Ricardo Fernandes
"Estamos
a crescer
a dois dígitos
no online"
T36 Outubro 18

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"Não fechamos a porta à possibilidade de termos mais marcas. Estamos atentos e preparados para crescer, mas para já a prioridade número um é a consolidação do que temos” - afirma Ricardo Fernandes, 58 anos, CEO do grupo Cães de Pedra.

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voluir da indústria para o retalho especializado foi o aproveitar de uma oportunidade ou o concretizar de uma estratégia?

Diria que foram as duas coisas em simultâneo. Surgiu a oportunidade de ficarmos com a marca Lion of Porches, que era na altura nossa cliente. Isso correspondeu ao nosso sentimento estratégico de que precisávamos de diversificar, de acrescentar outro ramo de negócio á empresa.

Em 2007, o ano em que ficaram com a Lion of Porches, a ITV atravessava um período muito complicado. Foi por isso?

A nossa indústria estava a passar um mau bocado, com as margens a descerem assustadoramente, por isso tínhamos de explorar outras alternativas de negócio,como, por exemplo, trabalhar uma marca própria e apostar no retalho especializado.

Durante algum tempo conciliaram as duas atividades. Não se arrependeu de ter descontinuado a indústria?

Estávamos a ter problemas de competitividade. Tínhamos de nos focar, de concentrar os nossos recursos e energia numa só vertente. E uma empresa comercial não pode ficar refém de uma fábrica. Tem de ter mãos livres para procurar o melhor produto ao melhor preço.

Foi uma decisão difícil?

Claro que há uma parte sentimental, mas não podemos deixar que ela contamine um processo de decisão que tem de ser 100% racional. A indústria é uma coisa muito bonita, mas, para além de tudo, havia uma questão de espaço – em Selho, Guimarães, não tínhamos instalações que pudessem suportar o crescimento das duas atividades.

O retalho especializado era um objetivo … 

As margens são maiores, mas os desafios que se colocam, os riscos que se correm e os investimentos que têm de se fazer são também muito grandes. Não foi por isso que mudamos, mas sim porque considerámos que não podíamos ficar agarrados às máquinas que tínhamos.

Made in Portugal
“Compramos em Portugal - cerca de 70% - pela qualidade. Se fosse só pelo preço íamos buscar tudo lá fora”

Somos bons a produzir mas não na distribuição e criação de marcas, ao contrário dos espanhóis. Não teve medo de dar esse passo? 

Tínhamos a noção disso e da grande responsabilidade que estávamos a assumir. Sabíamos que construir uma marca é muito diferente de gerir um vulgar comércio tradicional. Para começar há logo um grave constrangimento: o nosso mercado interno é demasiado curto.

Fica caro construir uma marca?

Trabalhar uma marca é bem mais exigente do que estar na indústria. Exige grandes investimentos em notoriedade e visibilidade, É indispensável que a marca tenha uma alma e personalidade próprias – e seja um projeto coeso dotado de uma estratégia adequada.

A Lion of Porches tinha alma?

Sim tinha um estilo já definido e que nós tentamos melhorar e sofisticar. Demos-lhe uma outra expressão, um cariz ainda mais british. Passou a ser de total look, alargamo-la ao segmento kids – e apostamos na criação de uma cadeia de lojas próprias e na internacionalização.

“A nossa ITV tem-se modernizado, está mais disponível para acompanhar as grandes tendências e evolui no sentido da flexibilidade”

É impossível construir uma marca sem lojas próprias? 

A Lion of Porches só estava no canal multimarca. Ter lojas próprias é fundamental para ganhar visibilidade, dimensão, e sentir mais rapidamente o pulso ao consumidor. Temos de ser capazes de perceber o sentimento do cliente, de percebermos se a roupa que fazemos lhes está a agradar.

A internacionalização é indispensável?

Não há alternativa, com um mercado interno tão estreito como o nosso. É um desafio enorme, que comporta muitos riscos, mas que tinha de ser assumido. Não podemos crescer mais cá dentro, temos de ir lá para fora, rapidamente e em força.

A cobertura do país que a Lion of Porches já está madura, não há nada mais que possa fazer? 

Podemos fazer alguns retoques na nossa rede e abrir uma ou outra loja de rua. Em Portugal temos 40 lojas próprias, cinco outlets, dois corners no El Corte Inglês e estamos em 94 comércios multimarca.

Qual é a geografia da vossa expansão internacional?

A expansão começou naturalmente por Espanha, onde temos doze corners nos armazéns do Corte Inglês, atém de duas lojas próprias. A nossa estratégia de internacionalização consiste em franquear com parceiros locais e em mercados onde possamos ter alguma notoriedade para impor a nossa marca.

É essa estratégia que explica a presença em mercados como o Irão, Geórgia ou Líbano?

