Mário Jorge Silva
“Somos um grande exemplo de economia circular”
T22-23 Julho-Agosto 2017

Carolina Guimarães e Jorge Fiel

Jogou futebol e ainda pensou em ser escritor mas... as engenharias venceram. Mário Jorge Silva tem 54 anos e é o CEO da Tintex.

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eixamos de ser uma tinturaria, para sermos reconhecidos como uma empresa exportadora e inovadora – afirma Mário Jorge Silva, 54 anos, CEO da Tintex, a empresa de Vila Nova de Cerveira que é provavelmente a mais premiada das têxteis portuguesas.

Começou a trabalhar para outros e acabou empresário. Foi o agarrar de uma oportunidade ou o concretizar de um sonho?
No final do curso, após um estágio na Portucel, vim logo para a têxtil. Após dois anos na Barcelense, fui para a José Correia, onde arranquei com uma tinturaria nova, em Padim da Graça. Era o diretor geral e ocupava-me de tudo, dos aspetos técnicos mas também dos comerciais e da gestão.

Foi uma espécie de MBA…
Sempre fui uma pessoa inovadora e arrojada que gosta de desenvolver produtos novos. Nunca gostei de estar parado. Assim que apareceu, em 1998, uma oportunidade de comprar uma tinturaria desativada em Cerveira, aproveitando o seu alvará, aceitei o repto de algumas confeções clientes e avancei como acionista e diretor.

Correu logo bem?
Nem por isso. Não era a primeira vez que montava uma empresa de raiz, mas Cerveira fica longe dos clientes, em Barcelos, o que significa custos acrescidos de transportes e dificuldades extra na contratação de técnicos.

Mas já sabia dessa desvantagem competitiva…
Os sócios que reuni na composição acionista inicial da Tintex comprometeram-se a colocar aqui trabalho suficiente para viabilizar o funcionamento da empresa. Nem todos cumpriram, o que nos dificultou muito a vida, nos primeiros tempos.

Como resolveu o assunto?
Sempre tive a vocação para trabalhar fibras mais delicadas. E por volta do ano 2000 surgiu-nos o desafio de resolver um problema técnico com o lyocel, uma fibra nova lançada pelos austríacos da Lenzing, que estava a ser trabalhada por uma fiação de Barcelona.

Mário Jorge Silva
"A insatisfação e a ambição fazem parte do ADN da Tintex"

Qual era o problema?
Ninguém estava a conseguir fazer malhas boas com o fio de lyocel. Em parceria com os catalães, domesticamos o defeito, alterando drasticamente a estrutura da fibra. Fomos os primeiros a produzir com lyocel malhas de qualidade com um toque bastante agradável e pilling muitíssimo reduzido.

Foi o ponto de viragem?
Deixamos de ser apenas mais uma tinturaria, para sermos reconhecidos como uma empresa inovadora, com uma grande capacidade interna de investigação, e exportadora. Em 2002 já estávamos a vender malhas lyocel para a La Redoute e para os italianos.

Resolver o defeito do lyocel foi o momento decisivo?
Era uma fibra nova, que dava os primeiros passos, e foi a nossa investigação que a viabilizou. Ganhamos a vanguarda. É um processo que dominamos melhor que ninguém. Passou a ser a nossa imagem de marca. Ainda hoje, o Tencel – a marca de lyocel da Lenzing – vale 40% do total das fibras que trabalhamos.

"A moda vai buscar cada vez mais inspiração aos têxteis técnicos"

A necessidade aguçou o engenho…
A insatisfação e a ambição fazem parte do DNA da Tintex. Já antes de 2002 fazíamos cartazes de malhas para ilustrar os nossos acabamentos. O sucesso com o lyocel obrigou-nos a mandar fazer as malhas e a vendê-las. Na altura não era normal ver uma tinturaria a comercializar malhas…

Subiam na cadeia de valor…
O peso das malhas na nossa faturação começou a subir e o dos serviços a baixar. Há três anos, a relação estava nos 50/50. Hoje, as malhas já valem 80% dos nosso volume de negócios, que este ano vai atingir os 13,5 milhões de euros. E fixamos o objetivo, que tem sido cumprido, de crescer 30% ao ano nas malhas acabadas.

