: 100% da energia fornecida é verde.

Os clientes gostam…

Hoje em dia, as marcas – por fruto de várias certificações que foram surgindo – estabelecem objetivos nessa área (nas matérias-primas, nas energias, nas águas, nos químicos) e a nossa produção está vinculada e esses pressupostos. As boas práticas ambientais são muitas vezes determinantes na seleção dos fornecedores.

A produção sustentável continua a ser mais cara?

Já não é bem assim, até porque já havia produção sustentável que simplesmente não era motivo de notícia. Por exemplo: somos dos maiores clientes de um grupo italiano que produz linho, que é sustentável; o Lyocell a mesma coisa, o cupro – feito  do desperdício de sementes de algodão – de que somos os maiores produtores da Europa, sendo o fio japonês. É isto que temos de dar a conhecer ao consumidor final.

O que falta é convencer os consumidores a pagarem essa mais-valia?

Há custos associados à produção sustentável, mas também há poupanças: na água, nos corantes, etc. Os preços têm vindo a cair, até porque os produtos sustentáveis e os reciclados já não são novos e houve um nivelamento. Há outras coisas que continuam a ser caras, como por exemplo as fibras sintéticas biodegradáveis.

A qualidade do reciclado é idêntica à das fibras virgens?

Há que ter cuidado com alguns reciclados: podem produzir artigos sem qualidade. Na Sidónios acrescentamos 30% de reciclados a fibras virgens e o resultado tem sido excelente. Estamos a homologar na Lenzing fios que são 70% lyocell e 30% refibra e também de refibra com linho; e de refibra com algodão.

Como previnem a ausência de solavancos na passagem de geração para geração?

Quatro anos após a função da Sidónios, quando estamos a mudar de Galegos para Roriz, o meu pai faleceu, com 52 anos. Não chegou a ver a fábrica nova a trabalhar. Eu tinha 26 anos e houve algumas dúvidas. Era o meu pai que lidava com os fornecedores e com a banca. As pessoas interrogavam-se: “Será que o miúdo vai conseguir?”

Conseguiu …

Mas primeiro tive de acalmar toda a gente :-). Apostámos em artigos diferenciadores, como jacquards estruturados. E envolvi o resto da família na empresa.

Os seus sócios são ao mesmo tempo os seus irmãos

Consegui incutir-lhes o gosto por isto.  Vieram todos trabalhar para cá. Quando o meu pai faleceu, a minha mãe e os meus quatro irmãos herdaram os 40% dele. Eu não quis nada. E o Carlos, o mais velho a seguir a mim, ficou com 20% da Sidónios.

Já começaram a pensar como vai ser a passagem para a próxima geração?

Há dois anos, face ao alargamento da família – em conjunto, eu e os meus quatro irmãos temos doze filhos –  começámos a refletir sobre o que devíamos fazer para assegurar o futuro deste grupo. Quisemos evitar o que acontece com muitas empresas: acontece uma fatalidade e as elas desaparecem. E estamos a concluir uma reestruturação das posições no capital das duas empresas.

A hipótese de um CEO profissional vindo de fora nunca esteve em cima da mesa?

Não encaixa numa indústria como a nossa. Um CEO vindo de fora tende a focar-se apenas na gestão e a descurar a produção. Ora para haver bons resultados na têxtil é preciso saber tomar diariamente decisões que correm seriamente o risco da serem erradas se foram tomadas por alguém que não conheça intimamente o nosso mercado e o nosso processo produtivo.

O próximo quadro comunitário deve repetir o Portugal 2020 ou alterar as prioridades?

Os investimentos têm sido retidos, os concursos não abrem com a cadência devida. A anterior legislatura [do PSD] foi muito eficaz. As empresas têm timings de investimento, têm que responder às necessidades de mercado e não podem estar um ano à espera para os concursos abrirem e depois afinal não abrem. Não pode ser. As aberturas de concurso incertas e muito desfasadas no tempo criam sérios problemas de planeamento às empresas.

Há aí, portanto, um desincentivo …

Claro. E há incongruências entre a política fiscal e os incentivos financeiros: com limitações de calendários, a que se soma a burocracia, acaba por haver incompatibilidade entre benefícios fiscais e benefícios financeiros. No que tem a ver com o sistema de incentivos à inovação, mais vale aproveitar os incentivos fiscais do que recorrer aos fundos comunitários. Temos de fazer um mapa de investimento a dois ou três anos, mas as necessidades mudam diariamente – o que acaba por não ser muito eficaz.