Lá fora, além dos corners no Corte Inglès, de Espanha, temos uma rede de 19 lojas próprias em 9 diferentes países, um geografia que inclui também alguns mercados maduros, Espanha, Luxemburgo, ou a Suécia, onde abrimos uma loja em Estocolmo no final de agosto

Isso não é contraditório?

Não. Temos se ser flexíveis. Nunca vamos sozinhos para um país. Temos de ter sempre um parceiro local. Ora quando descobrimos um parceiro interessante num determinado país, agarramos a oportunidade e vamos para lá. Foi o que aconteceu na Suécia onde também vamos desenvolver o canal multimarca e digital.

Está satisfeito com o que já conseguiram na Lion of Porches?

Ainda temos muito trabalho pela frente, mas creio que já alcançamos um bom nível de credibilidade e a Lion of Porches é uma marca madura de roupa de lifestyle identificada com um estilo british e desportivo.

Por que é que há quatro anos compraram uma segunda marca, a Decénio? 

Como o volume de negócios no retalho começou a apresentar taxas de crescimento interessantes, decidimos aumentar a nossa presença não só através da expansão da Lion of Porches, mas também da aquisição de outra marca, a Decénio que nos deu ganhos ao nível de sinergia, ao tirarmos partido da sua integração numa equipa pré-existente.

Também tiveram de arranjar uma alma para a Decénio?

De lhe encontrar um estilo, uma personalidade. O desafio de uma marca é conseguir mostrar aos consumidores que é diferente das outras, que não é apenas mais uma.

Um desafio complicado?

Complicado mas obrigatório. A Decénio era uma marca que nos obrigou a grandes investimentos na remodelação das lojas físicas e na evolução do conceito da marca. Tivemos de lhe descobrir um caminho novo, um estilo diferente, para acrescentar algo que as outras marcas não têm.

Qual é o estilo da Decénio? 

As coleções da marca tentam refletir um estilo mediterrânico, inspirado na vivencia  do sul da Europa,  um casual chic um lifestyle descontraído . A nossa preocupação tem sido interpretar bem o conceito Medtierrano, fazer sentir isso nas roupas.

Esse objetivo já foi atingido?

Temos tido a necessidade de ir fazendo algumas correcções de trajeto, o que é natural, são as dores de crescimento. Os nossos objetivos ainda não foram alcançados a 100%, mas sabemos o que temos e o que queremos.

O que querem?

O importante é a marca ter uma personalidade e um estilo próprio e compreendido pelo mercado, Temos 30 lojas próprias, todas em Portugal, e um volume de vendas de 18 milhões de euros, Calculamos que dentro de dois anos, o projeto estará consolidado a nível nacional e poderá viajar para o estrangeiro, dando inicio à internacionalização da Decénio.

Como é que a imagem da Decénio se situa em relação á da Lion of Porches?

A Lion of Porches é uma marca de roupa mais desportiva, muito ligada ao estilo british e náutico. A Decénio é mais estilo clássico atual, descontraído e por isso mais abrangente.

Ficam por aqui ou precisam de mais marcas?

Não fechamos a porta à possibilidade de termos mais marcas. Estamos atentos ao que se passa e analisaremos qualquer oportunidade que surja no mercado, pois uma nova marca pode trazer-nos economias de escala, novas sinergias.

Já está identificado o segmento da nova marca. E se vai ser adquirida ou criada de raiz?

Talvez uma marca mais económica, mas ainda não sei poderá ser uma oportunidade de mercado a ditar a opção. Estamos atentos e preparados para crescer com a mudança do grupo de Guimarães para as Vila do Conde. Mas para já a prioridade número um é a consolidação do que temos.

O crescimento exponencial das vendas online é uma ameaça para as lojas físicas?

Durante algum tempo houve quem temesse isso, mas hoje em dia já toda a gente percebeu que os dois canais vão coexistir. A notoriedade de uma loja digital necessita de ter uma presença física no mercado para poder ser conhecida e procurada na internet.

É esse o caminho?

As duas vertentes do negócio são complementares. É preciso ter presença no mercado para uma marca ter visibilidade e se poder afirmar entre as milhões de marcas que estão só no online. Temos assistido a grandes grupos digitais a comprar e montar lojas físicas, necessitam de ter uma presença real no mercado.

Como é que estão as vossas vendas online?

Muito bem. Estamos a crescer a dois dígitos e já atingimos volumes bastante interessantes. Através deste canal temos conseguido vender em mercados que nunca nos tinham passado pela cabeça.

Como estão a recolher e a tratar de dados para perceber o que o consumidor quer?

Temos uma equipa especializada que monitoriza em permanência todos os dados recolhidos, para tentarmos perceber em tempo real como é que as nossas propostas estão a ser recebidas.

Ter lojas próprias facilita esse trabalho?