Não ficaram a dormir à sombra do sucesso lyocel…
O lyocel é muito importante, pois além de ser sustentável é um luxo que permite fabricar malhas ao mesmo tempo muito técnicas e confortáveis. Mas queríamos alargar, não ficar dependentes disto.

O que se seguiu?
As fibras de milho, soja e bambu, que começamos a estudar em 2005. E foi no milho que avançamos mais. Comprávamos o fio a fiações que usavam a rama de uma produtora norte americana. A fibra de milho é um substituto do poliéster de origem natural, de grande elasticidade e que dispensa a passagem a ferro. O problema é não ter resistência para ser tricotada de forma regular.

Em que pé estão?
O processo está em stand by. Avançamos muito, fomos muito badalados nas revistas da especialidade americanas, mas ainda não chegamos a resultados satisfatórios.

Há muito que trabalham com fibras amigas do ambiente. Foi uma opção?
No início do século, as questões ambientais e a sustentabilidade ainda eram olhadas como uma utopia. Nós apostamos logo nesse segmento porque não paramos nunca de buscar a diferença.

O verde continua a ser uma componente forte na imagem da Tintex…
Há três anos, a sustentabilidade ainda era um tema marginal. Mas fomos acumulando as certificações – Gots, BCI, Step, ISO 9001, ISO 14001 – e investindo em fibras naturais, como o algodão orgânico, o linho e a lã. Hoje, o verde já é negócio, desde que seja bem comunicado e o produto tenha design e boa performance. Usamos muitas fibras recicladas com certificação GRS e Ecotec. Somos um grande exemplo de promoção da economia circular.

A ITV foi sacudida por duas crises: a da adesão da China à OMC e a de 2008, com a Troika. Com qual sofreram mais?
Os anos piores foram entre 2006 e 2010. Sofremos muito com uma guerra desenfreada de preços que nos foi movida por concorrentes desprovidos de ética, que deixavam ir as empresas à falência e depois abriam outras ao lado.

Como aguentaram essa concorrência desleal?
Fizemos o trabalho de casa. Já tínhamos coleções estruturadas e uma expansão comercial em curso. Aguentamos porque, mercê da nossa visão estratégica, conseguimos antecipar as tendências. Termos produtos diferenciados e posições conquistadas no mercado externo ajudou-nos a atravessar os anos da crise.

Qual é a visão estratégica da Tintex?
Começamos a trabalhar para o segmento médio/alto. O segmento médio morreu. Ou íamos para o low cost ou subíamos. Optamos sempre por subir. O que implicou acelerar o investimento em tecnologia, Recursos Humanos e na parte comercial.

Resultou?
Descolamos definitivamente do segmento médio e consolidamo-nos no alto, como é demonstrado por temos na nossa carteira de clientes marcas como a Ralph Lauren, Filippa K, Helmut Lang, Cos e Burberry, entre outros.

Qual a grande lição dos anos de crise?
Não podemos andar aos ziguezagues. Temos de traçar uma linha de rumo e ser persistentes, não desistindo à primeira contrariedade. Temos de estar sempre preparados para qualquer eventualidade, munidos de um plano B para contornar situações inesperadas. Também é fundamental ter uma boa equipa, com um espírito de grupo forte.

Como se cria um espírito de grupo forte?
Sabendo comunicar aos colaboradores as coisas boas e más da vida da empresa. Sabendo dar-lhes responsabilidade e partilhar com eles não só os sucessos mas também os desafios e dificuldades.

Que custos de contexto afetam a vossa competitividade?
Acima de tudo os custos da energia, que estão sempre a subir. Como agravante, apesar das nossas preocupações ambientais, durante os anos da crise tivemos de trabalhar com fuel, pois não tínhamos ligação à rede de gás, apesar do gasoduto passar a uns oito km da nossa fábrica.

Como atenuam essa desvantagem?
Temos um sistema fotovoltaico que diminuiu em 25% a fatura energética e compramos equipamentos mais eficientes. Os sete milhões de juros que investimos nos últimos três anos também foram aplicados em jets que gastam menos 30% de energia, água e produtos químicos.