Porque é que há tanta dificuldade em encontrar quem queira trabalhar na ITV?

Há uma dificuldade grande em encontrar pessoas porque a generalidade da população desconhece que boa parte dos empregos no nosso setor são qualificados.

A formação que há não chega?

Há pouca e a que há não interessa às pessoas. Nos cursos do Modatex, há taxas de desistência muito elevadas, apesar da empregabilidade dos que concluem a formação atingir os 100%. Há países que têm formação muito mais eficaz, como é o caso da Turquia. Em Portugal, as pessoas vêm para as empresas para aprender ao invés de trazer algo de novo. A escola é aqui. E há uma enorme necessidade de cursos intermédios.

A formação deve regressar às prioridades do próximo quadro comunitário?

Sim, é preciso aproximar as competências de formação das necessidades das empresas, em vez de andarmos a distribuir diplomas só por questões estatísticas. Porque é que não se fazem inquéritos às empresas sobre as suas perspectivas imediatas e as necessidades futuras?

A formação é um dos calcanhares de Aquiles do cluster?

Não vale a pena desenvolver o cluster se a formação não seguir a par. Há um grande desfasamento entre as competências ministradas, em conteúdo e em quantidade, e as necessidades do mercado. É por essas e por outras que os salários não crescem como deviam.

O conhecimento externo da realidade da nossa ITV é o suficiente?

Não. Tenho clientes que quando chegam a Portugal desconhecem quase tudo, todas as competências que as empresas têm. O turismo recebeu campanhas de marketing brutais, o calçado também vai sendo conhecido, mas nos têxteis – desde logo nos mercados emergentes do Mercosul e no Canadá – falta promoção. O novo quadro comunitário deve ter isso em atenção.

Perfil

Sidónio Teixeira da Silva, 57 anos, nasceu em Barcelinhos, sendo o mais velho dos cinco filhos de Sidónio Ferreira da Silva, que foi responsável técnico pelos teares da TOR. Na adolescência, jogou basquete no Óquei de Barcelos, mas no particular do futebol tem dois amores: o FC Porto (de que o pai era adepto fanático) e o Gil Vicente. Casado com Amélia Arantes, têm dois filhos que já trabalham no grupo, Bruno, 33 anos, licenciado em Economia (Católica), e Alexandre, licenciado em Engenharia e Gestão Industrial (U. Minho)

As perguntas de
Pedro Fiusa
Administrador da António Fiúza & Irmão

Como avalia a eficácia dos Portugal 2020 para as PME têxteis?

De uma forma bastante crítica. Os concursos não abrem com a cedência que deviam.  A planificação das empresas não pode ficar refém da burocracia e de um calendário incerto. No nosso caso, preferimos aproveitar os incentivos fiscais a candidatar projetos ao Portugal 2020. Relativamente ao próximo quadro comunitário, as prioridades devem ser alteradas – dando particular atenção à formação e inovação – e o seu ritmo deve estar em sintonia com as necessidades das empresas.

Que desafios e oportunidade antevê para 2020 e anos seguintes?

Estou convencido que 2020 será melhor que 2019. E quanto ao futuro, apesar da incerteza ir ser uma constante, haverá lugar para quem invista continuamente em tecnologia e inovação – e seja capaz de surpreender o mercado com produtos inovadores. Outro imperativo para ser competitivo no futuro é ter boas práticas ambientais e ser capaz de demostrar aos clientes o seu compromisso com a sustentabilidade.

Duarte Nuno Pinto
CEO da P&R Têxteis

Como perspetiva a disponibilidade de recursos humanos face às necessidades futuras das empresas, nomeadamente de quadros técnicos, intermédios e operadores?

Não está fácil. Há um estigma que é preciso vencer. As raparigas preferem ser caixas num supermercado, a ganharam o salário mínimo, a serem costureiras, uma profissão artesanal num ambiente industrial onde podem ter gosto no que fazem. Ao deficiente investimento do Estado em formação, soma-se o pouco interesse de uma

população convencida de que a têxtil paga mal, o que não é verdade. Com horas extra, os salários andam nos 900/1.000 euros. E nos quadros, oscilam entre os mil e os dois mil euros.

Encara a hipótese da gestão de topo ser entregue a alguém exterior à família? E de abrir o capital a investidores institucionais?

Neste momento não encaramos nenhuma dessas hipóteses, apesar de termos vindo a ser muito assediados por sociedades de capital de risco – o que demonstra que a têxtil se tornou um setor apetecível para os investidores.

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