Facilita, acabamos por sentir mais o negócio e a evolução das vendas mas curiosamente o canal multimarca é a mais valiosa fonte de informação, pois permite comparar a performance das nossas coleções com a de outras marcas. O retalhista multimarca é quem sabe logo porque é que uma peça não se vende, se é pelo preço, pela vestibilidade ou outra razão.

Qual é o fator crítico para o sucesso de uma loja?

Ter boas coleções, ser uma marca desejada, e ter bons colaboradores. Os recursos humanos são cada vez mais importantes numa loja, estes têm cada vez mais de serem conselheiros de moda perante os nossos clientes.

O nó da questão está na interação com o cliente?

A componente humana é determinante. Temos trabalhado muito com os coordenadores de loja para melhorarmos o atendimento, de modo a que seja ele seja feito com atitude e prazer de vender .

Que percentagem das vossas compras são feitas em Portugal?

São cerca de 70%. Mas compramos essa quantidade cá acima de tudo pela qualidade. Se fosse só pelo preço íamos buscar tudo lá fora. Mas fazemos questão de não decepcionar o nosso cliente. Por isso mesmo acabamos de criar um departamento de qualidade – uma equipa de quatro pessoas que testa até à exaustão todos os produtos antes deles irem para o mercado.

Que avaliação faz da nossa ITV?

Muito positiva. Tem-se modernizado, está mais disponível para acompanhar as grandes tendências e evolui no sentido da flexibilidade, tornando-se capaz de produzir pequenas séries com muita qualidade, marcando assim a diferença face aos produtores asiáticos.

Ainda não está perto de se reformar, mas já começou a pensar como vai ser a passagem para a segunda geração?

É um assunto que encaro com toda a naturalidade e vai ser tratado com todo o profissionalismo. Não é por ser apenas filho do accionista que alguém vai assumir a gestão deste grupo. A afirmação de que os recursos humanos são o ativo mais importante de uma empresa é cada vez mais verdadeira. O valor não está nas paredes mas nas pessoas que estão lá dentro.

Como vê o grupo dentro de dez anos?

Sonho vê-lo mais forte, com as marcas completamente internacionalizadas, porque o nosso pais é pequeno demais para as nossas ambições. A sustentabilidade do grupo exige que ele seja internacional.

Perfil

58 anos, nasceu e cresceu em Guimarães onde vive – e é naturalmente adepto do Vitória, com camarote no Afonso Henriques.  Mais velho dos dez filhos de Herculano Fernandes, o empresário do célebre armazém Herculano & Pimenta, Ricardo habitou-se desde miúdo a dar uma mão no armazém durante as férias e os tempos livres. Ficou com o bichinho do negócio e assim que acabou o liceu, optou por ficar a trabalhar lá.  Casado, tem três filhos: o Ricardo (mais velho) já está no grupo Cães de Pedra, a Maria João (que está a fazer o estágio para ser advogada) e o Nuno, que está acabar pós graduação Gestão Hoteleira.

As perguntas de
Paulo Melo
Presidente da ATP

Com o conhecimento alargado que tem do setor, como vê a evolução futura da indústria têxtil portuguesa?

Vejo com otimismo, acho que a atual industria está muito bem preparada para os desafios futuros. Quem passou e ultrapassou os anos difíceis que tivemos estará certamente capaz de evoluir e de dar resposta às novas exigências dos mercados.

Como perspectiva o crescimento futuro da Lion of Porches. Vai apostar mais na criação de marcas para homem ou em marcas de moda feminina?

A Lion of Porches tem de consolidar o seu posicionamento no mercado nacional e crescer nos mercados  internacionais e este será, com toda a certeza, o grande desafio. A nossa aposta é sermos uma marca que possa vestir uma família, por isso as três  linhas – homem, senhora e criança – terão de ter um equilíbrio entre elas, são todas importantes e complementares .

José Cardoso
CEO O Segredo do Mar

Quais as vossas expectativas para o negócio online?

O nosso grupo já está a trabalhar em modo digital e temos uma máquina bem montada para assegurar o bom funcionamento da logística nas vendas online. O ritmo a que elas cresceram em 2017 é bastante animador representam já 10% da faturação na Decénio e 15% na Lion of Porches. O desafio que colocamos a nós próprios é o de atingirmos rapidamente um patamar na ordem dos 20 a 30% de vendas feitas online.

A expansão internacional tem-se revelado difícil para as marcas portuguesas, mas inevitável para uma sobrevivência sustentada a médio prazo. Quais os projetos da Têxtil Cães de Pedra para o seu portfólio de marcas?

Temos um projeto bastante consistente de expansão internacional. Com mercados bem identificados e estratégias delineadas. E sabemos que o futuro do grupo passa por aí, pois é impossível sobreviver e prosperar se estivemos demasiado expostos ao mercado doméstico.

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