A sustentabilidade é um dos pontos fortes da vossa imagem?
A frase Naturally Advanced que escolhemos para assinatura exprime isso. Somos uma empresa tecnologicamente avançada, comprometida com a diminuição da sua pegada ecológica e apostada em ser uma referência, a nível mundial, no respeito pelo meio ambiente.

Em 19 anos, investiram 26 milhões de euros. Não têm problemas com o acesso e custo do dinheiro?
Em 2010 era muito difícil arranjar um financiamento. Mas as coisas têm melhorado. Eu não sou rico, mas a Tintex não tem parado de investir. Os bancos emprestam dinheiro porque sabem que o estamos a aplicar em equipamentos que vão dar retorno. Projetamos faturar 15 milhões no próximo ano e 18 milhões em 2019.

Investiu pessoalmente numa fábrica de malhas. A que corresponde esse movimento?
Precisávamos de ser mais rápidos a desenvolver os novos produtos e de ter mais agilidade na resposta a alguns clientes. Mas vamos continuar a subcontratar tricotagem. A Hata só vai satisfazer 50% das nossas necessidades.

Quanto é que a Hata fatura?
Para já não é significativo, pois está a arrancar. Em velocidade cruzeiro, deverá rondar os três milhões de euros. Ainda estamos a investir em máquinas novas, de jogos finos, únicas em Portugal.

O que as distingue?
Normalmente os jogos finos estão dedicados a fibras sintéticas. É mais difícil produzir malhas finas – mas compactas, com boas estruturas e um conforto incrível -, com fibras naturais e celulósicas. É isso que estamos a fazer.

O investimento em máquinas state of art abrem novas perspetivas de negócio?
A máquina mais diferenciadora é a de coating, que é única no mundo, permite-nos apresentar produtos totalmente inovadores e inesperados no segmento da moda e fornecer novas indústrias, como a de automóvel e a do calçado. E apesar de ser bastante recente, já nos possibilitou fazer novos artigos, como o tecido com base em cortiça, desenvolvido com a Sedacor, e que foi premiado na Munich Fabric Start.

O que é que acrescenta?
Até agora, tudo quando se fazia era colar a folha de cortiça em cima de outro suporte. O nosso produto tem elasticidade, pode ser lavado e tem vantagens de respirabilidade, repelência e barreira.

Por que é que apostam cada vez mais nos têxteis técnicos?
É aí que está o futuro. A moda vai buscar cada vez mais inspiração aos têxteis técnicos. É incrível o crescimento do athleisure. Foi por causa dessa aposta que trouxe de Hannover dois engenheiros químicos: o meu filho Ricardo, que estava na Continental e se ocupa da inovação, e a sua mulher Ana, que era investigadora na Universidade e trata da sustentabilidade.

Quando teve a certeza absoluta que estava no caminho certo?
Quando na nossa primeira participação na ISPO, em 2016, ganhamos seis prémios, entre os quais um Best Product. Foi o reconhecimento internacional da qualidade da nossa investigação.

São, provavelmente, a mais premiadas das nossas têxteis…
Antes da nossa primeira ISPO já tínhamos ganho o Inovatêxtil com o método Colorau de tingimento ecológico. Este ano voltamos a trazer oito prémios da ISPO. E na Munich Fabric Start recebemos um prédio High Tech.

É virtuosa a queda do peso nas vossas exportações diretas?
É sinal que as confeções portuguesas estão bem cotadas internacionalmente. Muitos dos nossos grandes clientes compram-nos as malhas e pedem-nos que as entreguemos a produtores portugueses. E outros perguntam-nos em que confeções do nosso país devem colocar as suas encomendas.

A Tintex começou como uma tinturaria, mas hoje é mais que isso. Foi por isso que adotaram uma nova imagem corporativa?
Portugal faz muito bem, mas se não o soubermos comunicar, estamos a prejudicar-nos e a comprometer o preço dos nossos produtos. Não basta saber fazer. É preciso fazer saber que sabemos fazer. O nosso preço não pode ficar abaixo do dos italianos ou alemães. A Tintex vai comunicar que não é apenas mais uma empresa de produção – somos uma marca!

Perfil

Mário Jorge Silva, 54 anos, nasceu em Vila Chã, Esposende, sendo um dos dos cinco filhos do matrimónio entre uma doméstica e um guarda fiscal. Em miúdo, percorreu esse Portugal desconhecido, a reboque dos destacamentos do pai. Até ao 9º ano, estudou no Seminário do Espirito Santo (embora nunca lhe tenha passado pela cabeça ir para padre), completando o secundário em Barcelos. É licenciado em Engenharia Química pela FEUP. Tem dois filhos, sendo que o mais velho, Ricardo, já trabalha com ele, há dois anos, na Tintex.

Quando completou o 9º ano, ainda pensou escolher Humanidades. “Gostava muito de escrever e cheguei a sonhar ser escritor ou jornalista”, conta. Mas decidiu-se pelas Ciências e encaminhou-se logo para as engenharias, mas o primeiro amor não foi a Química – mas a Eletrotecnia. Do curso, feito na rua dos Bragas, guarda recordações contraditórias. “Os primeiros anos são bastante desmotivadores. E o curso é muito teórico. Tem pouca ligação à industria. Sai-se de lá sem saber o que é uma caldeira. Mas dá uma ginástica mental tremenda”, afirma Mário Jorge, que entre os 16 e os 26 anos jogou futebol federado, tendo alinhado em várias equipas (Vila Chã, Marinhas e Forjães) dos Distritais de Viana do Castelo e de Braga. “Jogava a avançado. Era muito rápido.  Não era bom no drible. A velocidade era a arma que usava para surpreender os defesas. Chamavam-me o Seninho”, recorda o CEO da Tintex.

As perguntas de
Ana Silva
Head of Sustainabilty & Innovation e nora

O que o levou a apaixonar-se pela têxtil?
Há uns dez anos, sentíamos que os outros olhavam para a têxtil como um setor tradicional e obsoleto, fraco e condenado a definhar. O que estava a dar era trabalhar na química, nos petróleos ou nas tecnologias de informação. Eu, que sempre gostei de introduzir novas valências, de trabalhar com novas fibras e acabamentos, estou orgulhoso porque finalmente a têxtil é reconhecida por todos como uma indústria inovadora, tecnologicamente avançada, capaz de fazer produtos novos para setores como a saúde, o automóvel ou a industria aeronáutica. É esta capacidade de se reinventar que me apaixona na têxtil.

Além de ser inovador, de que é que mais se orgulha na sua carreira?
Orgulho-me de ter conseguido levar a Tintex a fazer um percurso bem sucedido e inesperado face ao inicialmente pensado, com a ajuda de um grupo notável de colaboradores, que se sentem orgulhosos de fazer parte deste projeto. Pessoalmente, sinto muito orgulho em ter conseguido, com a minha maneira de ser muito transparente e direta, ajudar a construir este grupo onde reina um ambiente fantástico.

Ricardo Silva
Head of Operations e filho mais velho

Desde criança que me habituei a que a balança do tempo que dedicavas ao trabalho e à tua vida pessoal e familiar estava sempre desequilibrada a favor da empresa. Como está agora a balança?
A têxtil é muito exigente. Nos arranques da tinturaria José Correia e da Tintex, dediquei à indústria um tempo e atenção exagerados, com grande sacrifício para a família. Agora que tu e a Ana vieram trabalhar para cá, nós estamos mais tempo juntos. Mas sei que a tua mãe e o teu irmão continuam a ser prejudicados. Vou continuar a esforçar-me por cumprir a meta que acordei convosco, de sair da fábrica o mais tardar às 19h30.

Com toda a inovação e dinamismo que imprimiste à tua carreira, que outra atividade imaginavas podias ter tido?
É uma pergunta muito difícil. Sempre gostei muito de fazer coisas novas. A investigação? Talvez se desse para experimentar e ver os resultados… Em adolescente, gostava muito de escrever e cheguei a sonhar ser jornalista ou escritor. Aos 14 anos, mandei um conto de ficção científica para o Primeiro de Janeiro. Não o publicaram. Não devia ser grande coisa:-).

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